Fábricas de repelente trabalham em até três turnos para atender demanda
O Brasil registrou quase 1 milhão de casos suspeitos de dengue no país desde o início do ano, com 195 óbitos e outros 672 em investigação, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde. Com número insuficiente de vacinas contra a epidemia, tanto na rede pública quanto na privada, a população tem recorrido em peso aos repelentes para se manter a salvo da doença.
De acordo com dados da Linx, empresa especializada em softwares para o varejo, a venda de repelentes aumentou 26,4% nas farmácias nos primeiros dois meses do ano (até o último dia 23), em comparação ao mesmo período de 2023, em volume. Em faturamento, alta foi de 45,5% no intervalo, com uma variação média de 15% nos preços.
Mas os maiores fabricantes não estavam preparados para um aumento acima do previsto e temem que falte produto no ponto de venda: isso porque a matéria-prima é importada e sua chegada ao país pode demorar entre 30 e 150 dias.
Existem três princípios ativos usados nos repelentes, todos vindos do exterior: icaridina, um ativo de origem natural e de maior eficácia, que proporciona até 10 horas de proteção; deet (dietiltoluamida), o ativo mais antigo, de origem química e inflamável; e o IR 3535, ativo da multinacional Merck.
A reportagem esteve em farmácias da zona oeste de São Paulo e não encontrou algumas marcas à base de icaridina. Em uma das lojas, havia até reserva do produto.
“O icaridina é o mais procurado, porque não só garante mais tempo de proteção, como também pode ser usado por grávidas e crianças menores de 12 anos”, diz o engenheiro químico Norberto Luiz Afonso, presidente da Henlau Química, de Garça, no interior paulista. Com faturamento na casa dos R$ 50 milhões, a Henlau fabrica as marcas próprias das redes Drogaria São Paulo (Ever Care) e Raia Drogasil (Needs), além da sua própria marca, Sanlau -todos à base de icaridina.
“O problema é que a importação da icaridina pode demorar 60 dias, de navio. Eu estou pagando 30% a mais para que a matéria-prima venha de avião, da Alemanha ou da China. Ainda assim, o desembaraço na alfândega é demorado, o produto não chega antes de 30 dias na fábrica”, diz Norberto, que viu as vendas aumentarem 300% este ano, quando o repelente tomou o lugar do protetor solar e se tornou o produto mais vendido da Henlau.
A fábrica aumentou a produção de um para dois turnos. Ainda assim, a Henlau sofre com a falta de embalagens e só conseguiu encomendar matéria-prima para produzir até abril. “Só tenho previsão de produzir mais 230 mil unidades”, afirma Afonso, lembrando que entre o fim de março e o começo de abril deve ser o pico da dengue, por conta do fenômeno El Niño.
Na multinacional americana SC Johnson, líder de mercado com as marcas Off! e Exposis, a produção na fábrica em Manaus passou de um para três turnos em janeiro e o volume aumentou 150%. “Temos produzido ambas as marcas de forma ininterrupta”, informou a empresa por meio da sua assessoria de imprensa. A linha Off! usa ativos deet ou icaridina, enquanto que na Exposis o ativo é icaridina.
A fabricante destaca que não é preciso aplicar muito produto, uma vez que o excesso não aumenta a proteção. Mas recomenda usar o repelente tanto na pele exposta quanto nas roupas (versão em spray), para prevenir picadas.
A Cimed, fabricante do brilho labial Carmed, também viu a procura pela linha de repelentes Xô Insetos disparar. As linhas de produção da fábrica mineira de Pouso Alegre passaram de dois para três turnos. Foram 1 milhão de unidades produzidas em janeiro, 1,3 milhão em fevereiro e devem sair 1,5 milhão em março.
“A demanda é muito maior do que nós conseguimos suprir”, diz o diretor comercial da Cimed, Adibe Marques. “O princípio ativo do nosso produto é o deet, inflamável, só consigo trazê-lo dos Estados Unidos de navio, em uma viagem que pode demorar de 90 até 150 dias, com os trâmites alfandegários”, afirma. Segundo Marques, as compras do ativo só vão garantir produto até o fim de março.
A multinacional britânica Reckitt não revela qual foi o aumento da produção ou o número de turnos com que a fábrica opera. A empresa produz os repelentes das marcas SBP (à base de icaridina) e Repelex (deet) em São Paulo. Segundo a diretora de marketing da categoria de pesticidas, Ana Beatriz Guerra, a produção registrou alta de dois dígitos.
“No ano passado, a empresa já havia identificado que haveria uma alta na demanda por conta do fenômeno El Niño, que provoca aumento das temperaturas e mais chuvas, o que facilita a proliferação do mosquito”, afirma. “Ainda assim, está acontecendo um aumento de casos fora da curva.”
A Reckitt promove a ação “Juntos contra o Mosquito” em três comunidades de São Paulo (Heliópolis, Paraisópolis e Parque Santo Antônio) e uma no Rio (Rocinha), procurando conscientizar a população sobre as maneiras de prevenção contra a dengue, além de distribuir repelentes e pesticidas.
Já a Viveo, fabricante de materiais e medicamentos para a área da saúde, dona da marca Cremer, pretende aumentar a produção da sua linha de lenços umedecidos Feel Clean com repelente à base de IR 3535 (indicado para crianças a partir dos seis meses). “É um produto testado dermatologicamente, possui aloe vera e oferece proteção por até quatro horas, podendo ser reaplicado até três vezes ao dia”, diz o diretor de marketing da Viveo, Leonardo Celeri.
Com fábrica em Blumenau (SC), a empresa é uma das maiores fabricantes de lenços umedecidos do país, com cerca de 70% da produção voltada a grandes marcas como Johnson & Johnson e Huggies. “Hoje nossa distribuição ainda está muito concentrada na região Sul, mas vamos relançar os lenços Feel Clean com diversas especialidades, entre elas a função de repelente, em diferentes regiões do país”, afirma. O pacote com 16 lenços (tamanho 19 x 16 cm) tem preço sugerido de R$ 12,90.
Neste mês, o Procon-SP divulgou uma pesquisa que apontou reajustes de 15,78%, em média, nos preços dos repelentes entre dezembro e fevereiro, com diferenças que chegam a 84,19% para um mesmo produto. No período, a inflação medida pelo IPC-SP teve variação de 0,84%.
“Os fabricantes não estavam preparados para uma demanda dessa ordem e tiveram custos extras com transporte e contratação de pessoal, o que justifica parte do aumento de preços”, diz Luis Carlos Fischpan, diretor do canal farmácia na Linx. “Já os varejistas não têm muita justificativa para repassar uma alta que vá além do repasse da indústria.”
De acordo com a Linx, os preços variaram em média 15%. “Mas considerando os extremos, houve variação no ponto de venda de 1% até 120% no início deste ano, em relação ao começo de 2023.”
POR DANIELE MADUREIRA