Enfermeiros lembram momentos críticos da pandemia e pedem valorização em Marília
Intensamente exaltada durante a pandemia, mas duramente criticada no dia a dia diante da busca por direitos, a enfermagem consolida-se como uma das mais importantes profissões da Saúde.
A valorização dos profissionais continua sendo a maior reivindicação da categoria neste Dia Internacional da Enfermagem, celebrado em 12 de maio.
Em Marília, técnicos e enfermeiros garantem que, apesar das dificuldades, o amor ao ofício ainda é a principal motivação.
“É preciso ter muita dedicação e, muitas vezes, abdicar de situações, como por exemplo deixar de passar feriado com os familiares para cuidar da família de outras pessoas. É uma profissão linda porque fazemos com muito amor e carinho”, conta Marcelo Vieira da Cruz, profissional da saúde há 13 anos.
Começando como técnico, o enfermeiro que atua na Unidade de Tratamento Intenso (UTI) de um hospital da cidade garante que, apesar de não ser fácil, cuidar e salvar vidas são o que proporciona a gratificação de missão cumprida.
Enfermeira há 15 anos, Flávia da Silva Bayer acredita que a atuação exerce um papel fundamental na recuperação dos pacientes. “Buscamos sempre humanizar o tratamento, exercendo um cuidado direcionado ao bem-estar durante toda a assistência”, define Bayer.
Muitas vezes, porém, a frustração chega à medida em que percebem não ser possível proporcionar sempre a melhor qualidade de atendimento.
“Ainda existem muitos enfermeiros doentes, pois é uma profissão desgastante mentalmente e fisicamente. Quando estamos trabalhando, nos dedicamos 100%”, pontua Cruz.
De acordo com o profissional, muitos trabalhadores da área comumente mantêm jornadas duplas ou triplas para conseguir uma qualidade de vida mínima para sustentar suas famílias.
“Precisamos que não só a população, mas que os políticos e governadores olhem para a enfermagem e entendam que somos nós que cuidamos das pessoas. Temos o direito de ter um salário digno”, defende Marcelo.
“Precisou ocorrer uma pandemia para que a discussão da remuneração da enfermagem voltasse à tona. Todos os olhares estiveram sobre a Saúde neste momento e todo mundo viu a necessidade de ter os profissionais na linha de frente”, complementa Flávia.
PANDEMIA
Os períodos mais críticos da pandemia da Covid-19 evidenciaram ainda mais a relevância e necessidade da enfermagem – técnicos e enfermeiros – para o mundo.
“Fomos todos pegos de surpresa e tínhamos medo porque era tudo muito desconhecido. Foi impactante porque ouvimos inúmeros pedidos de familiares para que salvássemos seus entes queridos. E muitas vezes não foi possível”, conta o enfermeiro Cruz.
No caso de Flávia, a clínica terceirizada em que trabalhava precisou passar por alterações para que o espaço pudesse ser cedido para atendimento de urgência da Covid. “Foi um período de medo, angústias e incertezas, pois tudo era novidade e teríamos que nos adequar o mais rápido possível para suprir a necessidade do momento”, narra Bayer.
Foram os profissionais da saúde, portanto, que estiveram na linha de frente no enfrentamento do vírus durante os últimos três anos. “Tivemos perdas irreparáveis. Quando ainda não era permitido visitas, nós éramos as últimas pessoas que alguns pacientes acabavam vendo. Naquela época, eles não enxergavam nossos rostos, porque estávamos totalmente paramentados, então só podiam ver nossos olhos, sentir nosso toque e ouvir a nossa voz”, compartilha Cruz.
“Era angustiante demais tanto para os pacientes quanto para os familiares. As notícias eram transmitidas somente por telefone. Era uma verdadeira zona de guerra”, diz o funcionário que também acabou sendo infectado.
“Uma das partes mais dolorosas foi perder amigos de trabalho. O mais difícil é saber que estamos ali e não podemos fazer nada, mesmo com todos os recursos em nossas mãos. A esperança foi nossa força, que criamos diante de tudo isso”, lamenta a enfermeira.
O intensivista também relata que viu muitos colegas ficarem doentes, outros que carregaram sequelas e alguns que não sobreviveram à doença. “Ainda me emociono falando da pandemia. Todos os dias dentro de uma UTI nós vivenciamos milagres, e nesse período eu vi muitos. Quantas pessoas conseguimos salvar, mesmo contra todas as chances. Nada paga essa sensação de missão cumprida.”
PISO SALARIAL
O presidente do Sinsaúde, Aristeu Carriel, em entrevista ao Marília Notícia, pontua que o período mais crítico da pandemia passou, mas que os riscos ainda existem. “Não podemos esquecer que tivemos muitos profissionais contaminados, que acabaram passando a doença para suas famílias, além de trabalhadores que perderam suas vidas para cuidar de outras pessoas”, afirma Carriel.
“Nessa época, a nação brasileira aplaudiu e até os chamaram de ‘heróis’. Porém, na hora de reconhecer e valorizar esses profissionais com melhores salários, a situação é diferente. A lei [ que regulamenta o piso da categoria – está parada até hoje; É um absurdo”, narra o presidente do sindicato.
No final de abril, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que viabiliza o piso nacional para profissionais de enfermagem. A proposta abre um crédito de R$ 7,3 bilhões para possibilitar o pagamento a enfermeiros, técnicos e auxiliares, além de parteiras.
Agora, o texto segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que pode ocorrer ainda no mês de maio.
O projeto já havia sido aprovado pelo Congresso no ano passado, mas acabou sendo suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob justificativa de não haver recursos previstos para o novo piso salarial.
Tanto Flávia quanto Marcelo, os enfermeiros ouvidos pela reportagem, acreditam ser um grande descaso toda essa situação. Tratando-se de uma luta antiga da classe, eles esperam que a lei seja sancionada o quanto antes.