Especialistas divergem sobre adoção de bula digital de medicamentos
O Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) solicitou nesta segunda-feira (8) que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) exclua da pauta da próxima reunião da Diretoria Colegiada do órgão, marcada para 10 de julho, o item que trata da possibilidade de extinção das bulas impressas para alguns medicamentos.
O instituto entende que são necessárias novas rodadas de participação social, aprofundamento das discussões relativas aos riscos de adoção das bulas digitais e a realização de audiências públicas e de análise de impacto regulatório.
Para o Idec, a bula digital deve ser uma possibilidade adicional e e não única forma de acessar as informações. Além disso, precisa ser fiscalizada pela Anvisa.
Especialistas ouvidos pela reportagem divergem a respeito de alguns pontos que envolvem a questão.
Para o médico sanitarista Walter Cintra, professor da Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo) da FGV, membro do FGVsaúde, o poder público tem que garantir uma informação correta, acessível e inteligível para a população.
“Se a digital vier para facilitar o acesso à bula, não vejo nenhum problema. A digital passa a ser mais uma forma de o cidadão ter acesso à informação sobre a medicação que foi prescrita para ele. A gente sempre recomenda que as pessoas só se mediquem a partir de uma prescrição médica e o que um profissional médico oriente adequadamente o cidadão”, afirma Cintra.
O especialista acha precoce eliminar a bula de papel. “Na realidade brasileira ela é fundamental, pelas pessoas de idade e pelas que não têm acesso a uma informação digital. Poderia manter as duas. Aí eventualmente, no futuro, se vê”, diz Cintra.
Patrícia Mastroianni, professora da faculdade de ciências farmacêuticas da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, vê vantagens na bula digital em relação à questão ambiental (de descarte de bulas, de resíduos), qualidade da informação e acessibilidade, e atualização rápida da bula).
“A lei 6.360 regulamenta o registro de medicamento. Uma empresa, depois que ela troca o responsável técnico, ou tem alguma mudança de bula, ela tem seis meses para renovar essa bula. Então, vejo que essa bula de papel não acompanha a velocidade do tempo de informação e de atualização”, explica Mastroianni.
A professora reforça que a bula digital permitirá o auxílio de recursos multimídias, com vídeos e imagens, e ampliar o acesso à informação a qualquer pessoa.
“Antes, a única informação que vinha era pela bula, naquela letra pequena, e ainda que seja a bula do paciente, que é um termo menos técnico, mais acessível, não permite acessibilidade. Pra quem? Pra quem é analfabeto, é cego ou tem outra deficiência visual. E essa bula digital permite que tenha vídeos e imagens. Então eu acredito que ela aumenta o acesso à informação, promove a acessibilidade e aumenta a compreensão”, afirma a professora da Unesp.
“Num creme vaginal, imagine ter um vídeo mostrando, tridimensional, a aplicação num boneco?! Aumenta a qualidade da informação e da compreensão.”
A reportagem perguntou à especialista se o país está pronto para substituir a bula de papel pela digital.
“Tenho experiência de São Paulo, da região Sudeste. Mas eu vou te dizer que hoje todo mundo tem um celular. E esse QR Code consegue ser lido pela câmera do celular. Eu imaginava que dependendo das pessoas de mais baixa renda, não teria esse acesso, mas eu fiquei muito impressionada com um projeto que fiz num assentamento. Todo mundo tinha rede social e todo mundo tinha celular.”
“Talvez o idoso tenha mais dificuldade com a internet. Então, talvez se a gente pensar nos medicamentos das pessoas idosas, a digital dificultaria mais. Mas esse idoso também é aquele que tem dificuldade de ler a bula por causa do tamanho da letra. Se alguém o auxiliar para ter o acesso pelo celular, ele vai ter a condição de aumentar o tamanho desse PDF, desse documento, e aumentar a qualidade ou o tamanho da letra para ser legível”, finaliza a professora.
O que é a bula digital?
É uma bula com as mesmas informações que normalmente são impressas em papel dentro da caixa dos remédios, mas poderá ser acessada apenas digitalmente, com um código de barras bidimensional (QR Code) para leitura.
Em quais medicamentos poderão ser adotadas?
Fica permitido o uso opcional da bula impressa em embalagens de amostras grátis de medicamentos e de remédios não vendidos em farmácias e drogarias (destinados ao uso em ambientes hospitalares, clínicas, ambulatórios e serviços domiciliares). A regra também é estendida para os comercializados em cartelas e fracionados, além dos fitoterápicos.
Pela proposta da agência, a bula impressa só poderia ser fornecida mediante solicitação do estabelecimento de saúde, do profissional que prescreveu o remédio ou do paciente.
Como identificar a bula digital nestes medicamentos?
O acesso é por um QR Code, que deverá constar na cartela ou na embalagem do produto.
Por que o Idec é contra a substituição da bula física pela digital em alguns medicamentos?
Ainda há parte da população com dificuldade de acesso à internet. A forma física da bula ainda é importante para o uso racional de medicamentos.
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POR PATRÍCIA PASQUINI