‘Era raro você ver uma menina jogando futebol’, diz capitã do MAC feminino
A equipe de futebol feminino do Marília Atlético Clube (MAC) faz a sua última partida na principal divisão do Campeonato Paulista nesta próxima quarta-feira (25), contra o Corinthians, no Estádio Bento de Abreu Sampaio Vidal, o Abreuzão, em Marília. Em campo, a capitã do time se destaca com a camisa do Tigrão.
Com 44 anos, Gislene Francisca de Matos ou simplesmente Gi é o principal nome da equipe, ainda com fôlego para correr atrás das adversárias e sair jogando, com muita habilidade e refinado toque de bola.
O início no esporte foi jogando nas ruas de São Paulo, junto com seus irmãos e amigos. Ela percebeu que era boa de bola quando estava com 15 anos. Ela era a única garota jogando com os meninos, mas isso não impediu que continuasse brincando, até que passou em uma peneira no Corinthians.
Quando o projeto do Timão terminou, após cerca de dois anos no Parque São Jorge, ela ainda defendeu as cores do Palmeiras, antes de vir para jogar futebol em Marília e não deixar mais a cidade. Além do time de campo, também joga pelo time do futsal e concilia o esporte com o trabalho.
A atleta atendeu a equipe do Marília Notícia para contar um pouco de sua história de vida, que foi sempre de muita luta, determinação e amor ao esporte, um verdadeiro exemplo para meninas que sonham em seguir seus passos e também fazer carreira no futebol.
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MN – Você nasceu em São Paulo?
Gi – Sou de São Paulo e vim para Marília, senão me engano, em 2005 ou 2006.
MN – Qual o motivo da sua mudança aqui para Marília?
Gi – Foi para jogar bola mesmo. Tem uma moça que jogou comigo no Palmeiras e ela tinha comentado sobre o time daqui. Então eu pensei em vir e ver o que dava. Eu vim, fiz uns dois, três jogos aqui para Marília. O pessoal gostou, eu voltei para São Paulo, pois eu estava disputando um campeonato de futsal lá. Quando eu acabei o campeonato, eu vim para cá e fiquei por aqui. Eu só ia no meio do ano e no final do ano para São Paulo.
MN – Como foi o início aqui em Marília?
Gi – Faz bastante tempo. Eu vim aqui para jogar em campo. Quando eu cheguei, o Carneiro tinha acabado de desligar do time. Era o Marinho e o Sérgio na época. Como a gente tava jogando o futebol de campo, apareceram as competições de futsal. Na época era a TV Record e a TV Tem. E eles nos colocaram para disputar o futsal também. A gente treinava campo e futsal.
MN – Seu primeiro time em São Paulo foi o Corinthians?
Gi – Eu tinha 17 anos na época e fiz uma peneira. Um amigo me falou que ia ter uma peneira no Corinthians. Eu não queria fazer, porque eu tinha medo na época, mas ele me trouxe o endereço e eu falei para minha família. Meu pai me apoiou e eu decidi fazer. Acho que chegou a dar quase duas mil meninas para fazer o teste. Fiz umas três peneiras e fui selecionada para uma competição society. Foi quando abriram as portas para entrar no time sub-20. Quando acabou a competição, já fui para o time principal.
MN – Você jogou quanto tempo no Corinthians?
Gi – Joguei uns dois anos e meio. Nessa época, a Milene Domingues, que depois casou com o Ronaldo Fenômeno, era do time.
MN – Ficou no Corinthians até o projeto do futebol feminino acabar?
Gi – Na época não tinha patrocínio. Era mais o clube que bancava e eles acabaram com o time. Como o meu treinador tinha amizade com um pessoal do Palmeiras, a gente conseguiu ir para o Palmeiras. Ele pegou uma jogadora ou outra e levou para o Palmeiras. Ele montou uma equipe legal pelo Palmeiras, na época era a Sabesp que patrocinava, por causa do futsal. A maioria das meninas jogava futsal.
MN – Atuou por mais algum time?
Gi – Eu joguei um pouco em Santos.
MN – Quando você veio para cá já sabia que ia jogar futsal também?
Gi – Não. Eu jogava o campo, mas depois a gente parou com o campo e entrou só o futsal.
MN – Em São Paulo você tinha outra atividade além do futebol?
Gi – Não. Lá só era só o futebol mesmo. Eu só jogava mesmo, porque era muito puxado. Não tinha como. O horário pegava quase o meu dia inteiro.
MN – Você morava longe?
Gi – Eu morava longe. O nosso treino começava 8h, mas quando era 6h eu já estava no ponto de ônibus. A gente chegou a treinar lá no Terrão, onde a molecada treina hoje. Os nossos testes foram feitos lá no Terrão.
MN – Como foi mudar para Marília?
Gi – Eu fui conhecendo o pessoal que tocava o projeto. Parecia ser algo legal. Eu cheguei da capital e, para mim, era tudo novo. Por mais que eu joguei na capital, no interior eu via coisas diferentes. O pessoal querendo abraçar mesmo os projetos. Querendo que fosse para frente de verdade. Não que em São Paulo não é assim, mas as coisas são totalmente diferentes. Eu tinha visto alguns jogos delas antes de jogar. Uma menina que morava aqui em Marília chegou na seleção brasileira. E eu vi que o projeto era bacana. Não era algo que ia acabar de um ano para o outro. Isso foi me deixando interessada para poder vir. Eu conversei com o pessoal da minha família e deu certo vir para cá.
MN – Desde então você não saiu mais de Marília?
Gi – Eu fiquei só aqui, inclusive, recebi bastante proposta para sair, mas preferi ficar. Não dava pra trocar o certo pelo duvidoso.
MN – O que mais você gostou aqui de Marília?
Gi – A calmaria e o acolhimento das pessoas. Quando eu vim para cá, querendo ou não, vim sozinha. Eu não tenho familiar nenhum aqui. Então eu conheci pessoas que me acolheram, me deram forças para eu continuar. Porque querendo ou não, você ir longe da sua família de imediato, assim, não é para qualquer pessoa. Em São Paulo para você ir num lugar, perde umas duas horas, aquela loucura. Aqui não.
MN – Você fez muitas amizades por aqui?
Gi – Sim, bastante. Inclusive tem um pessoal que me conhece e fala que eu pareço vereadora, pois todo mundo me conhece, mas eu também trabalho na feira. A gente fica ali e vai batendo um papo, conversando com as pessoas. Quando me encontram, o pessoal já chega me cumprimentando.
MN – Além do futebol, você sempre teve outro emprego?
Gi – Não. Eu só fazia o futebol. Assim que eu cheguei aqui era só futebol mesmo. Depois de bastante tempo, tinha duas meninas que jogavam comigo, sendo que uma, inclusive, era a prima do rapaz que eu trabalho hoje. De brincadeira, a gente estava no alojamento, ela falou, poxa, o meu primo tem a loja aqui do lado, e esses dias ele estava precisando de um pessoal pra trabalhar. Aí na empolgação eu falei que podia me chamar. No outro dia, ele mandou eu ir trabalhar. Ele pega bastante eventos para festa, casamento. Fui lá no primeiro sábado, trabalhei com ele e hoje já faz 11 anos que eu tô com ele. Além dele, depois apareceu o rapaz que eu trabalho de sábado e domingo, que é no pastel na feira. Depois apareceu outra pessoa que eu trabalho também, que é com os brinquedos infláveis. A gente leva, às vezes eu fico como monitora também, nas festas infantis.
MN – Como está a estrutura do futebol aqui em Marília? Melhorou em relação aos anos anteriores?
Gi – Esse ano a gente já teve um time que disputou uma competição importante. Cada ano evolui um pouco. A gente só precisa de espaço, na realidade. O pessoal do MAC abraçou nosso time e conseguiu colocar a gente no Paulista, na Série Especial. Aí a gente conseguiu levar o título e em seguida eles abriram portas para a disputa do Paulistão Feminino. Foi uma vitória tremenda, para a cidade e para as meninas. Querendo ou não, tem menina aqui que nunca disputou uma competição desse nível. É difícil, mas o prazer de você estar competindo é tremendo.
MN – No Paulistão, o time não conseguiu bons resultados, mas todos viram o esforço e determinação de vocês. Como vocês avaliam esse apoio recebido?
Gi – Não que a gente não quer jogar para ganhar, não é isso, mas é só da gente estar ali, o prazer de estar fazendo aquilo, representando a cidade, do nível que é a competição. Tem menina que trabalha antes das 10h, quando é 10h está lá no treino, depois dali já sai para ir trabalhar direto. Eu trabalho à tarde, então de manhã não interfere, mas tem menina que sai do trabalho, vai treinar, depois já volta a trabalhar de novo. Então, sim, para nós é uma vitória. De verdade mesmo, só de a gente estar ali na competição e o nível que ela é, para nós não tem nem como falar.
MN – Quando vocês jogaram contra a Ferroviária, no final do jogo, você foi homenageada pela equipe adversária. Como foi isso para você?
Gi – Foi uma homenagem que elas fizeram, pela idade que eu tenho e ainda jogando futebol. A treinadora falou que, como ela já sabia que iria jogar contra nós, ela queria fazer a homenagem, também para o Marinho, pelo tanto de tempo que ele está no meio do futebol. Às vezes, tem menina nova que não faz o que eu consigo fazer com a minha idade. Me pegaram de surpresa e eu não conseguia nem responder. É muito gratificante.
MN – Como você vê a evolução do futebol feminino?
Gi – Hoje a gente comenta muito sobre isso. Antigamente era raro você ver uma menina jogando futebol. Para nós era muito difícil. Hoje, onde você chega, você vê uma menina jogando. Cada dia, cada mês que passa, cada ano, o futebol feminino evolui. Na época que eu comecei até agora, é uma evolução muito rápida.
MN – Como vai ser para vocês jogar o último jogo contra o Corinthians?
Gi – Eu estou pensando que vem o time titular delas. Por mais que elas vão fazer uma final neste domingo, pelo Campeonato Brasileiro, elas podem descansar na segunda para viajar terça e jogar contra nós na quarta. Particularmente, eu queria que viesse o time principal delas, até mesmo para a cidade. Para receber o time do Corinthians, com as atletas que jogaram nas Olimpíadas. Para a cidade vai ser muito legal.
MN – Acha que vai ter casa cheia?
Gi – Eu espero. Só não sei por causa da hora. O jogo será às 17h, numa quarta-feira. Então, eu só não sei pelo horário. Praticamente quem trabalha ainda está no serviço.
MN – Vocês já tão se preparando para outra competição após o Paulista?
Gi – Sim. Começa já no dia 5 de outubro. A gente já joga contra a Realidade Jovem lá em São José do Rio Preto.
MN – O que esperar também dessa partida?
Gi – Uma partida difícil, né? Um time muito bom, de tradição. Independente do que aconteceu do jogo que nós fizemos contra no início do Paulistão, que era tudo novo para nós. A gente está se preparando já para esse jogo também, porque ganhamos bastante experiência estando nessa competição do Paulista.
MN – Você é a mais experiente do time e vê alguma atleta com potencial para alcançar uma seleção?
Gi – Temos nossa goleira, que eu acho seríssima candidata para chegar na seleção. Tem outra de uns 20 anos, que inclusive estava machucada e está voltando agora. A Mayara também é boa jogadora. A Duda que é daqui de Marília também. A Duda é uma boa jogadora que já jogou em Araraquara, no Botafogo e tem 16 anos. São boas jogadoras.
MN – Você sempre jogou de volante?
Gi – Não, não. Eu joguei de atacante já. No Corinthians eu jogava de atacante. Depois no Palmeiras eu joguei de meia. E, quando vim para cá, jogava de atacante também. Depois que fui um pouquinho para o meio e volante agora. Você tem que jogar conforme a sua idade.
MN – Sua família ainda está em São Paulo?
Gi – Meu pai ainda está lá, mas minha mãe faleceu há seis anos. Minha irmã veio para Marília e mora comigo e a filha dela, minha sobrinha. Com elas aqui já é bem melhor para mim.
MN – Muitas meninas vão assistir os jogos de vocês. Como se sente sendo espelho para quem pensa em também se profissionalizar no futebol?
Gi – Eu penso muito nisso. Nada é em vão. Tudo que estamos fazendo hoje é para colher amanhã. Para nós é uma satisfação muito grande saber que a gente consegue mexer com as pessoas, principalmente a molecadinha menor. Eu acho muito legal.