Drama vivido por moradores do CDHU pode ter luz no fim do túnel
A vida nos grandes conjuntos habitacionais do Brasil nem sempre é um mar de rosas. Muitas vezes, por trás das fachadas de concreto e das promessas de moradia digna, estão histórias de luta, negligência e desespero. É o caso do Conjunto Habitacional ‘Paulo Lúcio Nogueira’, situado na zona sul de Marília, e construído pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo.
O local tornou-se palco de uma tragédia anunciada. Os moradores que ali residem enfrentam um verdadeiro pesadelo devido às condições precárias e à ameaça iminente de desabamento dos prédios.
Nesta reportagem, vamos abordar a cronologia dos eventos que levaram a essa crise, as alegações da CDHU, a batalha judicial, as tentativas de solução e a atual situação dessas famílias que vivem à beira do abismo.
COMEÇO DO PESADELO
O drama que assola os moradores dos populares ‘predinhos da CDHU’ começou a se desenrolar em maio de 2018, quando uma ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Estado São Paulo (MP-SP) e pela Defensoria Pública, após a representação de um morador do condomínio. Na ocasião, o promotor de Justiça Ezequiel Vieira da Silva deu início a um processo que viria a expor as péssimas condições das edificações.
Na época, a Promotoria solicitou uma vistoria no local ao Corpo de Bombeiros, que revelou uma série de irregularidades alarmantes, incluindo a falta de um sistema contra incêndios, fiação elétrica exposta, um telhado instalado sobre um depósito de gás e a interdição do bloco J2 pela Defesa Civil.
O MP-SP alertou que uma “necessidade urgentíssima” de intervenção do Poder Público era imperativa para evitar uma possível catástrofe no local.
BATALHA JUDICIAL E ALEGAÇÕES
Antes do início do processo judicial, a Prefeitura de Marília, que bem da verdade nada tem a ver com o caso do ponto de vista jurídico, notificou a CDHU, solicitando que esta tomasse as providências cabíveis para resolver os problemas no conjunto habitacional. No entanto, a CDHU se recusou a aceitar a responsabilidade pelos problemas e alegou que os danos eram resultado do mau uso por parte dos moradores, o que em muitos casos parece ser verdade.
Durante anos, o caso tramitou nos tribunais, com a CDHU mantendo sua posição de que a culpa recaía sobre os condôminos. No entanto, em janeiro de 2023, o Ministério Público do Estado de São Paulo protocolou uma ação que pediu a interdição dos prédios devido ao risco iminente de desabamento, conforme apontado em um laudo pericial.
O perito judicial Paulo César Lapa, em seu laudo emitido em novembro do ano anterior, identificou uma série de problemas estruturais no condomínio, incluindo escadas com ferragens expostas, desagregação do concreto devido à umidade causada por infiltrações, trincos, rachaduras, infiltrações nas lajes e rompimentos no abrigo de gás. Essas condições eram resultado, segundo o laudo, da falta de manutenção adequada.
DECISÃO JUDICIAL E REVIRAVOLTAS
Em 25 de janeiro de 2023, a Justiça decretou a interdição cautelar do Conjunto Habitacional ‘Paulo Lúcio Nogueira’ e estabeleceu um prazo de três meses para que a CDHU realizasse as reformas necessárias e providenciasse a realocação dos moradores durante esse período. Contudo, essa decisão foi posteriormente suspensa pela 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), em segunda instância.
A análise do desembargador Fernão Borba Franco levou à necessidade de determinar exatamente quais obras seriam necessárias e quais apartamentos deveriam ser esvaziados, uma vez que nem todos os prédios estariam em risco. Além disso, o prazo de três meses para as obras foi suspenso, e uma audiência de conciliação foi marcada para 9 de março.
Durante esse processo, a CDHU recusou uma proposta de solução feita pela Prefeitura de Marília durante a audiência de conciliação, alegando que não havia autorização governamental ou verba específica para atender à demanda.
LUTA DOS MORADORES
Enquanto a batalha judicial se desenrolava, os moradores do Bloco F1 do Conjunto Habitacional ‘Paulo Lúcio Nogueira’ começaram a abandonar seus apartamentos devido ao medo constante de um desabamento, agravado após um incêndio fatal em agosto de 2022. Uma mulher de 55 anos morreu na ocasião.
A falta de segurança e as condições precárias forçaram muitos a buscarem abrigo com amigos e familiares. As crianças que ali viviam foram transferidas para escolas de outras regiões, causando transtornos nas rotinas das famílias.
Jéssica Maria dos Santos Nascimento foi uma das moradoras que preferiu não mais se arriscar e decidiu parar de dormir no próprio apartamento. Ela sabia que o risco já era grande no Bloco F1 e acredita que a estrutura ficou ainda mais perigosa após o incêndio.
“Nosso bloco já era o que estava com laudo de interdição, com maior risco de queda. Depois disso, o risco só aumentou. Não tem chances de dormir. Temos que sair, mas não temos para onde ir. Acordamos sem casa e agora estamos contando com a boa ação de alguém para abrigar a gente, mas ainda tem alguns se arriscando e dormindo no prédio”, explica Jéssica.
Outra moradora que já deixou o apartamento em que morava foi a Érica Carvalho. Ela explicou que também não se sente mais segura morando no local e que o risco ficou ainda maior agora.
“Não tem condições de ficar lá. Falaram que a gente teria que aguardar, só isso, mas confirmaram que existe risco. Estou dormindo em outro apartamento, no meu filho. Voltar para cá não tem mais jeito. A escada está caindo aos pedaços e não sabemos o que vai acontecer. Só peguei a roupa da nenê, algumas trocas de roupas para mim e só. Todos os móveis ainda estão lá. Estamos aguardando, pois não temos para onde ir”, conta Érica.
LUZ NO FIM DO TÚNEL?
Alguns políticos tentaram abordar uma solução para o problema, mas não conseguiram nada. No início de setembro, por exemplo, o presidente da Câmara de Marília, Eduardo Nascimento (PSDB), foi até a Secretaria de Habitação com a vereadora Vânia Ramos (Republicanos). A agenda foi marcada com a ajuda de um parlamentar paulista da esquerda. Ambos saíram de lá com as mãos abanando e sem nenhuma solução, diante da inflexibilidade de parte do Governo Estadual.
Sensibilizada pela situação, a deputada estadual Dani Alonso (PL) também se dispôs a encontrar um meio de ajudar as centenas de famílias. Em seu primeiro ato, ela buscou apoio junto ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e seu pai, o prefeito de Marília, Daniel Alonso (sem partido), para encontrar uma solução. Tarcísio prometeu ajudar e uma reunião com o Secretário de Habitação do Estado foi o próximo passo para investigar o problema.
PROPOSTA DE SOLUÇÃO
Após análise minuciosa, Dani Alonso propôs um plano de ação que se iniciou nesta semana, através do Decreto Municipal nº 14136, de setembro de 2023. Esse plano, da Prefeitura de Marília, mas com a marca de Dani, encarrega a administração municipal inicialmente a fazer um amplo levantamento social das famílias que moram no local, além de prestar assistência jurídica para todos que necessitam. É o caso de alguns moradores, por exemplo, que não possuem escritura dos apartamentos.
A Prefeitura ficaria responsável também por doar uma área, provavelmente no mesmo bairro, para que o Estado construa novas moradias.
O Marília Notícia apurou que Dani Alonso articula esse novo empreendimento com base em um recurso de R$ 15 milhões, que solicitou para ser incluído nos programas habitacionais destinados à Marília, dentro do Orçamento Estadual de 2024. Segundo informações de bastidores, a CDHU teria se comprometido em dar suporte, caso Dani conseguisse esta verba.
Agora é preciso contar com a boa relação e boa vontade do governador Tarcísio de Freitas. Ele precisa autorizar o dinheiro para o próximo ano e, deste modo, executar um plano de construção de novas moradias.
O plano ainda propõe, informalmente, que os antigos prédios sejam demolidos e que na área sejam construídos dispositivos sociais, como creche, escola, posto de saúde e assim por diante.
FUTURO INCERTO
Apesar da boa vontade de alguns envolvidos e da má vontade de tantos outros, o drama vivido pelos moradores do Conjunto Habitacional ‘Paulo Lúcio Nogueira’ está longe de ter um final feliz.
Apesar da esperança gerada pelo plano proposto pela deputada Dani Alonso, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir que essas famílias tenham um lar seguro e digno. O que está claro é que a luta destes moradores demonstra a importância de uma sociedade atenta às condições de habitação e pronta para exigir justiça e mudança quando necessário.
A história do prédios na zona Sul é um lembrete contundente de que a busca por moradia digna no Brasil é uma luta constante, e para isso o apoio das autoridades representa uma esperança de um futuro melhor.
Mesmo diante de obstáculos aparentemente intransponíveis, a ação política e a mobilização da sociedade podem fazer a diferença na vida daqueles que mais precisam de ajuda.
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