Documentário traz visão assustadora das redes sociais
Que as redes sociais podem ser viciantes e assustadoras não é exatamente uma revelação para quem usa Facebook, Twitter, Instagram e similares. Mas no documentário de Jeff Orlowski, O Dilema das Redes, conscienciosos desertores dessas empresas explicam que a perniciosidade das plataformas de redes sociais é um recurso, não um bug.
Eles afirmam que a manipulação do comportamento humano para obter lucro está codificada nessas empresas com precisão maquiavélica. A infinita rolagem de tela e os alertas de notificação mantêm os usuários sempre grudados aos aparelhos. Recomendações personalizadas usam dados não apenas para prever, mas também para influenciar nossas ações, transformando os usuários em presas fáceis para anunciantes e propagandistas.
Como em seus documentários sobre as mudanças climáticas, Perseguindo o gelo e Em busca dos corais, Orlowski pega uma realidade que pode parecer colossal e abstrata demais para a compreensão – quanto menos para a preocupação – de um leigo e a reduz a um nível humano. Em O Dilema das Redes, ele reformula e traz para a era digital um dos mais antigos argumentos dos filmes de terror: Dr. Frankenstein, o cientista que foi longe demais.
Em entrevistas editadas, Orlowski fala com homens e (algumas) mulheres que ajudaram a construir as redes sociais e agora temem os efeitos de suas criações sobre a saúde mental dos usuários e os fundamentos da democracia. Eles fazem seus testemunhos de advertência com a força de apresentações de startup, empregando aforismos nítidos e analogias vigorosas.
“Nunca antes na história cinquenta designers tomaram decisões que teriam um impacto sobre 2 bilhões de pessoas”, diz Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google. Anna Lembke, especialista em dependência da Universidade de Stanford, explica que essas empresas exploram nossa necessidade evolutiva de conexão interpessoal. E Roger McNamee, um dos primeiros investidores no Facebook, faz uma alegação assustadora: a Rússia não hackeou o Facebook. Ela simplesmente usou as ferramentas da própria plataforma para afetar as eleições de 2016 nos EUA
Boa parte disto já é conhecida, mas O Dilema das Redes vai além ao intercalar as entrevistas com cenas ficcionais de uma família suburbana sofrendo as consequências do vício em redes sociais. Jantares silenciosos, uma filha adolescente (Sophia Hammons) com problemas de autoimagem e um filho adolescente (Skyler Gisondo) que se radicaliza por causa das recomendações do YouTube que promovem uma ideologia vaga.
Essa narrativa ficcional exemplifica as limitações da ênfase (às vezes hiperbólica) do documentário no meio, em detrimento da mensagem. Por exemplo: os interlocutores do filme atribuem o aumento dos índices de transtornos mentais ao uso das redes sociais, mas não reconhecem fatores como o aumento da insegurança econômica. Polarização, motins e protestos são apresentados como sintomas particulares da era das redes sociais, sem contexto histórico.
Apesar de suas críticas veementes, nem todos os entrevistados de O Dilema das Redes são pessimistas; muitos sugerem que, com as mudanças certas, podemos salvar o que há de bom nas redes sociais. Mas a coleção de soluções pessoais e políticas que apresentam no filme confunde dois alvos distintos: a tecnologia que causa comportamentos destrutivos e a cultura do capitalismo desenfreado que os produz.
Ainda assim, O Dilema das Redes é notavelmente eficaz em soar o alarme sobre a incursão da mineração de dados e da tecnologia de manipulação em nossas vidas sociais. O próprio filme de Orlowski não se exime do fenômeno que analisa. O filme está sendo transmitido na Netflix, onde se tornará mais um nó do algoritmo dos dados do serviço.