Entidades recorrem à ONU contra decreto de Doria sobre protestos
Nesta quarta-feira, 23, entidades da sociedade civil e ligadas ao próprio poder público enviaram para a Organização das Nações Unidas (ONU) e para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) um pedido de apoio para a reversão do decreto assinado pelo governador de São Paulo João Doria (PSDB) que proíbe o uso de máscaras em protestos no Estado. O apelo denuncia o que considera como “abusos” ao direito de manifestação.
“A partir da análise do Decreto, bem como do contexto em que foi publicado, fica evidente que ele faz parte de um cenário de intensificação e sofisticação dos instrumentos de repressão, criminalização e restrição do direito de protesto”, diz o texto
O documento foi endereçado ao relator especial das Nações Unidas sobre liberdade de reunião e associação pacífica, Clément Voule, e para o relator especial para liberdade de expressão da CIDH, Edison Lanza. O pedido é para que os órgãos façam uma declaração pública para pressionar o governo de São Paulo a se adaptar ao que classificam como “padrões internacionais”.
O texto é assinado pelas ONGs de direitos humanos Artigo 19, Conectas e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), além do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Também subscrevem o Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e o Núcleo Especializado em Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo.
“O Brasil assinou uma série de tratados internacionais, os internalizou. Esses tratados colocam o País na posição de um Estado que deve respeitar os direitos humanos em suas ações”, afirma Silvio Almeida, chefe do Departamento de Relações Internacionais do IBCCRIM.
Outro signatário do apelo internacional contra o decreto de Doria é o Movimento Passe Livre, que lidera as manifestações contra o aumento das tarifas no transporte público. Três protestos contra o recente reajuste das passagens de R$ 4 para R$ 4,30 em São Paulo já foram realizados apenas este ano.
A última manifestação na capital paulista aconteceu na terça-feira, dia 22, já depois da proibição do uso de máscaras. Na oportunidade, mediadores da Polícia Militar comunicaram aos coordenadores do MPL que, de acordo com o decreto, não seria permitido o uso de qualquer cobertura no rosto. Pelo menos uma máscara de gás foi apreendida. O episódio foi citado no documento enviado à ONU e CIDH.
“O cenário ocorrido no dia 22 demonstra tentativas de implementar o decreto editado pelo Governo de São Paulo, que tem inúmeras inconsistências legais e está em desacordo com os padrões internacionais. É evidente que este cenário atual de repressão não está dissociado de ações passadas da polícia em relação a protestos, mas reflete a continuação de práticas restritivas institucionalizada pelas autoridades brasileiras”, diz o texto.
Decreto
Publicado no Diário Oficial do Estado no último sábado, dia 19, em meio ao clima de protestos contra a alta das passagens, o decreto assinado pelo governador João Doria endurece as regras para as manifestações e regulamenta uma lei aprovada em 2014, na gestão de Geraldo Alckmin.
Além da proibir que os manifestantes ocultem seus rostos, a medida estabelece que manifestações com a participação de mais de 300 pessoas deverão ser comunicadas às autoridades com, no mínimo, cinco dias de antecedência. O trajeto do ato é decidido em conjunto com o comandante da Polícia Militar da região.
O texto também proíbe porte de objetos pontiagudos, tacos, bastões, pedras, armamentos que contenham artefatos explosivos e outros instrumentos que possam lesionar pessoas e danificar o patrimônio público ou particular.
Sobre o veto ao uso de máscaras, a legislação prevê que se recusar a ser identificado pode caracterizar crime de desobediência, com a condução do manifestante para a delegacia. O decreto de Doria autoriza policiais a entrar em contato com familiares e até mesmo o empregador do manifestante para identificá-lo.
Segundo o governo de São Paulo, o objetivo da medida é inibir atuação de black blocs nos atos. “A medida tem como objetivo coibir a ação dos black blocs que, cobrindo o rosto com máscaras, se infiltram em protestos para ferir pessoas e causar atos de vandalismo e depredação de patrimônios públicos e privados”, disse a gestão, em nota, após a publicação do texto.
A reportagem entrou em contato com o governo de São Paulo, mas não recebeu nenhuma manifestação sobre o apelo enviado à ONU e CIDH. O espaço está aberto para manifestação.