Dívida da Prefeitura de Marília atinge R$ 1,3 bilhão e pode travar cidade
A dívida da Prefeitura de Marília vem aumentando significativamente ao longo dos últimos anos, atingindo o impressionante patamar de R$ 1,3 bilhão com o fechamento do balanço de 2023. No início da gestão do prefeito Daniel Alonso (sem partido) o valor era de R$ 162,2 milhões. O crescimento foi de 706% neste período.
Os dados, que são enviados obrigatoriamente pelos municípios a cada trimestre, constam no Sistema de Análise da Dívida Pública, Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios (Sadipem), ligado à Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
A dívida era de R$ 166,1 milhões em 2014 e passou para R$ 187,7 milhões em 2015, crescendo 12,97% de um ano para o outro. No ano seguinte, em 2016, houve redução de 13,57% nas dívidas da Prefeitura de Marília, que recuaram para R$ 162,2 milhões no último ano da gestão do prefeito Vinicius Camarinha (PSDB), que na época fazia parte do PSB.
Após o primeiro ano de Daniel Alonso como prefeito de Marília, no final de 2017, a dívida passou para R$ 438,5 milhões, com crescimento de 170,28% na comparação com o final de 2016. Vale ressaltar que a maior parte do aumento da dívida neste ano, vem do mandato anterior, com restos a pagar.
A dívida recuou nos dois anos seguintes, para R$ 346,4 milhões (-20,99%) em 2018 e R$ 310,3 milhões em 2019 (-10,42%), mas voltou a crescer em 2020, fechando o balanço do ano com passivo avaliado em R$ 597,4 milhões, um aumento de 92,48%.
Nos três anos seguintes a dívida continuou crescendo, atingindo R$ 693,2 milhões em 2021, com aumento de 16,04%; R$ 1,2 bilhão em 2022, com aumento de 81,66%; e R$ 1,3 bilhão em 2023, com crescimento de 3,88%.
DÍVIDA CONSOLIDADA
A dívida da Prefeitura de Marília é dividida em dois tipos. Uma delas, totalizando R$ 757,6 milhões, é chamada de ‘dívida consolidada’, que será paga em período a partir de 12 meses. É considerada uma dívida de longo prazo.
Nessa categoria de dívida, estão registrados R$ 41 milhões provenientes de diversos empréstimos. Um desses financiamentos, no montante de R$ 6 milhões, está atualmente em andamento com a Caixa Econômica Federal, destinado à implementação do Sistema de Esgotamento Sanitário, cuja responsabilidade foi assumida em 3 de abril de 2019. Na mesma data, a municipalidade também contraiu um empréstimo no valor de R$ 9,8 milhões para oferecer suporte financeiro à construção de emissários e ao tratamento de esgoto sanitário.
Para pavimentação e recapeamento asfáltico, em empréstimo feito no dia 2 de março de 2020, a Prefeitura de Marília precisa pagar R$ 12,5 milhões, além de R$ 5,3 milhões para a construção de parques e praças, em empréstimo feito na mesma data.
A Prefeitura de Marília ainda deve R$ 2,3 milhões por empréstimo feito no dia 21 de novembro de 2018 e R$ 5 milhões por empréstimo feito no dia 8 de junho de 2021.
IPREMM
Contudo, a parte mais significativa do montante devido na categoria de ‘dívida consolidada’ está relacionada ao parcelamento e renegociação de contribuições previdenciárias, alcançando a cifra total de R$ 557,4 milhões.
Dentre as obrigações previdenciárias, destaca-se uma datada de 29 de fevereiro de 2000, totalizando R$ 13,5 milhões. Em 14 de setembro de 2017, foi efetuado um parcelamento em 200 meses, resultando em um saldo devedor atual de R$ 207 milhões.
No dia 15 de junho de 2020, foram realizados outros dois parcelamentos previdenciários, sendo um de R$ 8,4 milhões e outro de R$ 6,6 milhões. Adicionalmente, em 28 de junho de 2022, assumiu-se uma dívida no valor de R$ 321,8 milhões, culminando no total de R$ 557,4 milhões em débitos junto ao Instituto de Previdência do Município de Marília (Ipremm).
PASEP
A dívida não para somente nesses itens. Constam ainda R$ 3,5 milhões de parcelamentos e renegociação de demais contribuições sociais, referentes ao Pasep, sendo uma dívida de 12 de novembro de 2014 e outra do dia 15 de julho de 2013, ainda do governo de Vinicius.
O Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) é um programa brasileiro criado para integrar os servidores públicos no desenvolvimento econômico do país. Juntamente com o Programa de Integração Social (PIS), que se destina aos trabalhadores do setor privado, o Pasep beneficia os servidores públicos civis.
Os recursos do Pasep são destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que por sua vez financia o abono salarial e o seguro-desemprego. Cada servidor público tem uma conta individual no Banco do Brasil, onde são depositadas as contribuições feitas pelos órgãos públicos em que trabalham.
É importante observar que, em 2019, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 103, que extinguiu o Pasep e o PIS como programas individuais. A partir desse momento, a arrecadação passou a ser destinada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e os recursos passaram a ser geridos pelo Ministério da Fazenda.
DAEM E CPFL
A Prefeitura de Marília ainda conta com uma dívida de R$ 34,2 milhões, contraída pelo Departamento de Água e Esgoto de Marília (Daem), que parcelou e renegociou a falta de pagamento com a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL).
No mais recente reparcelamento, ocorrido no segundo semestre de 2023, a administração municipal justificou a necessidade do reajuste devido às “dificuldades enfrentadas pela autarquia, resultantes de fatores como a brusca queda na arrecadação, especialmente decorrente dos impactos econômicos da pandemia da Covid-19”, somado aos “constantes aumentos nas tarifas de energia estabelecidos pelo Governo Federal”.
É relevante ressaltar que o Daem atualmente passa por um processo de concessão à iniciativa privada.
PRECATÓRIOS
Existe também uma dívida de R$ 121,3 milhões em precatórios, posteriores a 5 de maio de 2000.
Precatórios são requisições de pagamento emitidas pelo Poder Judiciário quando o governo é condenado a pagar uma quantia em dinheiro após perder uma ação judicial. Esses pagamentos são destinados a cidadãos, empresas ou entidades que obtiveram decisões favoráveis em processos contra o Estado.
O pagamento dos precatórios segue uma ordem cronológica, e muitas vezes pode demorar devido à limitação orçamentária do governo.
Os precatórios representam a segunda fase de uma ação judicial contra o Estado. Após perder a ação, o governo é condenado a pagar uma quantia específica. Os precatórios são, então, emitidos como ordens formais de pagamento, estabelecendo a obrigação do governo de cumprir a decisão judicial e quitar a dívida com a parte vencedora do processo.
Essa é uma forma de garantir que o Estado cumpra suas responsabilidades legais em relação às decisões judiciais.
DÍVIDAS FLUTUANTES
Além da dívida consolidada, a longo prazo, como explicado e detalhado no texto acima, Marília conta com as chamadas ‘dívidas flutuantes’, que são variáveis e de curto prazo. Elas devem ser quitadas em menos de um ano. Somente neste quesito, o montante chega a R$ 550,3 milhões.
Entre os valores estão R$ 991 mil de precatórios anteriores a 5 de maio de 2000 e R$ 558 mil de precatórios posteriores a 5 de maio de 2000 que não foram incluídos na dívida consolidada.
Constam ainda R$ 6,8 milhões de restos a pagar diversos e não processados e R$ 542 milhões do passivo atuarial.
O passivo atuarial refere-se a uma obrigação financeira futura que uma entidade, como o Ipremm, possui em relação a benefícios previdenciários, como aposentadorias e pensões de servidores públicos.
Esses passivos atuariais surgem porque as aposentadorias e pensões, muitas vezes exigem contribuições financeiras ao longo do tempo para garantir que haja recursos suficientes para honrar esses compromissos futuros.
É o valor que precisa ser reservado agora para garantir que a entidade que cuida dos servidores, tenha recursos suficientes para cobrir essas aposentadorias no futuro.
CAPACIDADE DE INVESTIMENTOS
O total de R$ 1,3 bilhão em dívidas da Prefeitura de Marília chama a atenção, principalmente levando em conta o orçamento municipal para o ano de 2024, estimado em R$ 1,6 bilhão.
Para o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Renan Pieri, uma dívida mais alta impacta a gestão de orçamento do município. Ele explicou que os municípios, diferentes do Governo Federal, não podem emitir títulos de dívida.
“É bem provável que um município endividado tenha que cortar gastos, principalmente das áreas que é possível fazer isso, sobretudo relacionado aos investimentos. Uma dívida mais alta pode significar uma precarização dos serviços públicos à população”, explica o economista da FGV.
OUTRO LADO
Questionada sobre os valores da dívida do município, a Prefeitura de Marília apenas afirmou que todas as informações constavam no Portal da Transparência.
O MN perguntou sobre o motivo do aumento em R$ 1,1 bilhão da dívida durante a gestão do prefeito Daniel Alonso.
Também foi questionado se o fato da dívida representar quase o valor total do orçamento do ano, estimado em R$ 1,6 bilhão, prejudicaria investimentos na cidade; e se existia previsão de redução da dívida em 2024 e de que forma a dívida poderia ser reduzida.
Até o fechamento desta reportagem, as questões não tinham sido respondidas. O espaço está aberto para manifestações.
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