‘Existe um movimento para barrar os rodeios’, afirma defensora pública Eloisa Goto
Eloisa Maximiano Goto, 42 anos, é defensora pública há 17 anos. Ela integra o seleto grupo de 224 aprovados em um competitivo concurso público realizado em 2007, que contou com a participação de 14 mil candidatos em todo o país.
Eloísa recebeu o Marília Notícia na última semana para conversar sobre diversos temas, incluindo seu ativismo em prol da causa animal, fato que lhe rende certa fama no meio em que trabalha.
Conhecida hoje como a ‘inimiga número 1’ dos rodeios na região, ela afirma: “Sou contra apenas os rodeios, que envolvem maus-tratos aos animais. Há, inclusive, um movimento de entidades representativas com legitimidade na Justiça para barrar esse tipo de evento também na região.”
A defensora pública argumenta que a nova lei aprovada pela Câmara de Marília em abril deste ano não podia ter sido sancionada pelo Executivo. Ela destacou sua posição sobre o assunto durante a entrevista desta semana no Marília Notícia. Veja abaixo na íntegra.
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MN – Você é nascida em Marília? Como foi a vida escolar até a faculdade?
ELOISA – Sim, minha família é toda de Marília, cursei o ensino fundamental no Colégio Sagrado Coração de Jesus e o ensino médio no antigo Colégio Interativo, hoje Interação. Fiz a faculdade de Direito na Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha (Univem) aqui da cidade.
MN – Quanto tempo você tem de Defensoria Pública?
ELOISA – Ingressei no serviço público já na Defensoria em junho de 2007, aprovada no primeiro concurso de ingresso de defensores públicos do Estado de São Paulo, ocasião em que tivemos pouco mais de 14 mil inscritos e 224 aprovados. Trabalhei os dois primeiros anos de minha carreira na 2ª Vara Criminal de Bauru e depois me removi para a Vara de Fazenda Pública Cível e Família aqui de Marília.
MN – Quais as pautas que mais te chamaram atenção até agora?
ELOISA – Nesses 17 anos de Defensoria, muitas coisas aconteceram, o que acabou nos sensibilizando enquanto ser humano. O que mais me chama atenção até hoje, são as questões relacionadas à Saúde, especialmente no que se refere à direitos para tratamentos médicos e obtenção de medicamentos. As pessoas nos procuram sem condições de pagar consultas, exames ou remédios de alto custo, que geralmente são negados pelos planos de saúde e na maioria das vezes pelo serviço público. Isto tudo nos comove, porque as pessoas que costumam buscar ajuda, sofrem de tipos de câncer incuráveis e necessitam de medicamentos específicos para aliviar o sofrimento, mas enfrentam dificuldades.
MN – Qualquer cidadão pode procurar a Defensoria? Como funciona o atendimento?
ELOISA – A Defensoria atende pessoas que possuem renda familiar de até três salários mínimos, com algumas exceções, como famílias que têm algum ente querido com tratamento de doença grave ou tipo de deficiência. Nestas condições, mesmo que receba um pouco mais de três salários, a pessoa pode também nos procurar para respaldo jurídico. Nós fazemos uma avaliação financeira antes. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. As segundas e quartas-feiras, o serviço é presencial e, nos demais dias, online, por meio de agendamentos pelo site ou telefone (14) 3413-8792.
MN – Você é conhecida como a inimiga dos rodeios no meio. Quando surgiu a pauta em defesa dos animais na cidade? Você foi procurada por Organizações Não Governamentais (ONGs) para barrar o rodeio daqui? Foi constatado maus tratos na prática?
ELOISA – Em 2017, um grupo de ONGs procurou a Defensoria Pública, relatando a preocupação com esses eventos e trazendo fotos que sugeriam situações de maus tratos na cidade. Por este motivo nós fizemos uma representação à Procuradoria Geral de Justiça, objetivando ajuizar uma ação declaratória de inconstitucionalidade da lei municipal que autorizava a realização do rodeio.
MN – Uma nova lei foi aprovada recentemente pela Câmara regulamentando o rodeio na cidade. É inconstitucional?
ELOISA – Agora em 2024 foi criada uma nova lei muito parecida com aquela inconstitucional de 2017, que acabou aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo senhor prefeito Daniel Alonso (PL). Nós já tínhamos notificado a Prefeitura para que o prefeito vetasse esta nova lei aprovada pelos vereadores, mas mesmo assim o chefe do Executivo sancionou. Então, na sequência, a Defensoria Pública notificou a Procuradoria Geral de Justiça sobre esta legislação que volta a permitir rodeios na cidade e já tivemos um retorno, com a informação de que vai ser proposta uma nova ação de inconstitucionalidade de alguns artigos desta lei.
MN – Como fica a medida perante a opinião popular?
ELOISA – Entendo que muitas pessoas gostam de festas de peão e alegam que afeta positivamente a economia da cidade, mas acreditamos que este tipo de evento possa ser realizado sem crueldade animal. Acho interessante a promoção de feiras agropecuárias, com shows, praça de alimentação e exposição de animais. Não tem problema e movimenta a economia do mesmo jeito. É só uma questão de adaptação. Mesmo que tenha acompanhamento veterinário, o rodeio força o animal pular através de maus tratos. Existem provas.
MN – Por que as cidades da região podem realizar rodeios?
ELOISA – Porque a ação declaratória de inconstitucionalidade afeta por enquanto só a lei municipal de Marília. O que posso dizer é que essas mesmas ONGs que nos procuraram em 2017, como têm legitimidade perante a Procuradoria Geral de Justiça, elas já estão se movimentando e recolhendo as leis dos municípios da região. Através do Ministério Público (MP-SP), estas ONGs podem adotar a mesma postura.
MN – Você acha que Marília tem estrutura para manter um hospital veterinário público?
ELOISA – Neste momento, entendo que a cidade não tem estrutura para abrigar um hospital veterinário público. Atualmente a Defensoria tem outras lutas, como demandas jurídicas para obtenção de medicamentos de alto custo para as pessoas que têm este direito negado pelo Estado ou Município. Precisamos fazer, por exemplo, com que a Prefeitura cumpra as medidas judiciais já existentes, a exemplo do rodeio e do recolhimento e castração dos animais de rua. Temos ainda demandas primárias para ser resolvidas. O hospital ainda é um sonho.
MN – A Defensoria Pública de Marília mudou de endereço?
ELOISA – Iniciamos no dia 26 de junho [quarta-feira] o atendimento no novo endereço, na avenida Tancredo Neves, 164, no centro, perto do Terminal Urbano do transporte público, bem acessível. É um prédio novo, de 1,5 mil metros quadrados e amplo. Estávamos num prédio que já não comportava o número de funcionários e, por este motivo, mudamos.
MN – Quantos atendimentos a Defensoria realiza por dia?
ELOISA – No período da manhã, uma média de 170 atendimentos e, à tarde, quando ocorre o retorno processual, gira em torno de 50 a 70 pessoas atendidas.
MN – Como você se sente sendo taxada de inimiga dos rodeios?
ELOISA – Gostaria de dizer que a questão relacionada à defesa e proteção dos animais faz parte da minha vida antes mesmo do meu ingresso à Defensoria, sempre tive um olhar muito cuidadoso com isto. Minha preocupação envolve todos os tipos de animais, não só os de pequeno porte e domésticos. Antes da liminar contra os rodeios, tenho uma ação ajuizada pela Defensoria que obriga o Município a recolher animais abandonados nas ruas, bem como realizar a castração gratuitamente. O Tribunal de Justiça do Estado determinou que o poder público municipal cumpra estes serviços, mas a Prefeitura não cumpre a decisão, não realiza a castração de forma satisfatória e muitos animais não têm sido recolhidos das ruas. Tive que enviar ofícios solicitando informações sobre a situação do contrato firmado entre Prefeitura e empresa terceirizada [BG Zangrossi], porque quero saber se o Município tem condições de cumprir a determinação do Tribunal.