Desoneração de municípios exclui 29 cidades com baixa arrecadação, diz FNP
O critério da desoneração de municípios contempla cidades mais ricas enquanto exclui 29 prefeituras que têm menor capacidade de arrecadação e de investimento, afirma a FNP (Frente Nacional dos Prefeitos) em estudo antecipado à Folha.
A entidade considera, em sua análise, a receita corrente líquida que cada município obteve por cidadão em 2022 e argumenta que conceder o benefício com base no tamanho da população parte de uma premissa equivocada de que cidades pequenas são mais pobres do que municípios maiores.
A desoneração da folha contempla 3.397 municípios com até 156.216 habitantes vinculados ao RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Eles tiveram a alíquota patronal reduzida de 20% para 8% a partir de janeiro deste ano.
O problema, segundo a FNP, é que há cidades mais ricas que foram beneficiadas, ao mesmo tempo em que localidades com menor capacidade de financiamento e investimento foram excluídas por serem populosas.
“É uma injustiça federativa. Não podemos mais relacionar cidades populosas como cidades ricas”, diz o secretário-executivo da FNP, Gilberto Perre. Entre 2002 e 2008, ele foi secretário de Fazenda do município de São Carlos (SP), um dos 29 excluídos da desoneração.
A lista de municípios contemplados inclui Presidente Kennedy (ES), que teve uma RCL (receita corrente líquida) per capita de R$ 38.418 no ano de 2022, engordada por royalties de petróleo. A cifra foi calculada a partir de dados públicos do Tesouro Nacional e do Censo Demográfico, do IBGE. O número serve de termômetro para a capacidade de financiamento das prefeituras.
O valor é quase 19 vezes a receita per capita de Carapicuíba (SP), que arrecadou R$ 2.049,67 por habitante no período e tem a menor capacidade de financiamento entre os excluídos.
Também ficaram de fora Ribeirão das Neves (MG), Mauá (SP), Ilhéus (BA) e Imperatriz (MA), cidades que tinham uma RCL per capita menor que R$ 3.700 no ano de 2022.
No geral, os municípios excluídos tinham uma receita corrente líquida de R$ 4.105 por habitante, em média.
O número é menor do que a média de todas as prefeituras contempladas (R$ 4.630), mas está ainda mais distante da média observada entre os 20% mais ricos entre os beneficiados (R$ 9.928).
“Essa medida reforça desigualdades”, critica Perre. Segundo ele, o benefício está indo para municípios que já têm maior capacidade de investimento. “Não se trata de incluir os 29, mas sim de consertar um erro.”
O secretário destaca que a disparidade se dá também no impacto fiscal da desoneração. O corte na alíquota custa R$ 282 per capita no caso dos 20% mais ricos entre os beneficiados. Nos municípios excluídos, o valor seria de R$ 165 per capita.
A entidade defende a inclusão desses 29 municípios, que continuam pagando uma alíquota de 20% sobre a folha de servidores.
Nos cálculos da FNP, é possível estender o benefício a todos os municípios ligados ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sob o mesmo custo, caso a nova alíquota seja fixada em 9,3%. Outra opção seria estabelecer uma cobrança escalonada, conforme a capacidade de pagamento dos municípios.
“Se um município tem RCL por habitante disponível maior que o outro, é razoável pressupor que ele tem condições de arcar com alíquotas um pouco maiores. Em vez de reduzir de 20% para 8%, talvez [propor] uma redução não tão significativa para alguns”, sugere Perre.
O desafio é convencer as demais prefeituras a abrir mão do benefício já conquistado, ou persuadir o governo federal a arcar com o custo da inclusão, estimado em R$ 1,15 bilhão.
“Aí é uma questão de ajuste, para que esse impacto da medida como um todo seja equacionado. A proposta pode ser calibrada”, diz o secretário-executivo da FNP.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta costurar um acordo político com os parlamentares e os prefeitos para decidir não só o desenho da desoneração dos municípios, mas também a fonte de compensação pela renúncia fiscal. A Receita Federal estima uma perda de R$ 10,5 bilhões com a medida no formato atual.
A Folha procurou a Secretaria de Relações Institucionais, responsável pelo diálogo com o Legislativo e com os entes federativos, para comentar o estudo da FNP, mas a pasta não quis se pronunciar.
A desoneração foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2023 e chegou a ser vetada por Lula. A menos de um ano das eleições municipais, os parlamentares derrubaram o veto e restituíram o benefício.
Um dia depois da publicação da lei, Lula editou uma MP (medida provisória) para revogá-la e prever a retomada da cobrança de 20% a partir de abril deste ano. A iniciativa enfrentou resistências e foi derrubada pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Desde então, o governo tenta chegar a um acordo sobre a desoneração.
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POR IDIANA TOMAZELLI