Família denuncia negligência do HC com paciente que estava internado
A família de Lucas de Souza Marcelino, de 37 anos, busca por justiça depois que ele adquiriu uma grande lesão na pele – chamada de escara – pelo tempo em que ficou internado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília (HCFamema) em abril deste ano. De lá para cá, a ferida só piorou e acabou chegando praticamente aos ossos do paciente.
Em 2021, Lucas teve uma parada cardíaca de quase 30 minutos, em decorrência do coronavírus. As sequelas neurológicas foram severas, e deixaram o jovem, então com 34 anos, em estado vegetativo.
Desde lá, a irmã Solange de Souza, de 42 anos, abdicou de diversas esferas da vida pessoal para cuidar de Lucas. A mulher se dedica integramente aos cuidados do irmão, que passou a morar com ela.
No dia 29 de abril, Lucas – que respira através de uma traqueostomia e se alimenta por sonda nasogástrica – apresentou uma broncoaspiração, ou seja, a entrada de substâncias estranhas, como alimentos e saliva, na via respiratória.
Solange narra que chamou a ambulância e ambos foram até o Hospital das Clínicas. Lá, o irmão foi direcionado à ala amarela, onde passou a noite com outros vários enfermos. No dia seguinte, foi transferido para a ala de transição, pois precisaria ser internado.
“Nesse primeiro momento, ele ficou em espaços apertados, junto com muitas outras pessoas doentes, sem saberem o que ele tinha. Na ala de transição, o colchão era maior que a cama, ele ficou ‘encaixado’ em uma mesma posição por mais de dois dias. Não tinha como virar ele”, conta a irmã.
De acordo com Solange, este teria sido o período em que a lesão teria aparecido. Também chamada de úlcera de pressão, as escaras são causadas muitas vezes pela permanência em uma mesma posição por um longo período.
Solange teria ficado desconfiada quando não foi autorizada a acompanhar os banhos do irmão, período em que eram separados por uma cortina. “Teve um dia que abri para ver se estava tudo certo, mas levei um choque. A escara, na região das nádegas, já tinha aparecido”, compartilha.
Segundo ela, neste momento, alguns profissionais teriam tentado ocultar a ferida com um lençol. Um técnico, no entanto, teria falado que não precisava tampar, pois a acompanhante já tinha visto.
“Cuido dele há dois anos e ele nunca teve uma lesão sequer”, lamenta. “Pedi socorro, fiz um movimento, falei com todas as enfermeiras, porque ele precisava ir para uma cama decente. Depois, levaram meu irmão para a ala C, mas o estrago já estava feito”, se queixa.
Lucas ainda contraiu quatro tipos de bactérias diferentes e chegou a ser “desenganado” pelos médicos. Depois de tomar vários tipos de antibióticos, ele começou a reagir.
“Ele estava com muita febre, com a escara inflamada e quatro bactérias. Em certo momento, por total descuido, ainda arrancaram a gastrostomia no meio de um banho. Uma membrana da barriga foi rompida e começou a vazar a dieta. Mais uma porta aberta para bactérias”, narra Solange.
Apesar dos problemas enfrentados, depois de cerca de um mês, Lucas teve alta, momento em que a família teria passado por mais um descaso por parte do hospital. “Não queriam nos dar um lençol para cobrir meu irmão. Ele teria que voltar só de fralda. Com muito custo, deixaram ele vir com o lençol da maca e um técnico me deu outro escondido”, relata a irmã.
Atualmente, a escara permanece aberta e tem piorado a cada dia. O programa municipal Melhor em Casa acompanha o caso de Lucas de Souza Marcelino semanalmente. Solange realiza todos os cuidados no restante dos dias.
De acordo com a família, o paciente não consegue tratar da ferida pela Rede de Habilitação Lucy Montoro. Eles foram informados de que o instituto não teria como tratar uma ferida de quarto grau. Ainda segundo familiares, o jovem precisaria de tratamentos a laser, cujos gastos eles não podem arcar.
Foi aberta uma denúncia junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) contra o Hospital das Clínicas para que a Promotoria investigue a situação. “Meu irmão tem uma condição terrível, mas é tratado com muita dignidade e amor. Não queremos que aconteça com outras pessoas a situação de descaso que tivemos com ele. Todo mundo merece ser tratado com humanidade”, salienta a irmã.
A denúncia contra o hospital é por negligência e má prestação do serviço público de saúde.
OUTRO LADO
A Secretaria de Estado da Saúde e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília foram questionados sobre a situação e enviaram uma manifestação conjunta.
“O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília (HCFamema) informa que o paciente L.S.M. deu entrada na unidade em 29 de abril deste ano, tendo recebido alta médica, após boas condições clínicas, em 29 de maio. Durante todo o período de internação, o paciente foi assistido por equipe médica multidisciplinar e realizou diversos exames para diagnóstico clínico.
O paciente faz uso de dois dispositivos externos e, por isso, há predisposição para colonização e contaminação de bactérias. Por se tratar de um paciente acamado e com particularidades em seu quadro clínico, o processo de cicatrização é impactado diretamente.
O HC acrescenta que, no momento da alta do paciente, foi ofertado o Programa Interdisciplinar de Internação Domiciliar (PROIID), porém, foi recusado pela família, que optou pelo programa “Melhor em Casa”, do poder municipal. A Rede Lucy Montoro acompanha o paciente desde outubro de 2021, quando realizou atendimento em grupo de orientação, com equipe multidisciplinar, tendo alta em agosto de 2022. Atualmente realiza acompanhamentos no ambulatório de toxina botulínica com médico fisiatra.”