Alento para os endividados
Costumamos ouvir por aí que o Brasil é o país dos devedores, uma vez que quase toda sua população tem débitos financeiros pendentes. Embora essa premissa tenha caráter de piada, não está assim tão longe da verdade, já que, com o advento da famigerada pandemia da Covid-19, muitas empresas fecharam, a indústria restringiu a produção e os empregos caíram a níveis assustadores, criando uma legião de desempregados, comerciantes em situação de insolvência e capengando para sobreviver. Negar esse estado de coisas é negar uma realidade gritante.
O legislador ordinário não é insensível a essa situação e visando minimizar o desespero dos insolventes e devedores, editou a Lei 14.181/21 que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, vindo a criar regras para prevenir o endividamento de pessoas físicas, além de obstar abusos na oferta de crédito a idosos e vulneráveis.
O texto legal define o superendividamento como sendo “impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial” (§ 1º do artigo 54-A). Ainda, segundo a Câmara de Notícias do Poder Legislativo, a nova legislação cria as seguintes medidas saneadoras:
- “torna direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial;
- torna nula cláusulas contratuais de produtos ou serviços que limitem o acesso ao Poder Judiciário ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento depois da quitação de juros de mora ou de acordo com os credores;
- obriga bancos, financiadoras e empresas que vendem a prazo a informar ao consumidor o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros e os encargos por atraso, o total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos. As ofertas de empréstimo ou de venda a prazo deverão informar ainda a soma total a pagar, com e sem financiamento;
- proíbe propagandas de empréstimos do tipo “sem consulta ao SPC” ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;
- proíbe o assédio ou a pressão sobre consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente em caso de idosos, analfabetos, doentes ou em estado de vulnerabilidade;
- permite que o consumidor informe à administradora do cartão de crédito, com dez dias de antecedência do vencimento da fatura, sobre parcela que está em disputa com o fornecedor. O valor não poderá ser cobrado enquanto não houver uma solução para a disputa”.
Além dessas medidas, fica facultado ao devedor superendividado requerer ao juiz audiência para repactuação das dívidas, com a presença de seus credores, onde deverá apresentar um plano de pagamento, com o prazo máximo de cinco anos para a quitação, preservado o mínimo existencial. “Evidentemente não poderá integrar o plano de repactuação, dívidas com garantia real, tais como financiamento de veículos, financiamentos imobiliários, contratos de crédito rural e, obviamente, dívidas contraídas sem a intenção de quitação.”
Tais providências são oportunas e saudáveis, exatamente por proibir a cupidez de juros extorsivos e pressões intoleráveis por parte de agentes financeiros, que impõem intolerável sacrifício os devedores que não têm como quitar suas dívidas, segundo o pactuado quando da celebração do contrato de crédito.