Distribuição de lucros de 15 empresas supera taxa básica com a distribuição de dividendos
Mesmo com a Selic em dois dígitos, 15 companhias conseguiram entregar uma rentabilidade maior que a taxa básica de juros apenas com a distribuição de dividendos em 2023, aponta levantamento da plataforma Meu Dividendo.
A única figurinha carimbada neste rol, porém, é a Petrobras, que tem distribuído lucros que superam a rentabilidade da Selic de forma consistente nos últimos anos.
Para calcular o lucro apenas com a dividendos de ações, é preciso considerar o preço do papel e o quanto ele gerou de dividendos e JCP (juros sobre capital próprio). O resultado é o DY (Dividend Yield, rentabilidade do dividendo, em inglês).
Há algumas maneiras de se fazer essa conta, a depender do objetivo da análise. Pode-se dividir o total recebido em proventos desde que se adquiriu o papel, pelo valor de compra dessa ação, depois, multiplicá-lo por 100. Assim, se obtém o DY total do investimento.
A fórmula mais utilizada pelo mercado, porém, é o total em proventos no período apurado em relação ao preço do papel ao fim desse mesmo período, para saber se a empresa é uma boa pagadora de dividendos.
DY = PROVENTOS PAGOS NOS ÚLTIMOS 12 MESES ÷ COTAÇÃO ATUAL DA AÇÃO X 100
Segundo analistas, para uma ação ser considerada uma boa pagadora de dividendos, o seu DY tem que superar a inflação do período, entregando uma rentabilidade real ao investidor. Considerando a média de DYs do mercado brasileiro, eles traçam a régua em 6%.
É preciso lembrar que o DY não considera a valorização do papel, apenas o pagamento de proventos. Assim, a rentabilidade total tende a ser maior.
“Um retorno de, em média, 50% da Selic na carteira de dividendos é bom. Senão, vale mais a pena investir em empresas com bom potencial de crescimento”, diz Rodrigo Assumpção, planejador financeiro CPF pela Planejar (Associação Brasileira do Planejamento Financeiro).
Como o Brasil tem um histórico de juros altos, são poucas as companhias que oferecem um DY grande o suficiente no longo prazo para atrair os investidores que têm o objetivo de investir para viver de renda. Com a estimativa de uma Selic de 9% ao fim deste ano e uma inflação de 3,81%, o ideal seria buscar ações com DYs acima de 4,5%.
“Olhar campeões de DY, apenas, não dá, é preciso ter recorrência no pagamento”, diz Assumpção.
Ele recomenda que o investidor procure empresas com plano de distribuição de dividendos para os próximos anos, sem necessidade de caixa extraordinário.
MAIORES PAGADORAS DE DIVIDENDOS
No caso da Petrobras (PETR4), foram R$ 7,59498472 distribuídos em 2023, segundo dados da Meu Dividendo. No fim do ano, o papel estava a R$ 37,44, resultando assim em um DY de 20,29%, acima do CDI de 13,04% acumulado no período.
Mas a petroleira é uma exceção à regra. Como seu maior acionista é a União, ela guarda uma fatia menor do lucro do que seus pares, de modo a arcar com parte dos gastos do governo federal, que procura evitar o crescimento do déficit fiscal – a dívida bruta encerrou 2023 em 74,3% do PIB (Produto Interno Bruto).
A atual gestão sinalizou que irá pagar os maiores proventos possíveis sem comprometer o seu plano estratégico de investimentos.
Segundo estimativas de Gabriel Redivo, diretor da Aware Investments, a Petrobras deve gerar um DY de 11% este ano. Acima disso, segundo ele, devem estar apenas Vale (13%), Cyrela (12,8%).
O maior DY de 2023 foi 31,57%, da Mahle (LEVE3), ex-Metal Leve. A companhia de autopeças pagou R$ 11,20 por ação no ano passado e planeja repetir o feito em 2024. Como ela não está endividada e não tem um plano de investimentos, grande parte do lucro gerado vai para o bolso dos acionistas e não para o seu caixa.
Segundo especialistas, isso não é necessariamente bom para o investidor. Sem destinar recursos a novas tecnologias e expansão, a empresa pode ficar para trás em seu segmento e, eventualmente, deixar de ser lucrativa.
No caso da Mahle, há uma preocupação extra. Recentemente, a empresa fez uma oferta de ações para reduzir a participação de seu acionista controlador e arrecadar valores para pagar dividendos aos atuais acionistas. Algo incomum no mercado financeiro.
Wendell Finotti, fundador e CEO da Meu Dividendo, recomenda o investimento em “empresas perenes, estáveis, com faturamento previsível, em constante crescimento.”
“Dividendo é importante, mas não deve ser o único fator na decisão de investimento. Se a empresa é endividada e distribui muito dividendo, é um sinal de alerta. Um bom sinal é quando ela tem um caixa estável e finanças reguladas”, diz Finotti
Para quem busca bons DYs, ele recomenda as EGGSS, sigla para os setores de energia, “principalmente transmissão e geração”, grandes bancos, gás e petróleo, saneamento e seguros.
Em segundo lugar entre as maiores pagadoras de dividendos de 2023, está a Auren Energia (AURE3), com um DY de 22,54% em 2023, mesmo com prejuízo de R$ 317,7 milhões no ano passado.
De acordo com a companhia, a perda se deve à cobrança de impostos sobre a indenização recebida pela Auren por ativos da usina hidrelétrica Três Irmãos.
Para continuar remunerando os seus acionistas, a empresa usa recursos da reserva de lucros. Na semana passada, inclusive a Auren anunciou o pagamento de mais uma bolada em março. Serão R$ 400 milhões distribuídos, o equivalente a R$ 0,40 por ação.
A Grendene (GRND3) vem logo após a Petrobras no ranking das empresas que mais pagaram dividendos no ano passado. A fabricante da Ipanema pagou R$ 1,39 por ação em 2023. Considerando o seu valor de fechamento no ano, isso equivale a um DY de 19,62%, segundo levantamento da Meu Dividendo.
Em 2022, ela não figurou no rol das companhias que superaram a Selic (13,75%), mas em 2021 sim, com um DY de 10%.
Segundo Gabriel Redivo, diretor de gestão da Aware Investments, a perspectiva, porém, não é que ela entregue bons dividendos de forma regular nos próximos anos. “A Grendene teve revisão de benefício fiscal que levou pontualmente a um lucro maior”.
Outro ponto de atenção, segundo especialistas, é não se guiar pelo DY recente das companhias, apenas. Muitos pagamentos podem ser extraordinários e, até, irresponsáveis, deixando o caixa da empresa enfraquecido.
Antes do seu escândalo contábil vir à tona, a Americanas distribuiu R$ 550,60 milhões em dividendos no início de 2022, após reportar, inicialmente, um lucro recorde de R$ 730,9 milhões em 2021. De acordo com a reapresentação das demonstrações contábeis, porém, naquele ano a empresa teve um prejuízo líquido de R$ 6,23 bilhões.
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POR JÚLIA MOURA