Divisão no Copom ameaça transição suave e consolida favoritismo de Galípolo
A divisão dos votos na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) jogou por terra uma transição suave de comando do Banco Central e consolidou o favoritismo do diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, como o sucessor natural para substituir Roberto Campos Neto na presidência.
O placar de 5 votos a 4 pela queda de 0,25 ponto porcentual da taxa de juros dividiu o Copom entre os diretores indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), surpreendeu o mercado financeiro e acabou amplificando as incertezas sobre o futuro da política de juros para o controle da inflação.
O risco de uma escalada da disputa interna no Copom, que tem a sucessão como pano de fundo, entrou imediatamente no radar dos investidores com o temor de uma maior ingerência política do governo Lula no BC.
Até o final do ano, serão mais cinco reuniões para decidir o patamar da taxa Selic (junho, julho, setembro, novembro e dezembro), tendo Campos Neto com a influência na maioria dos votos do colegiado o dele próprio e de mais quatro diretores.
Para interlocutores do governo, o Copom dividido pode ter precipitado a sucessão pelo viés político que ganhou após a divulgação da decisão dividida do colegiado. Para eles, isso torna mais doloroso o processo de transição e tem impacto negativo na coordenação das expectativas.
Nos bastidores da área econômica do governo, entre autoridades e políticos influentes do Congresso ouvidos pela reportagem da Folha nas últimas duas semanas, Galípolo é dado como praticamente certo para comandar o BC a partir de 2025.
Os nomes do diretor de Assuntos Internacionais do BC, Paulo Picchetti preferido de setores do mercado financeiro, dos economistas Nilson Teixeira e Marcelo Kayath (os dois ex-Credit Suisse) e do ex-diretor do BC Luiz Awazu Pereira têm sido citados na tradicional bolsa de apostas.
A percepção predominante, porém, é que Lula não aceitaria colocar na presidência do BC um nome que ele não conheça nem tenha canal direto. O que não é o caso de Galípolo.
Ele se aproximou do presidente na campanha eleitoral e segue tendo contato com Lula desde que deixou o cargo de secretário-executivo do Ministério da Fazenda para ir para o BC. O presidente terá que indicar também mais dois nomes para a diretoria do BC até o final do ano.
A reunião dividida do Copom potencializou desconfianças e contaminou a transição suave e colaborativa pregada por Campos Neto.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem insistido que não quer que o presidente do BC repita a transição feita pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes.
O então chefe da pasta saiu de férias no final do governo Bolsonaro, deixando uma série de medidas consideradas “bombas”, inclusive com perda de arrecadação, e que tiveram que ser refeitas pelo novo governo.
O governo teme que Campos Neto adote uma postura mais dura na condução da política monetária, dificultando o crescimento da economia.
O presidente do BC, por outro lado, tem alertado em vários eventos sobre o perigo de o Brasil não estar se preparando para um cenário de maior risco fiscal global. A perda de credibilidade do novo arcabouço fiscal após a mudança das metas fiscais de 2025 e 2026 seria um fator a deixar o Brasil numa situação mais frágil neste cenário.
Campos Neto já tratou com Haddad sobre a necessidade de o presidente Lula fazer a indicação para o cargo em meados de setembro ou, no mais tardar, em outubro. O argumento é que o calendário é apertado.
O futuro indicado precisará se preparar para a sabatina na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, o que exigiria tempo e estudo para responder às perguntas técnicas que os senadores fazem para testar o candidato num ambiente mais polarizado na Casa.
O problema é que a CAE já avisou que deve terminar suas atividades no final de novembro. E, portanto, a sabatina precisa ocorrer até lá para que a indicação possa ir à votação no plenário do Senado.
Um dos riscos citados é de o processo de sabatina não ocorrer até o final de dezembro, quando termina o mandato de Campos Neto. Em janeiro, o Congresso estará em recesso parlamentar.
Nesse cenário, o impasse jurídico é de o governo não conseguir colocar um dos diretores do BC como presidente a partir de 1º de janeiro de 2025, gerando insegurança jurídica. Mesmo que o presidente indicado seja diretor do BC, ele precisará ser sabatinado pela CAE.
Há uma interpretação jurídica de que o Banco Central não tem poder deliberativo sem presidente, nem mesmo na intervenção do câmbio.
Por outro lado, integrantes do governo lembram que em outubro os congressistas estarão envolvidos nas eleições municipais.
A despeito do timing de Lula para indicar o nome do futuro presidente do BC, a reunião do Copom expôs os problemas para a transição.
Se por um lado a avaliação de economistas do mercado financeiro foi a de que Galípolo teria errado ao não contribuir para um consenso e trilhar uma transição suave, no governo Lula há a avaliação oposta: a responsabilidade em produzir o consenso no Copom seria do presidente do BC e não do diretor de Política Monetária.
Havia uma expectativa de que dois dos quatro diretores indicados de Lula Paulo Picchetti e Ailton de Aquino Santos votassem alinhados com o presidente do BC, o que não ocorreu.
Com isso, Campos Neto não conseguiu um consenso maior na decisão da última quarta-feira, o que poderia ter isolado Galípolo na defesa de um corte de 0,50 ponto porcentual.
O estopim da disputa no Copom foi o abandono do guidance (orientação futura) de um corte de 0,50 ponto porcentual, numa palestra para investidores feita por Campos Neto nos Estados Unidos sem que todos os diretores tivessem sido informados, como revelou a Folha na última quarta-feira.
O risco apontado nas discussões internas no BC foi o de quebra da credibilidade com a mudança do guidance situação que já rendeu no passado críticas dos agentes do mercado financeiro ao BC.
A narrativa no governo é que Campos Neto teria preparado o terreno para a divisão ao mudar o caminho do guidance para que os diretores indicados por Lula fossem vistos com uma postura mais dovish (termo em inglês que faz uma referência a uma ação mais branda da autoridade monetária).
“O papel do BC não é ser fonte de instabilidade. Tem que ficar a lição do resultado da reunião para que isso não aconteça mais”, afirma Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia).
Segundo ele, é importante que o Copom recupere a capacidade de coordenar as expectativas e tomar decisões a serem transmitidas de forma fácil, simples de serem compreendidas por parte do mercado.
Pires considera que teria sido muito melhor se o BC tivesse mantido o guidance e apontando a relevância das crescentes instabilidades que estão surgindo para frente. Isso poderia passar para uma reavaliação das decisões do Copom nas próximas reuniões.
“A ata pode vir mais dura para compensar a confusão do comunicado e do placar. O padrão de mensagens confusas e conflitantes da política fiscal do governo pode passar a ser visto na política monetária, pelo menos até o fim do ano”, prevê o economista-chefe da BlueLine, Fabio Akira.
Para ele, o BC deveria tentar fazer um controle de danos depois da divulgação da ata.