Crise financeira provoca discussão sobre o futuro do Daem em Marília
O ano começou desastroso nas contas do Departamento de Água e Esgoto de Marília (Daem), com déficit acumulado de R$ 8 milhões somente em 2021. Isso sem contar o desgaste pelo parcelamento de outros R$ 9,2 milhões em contas de energia.
Conforme dados do Portal da Transparência, de janeiro até agora foram arrecadados R$ 11.831.018,03. No mesmo período as despesas de custeio foram de R$ 18.820.410,17.
Com a primeira quinzena de fevereiro já encerrada, o orçamento vai se frustrando. A estimativa era arrecadar R$ 17,3 milhões até o final desse mês. Até agora, pouco mais de 65% entraram nos cofres do Daem.
O principal motivo da crise, segundo o comando da autarquia, é a inadimplência agravada pela pandemia. No entanto, análise do Marília Notícia mostra que nos últimos quatro anos as despesas cresceram praticamente o dobro da arrecadação.
As incertezas já provocam, nos bastidores e no meio político, discussões sobre o futuro do Daem, que apesar do equilíbrio entre 2017 e 2018, deixou mais evidente a sua fragilidade em um cenário de crise.
Sem investimentos, não tem água. Por outro lado, com aumento de suas despesas, a conta simplesmente não fecha. Assim, há dúvidas sobre a viabilidade financeira do departamento, embora privatização seja assunto evitado pelas fontes ouvidas pelo MN.
Somente este ano, para manter o Daem funcionando, já foram investidos R$ 1.034.000,25. Somados, investimentos e custeio (que inclui recursos humanos e despesas fixas) já representam mais de R$ 19,8 milhões em gastos em 2021.
Inadimplência
Grande parte dos R$ 8 milhões que impedem que as contas fechem são dívidas recentes dos contribuintes, afirma Marcelo Macedo, presidente da autarquia. Ele estima que pelo menos R$ 6,5 deixaram de entrar nos cofres do Daem somente em janeiro. Fevereiro segue igualmente preocupante.
“É praticamente metade da população não pagando a conta de água. Foi isso que aconteceu esse ano. Pedimos encarecidamente que a população valorize a água que recebe em casa. Ninguém consegue ficar sem água, então nos ajude a manter o Daem funcionando. Nossa única fonte de receita é a conta de água”, apelou Macedo.
Ele solicitou à Câmara de Marília uma audiência e se mostrou indignado com a expressão ‘caixa preta’ e acusações de má gestão frente ao departamento. Segundo Marcelo, a despesa com a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) é de R$ 2,6 milhões por mês – ou R$ 31,2 milhões por ano.
“Nós pedimos o parcelamento de R$ 9 milhões em energia, mas pagamos uma série de parcelamentos que foram feitos, inclusive por outras administrações. Infelizmente sempre teve esse tipo de dificuldade no Daem. Nossa gestão é que tem conseguido administrar melhor essa situação”, defendeu.
Ainda não há uma consciência da escassez, mas já há uma cobrança pelo uso das águas por parte dos órgãos de regulação de recursos hídricos – no caso de de São Paulo, do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE).
Há dois anos, segundo Macedo, o Daem paga mensalmente uma fatura de R$ 1 milhão para continuar captando água, para tratar e distribuir. “Isso ainda não foi repassado para a conta do consumidor. Se for dividir igualmente para todos, vai dar cerca de R$ 1 por fatura. É pouco, mas é algo que precisa ser discutido, passar pela Câmara”, disse.
Radiografia
O Marília Notícia conversou com ex-dirigentes, engenheiros e fontes de diferentes áreas sobre a sobrevivência do departamento e a possibilidade real de privatização, ou pelo menos Parceria Público Privada, para terceirização de parte dos serviços.
Vale lembrar que o departamento chegou a ter superávit em 2017, com mais de R$ 3 milhões em caixa. Porém foi um ano de baixo nível de investimento, comparado com os anos seguintes.
Em 2018 e 2019, as contas do Daem foram marcadas pelo equilíbrio, com a arrecadação em nível muito próximo da soma entre gastos e investimentos.
O ano passado teve recorde de investimentos, com mais de R$ 10 milhões, incluindo obras para construção de emissários que pretendem ligar o esgoto coletado na cidade às estações de tratamento construídas com recursos federais.
Foram liquidadas despesas da ordem de R$ 94,9 milhões, entre custeio e investimentos, enquanto que a receita do ano foi de R$ 91,9 milhões.
Avaliação
“O Daem não tem acionista cobrando para dar lucro. Não precisa sobrar dinheiro, mas também não pode faltar”, afirma o ex-presidente José Carlos Bastos, o Beca.
Ele afirma que conseguiu comprar máquinas, reduzir desperdício de água – trabalho que é mantido até hoje – e melhorar o atendimento, porém, alguns problemas se avolumaram nos últimos anos.
“A conta de energia elétrica aumentou muito, praticamente dobrou. E você depende da energia para levar a água do rio, do poço para a casa das pessoas. Esses custos vão sendo suportados pelo Daem, porque em Marília a maior parte das pessoas, infelizmente, não valoriza a água”, disse Beca.
O administrador – que tem sua maior experiência na iniciativa privada – afirma acreditar que não é o caso de privatização, mas de Parceria Público Privada (PPP), na qual o Daem não abra mão de ativos.
“Na concessão entrega-se para uma empresa explorar o serviço e ela acaba fazendo o que quer, ainda que haja um bom contrato. Mas na PPP dá para estabelecer os limites, permitindo que a iniciativa privada participe das soluções, que parte dos serviços sejam executados por terceiros, com mais eficiência”, disse.
Beca disse ainda que a gestão do prefeito Daniel Alonso (PSDB) na questão do Daem tem sido bem sucedida, porém, a própria estrutura do departamento não favorece.
“Tem o custo operacional que é muito elevado. Marília tem mais de 80 poços para o departamento tomar conta. Durante muito tempo faltou planejamento e faltou cobrar responsabilidade quando se lançavam condomínios”, disse.
Preço da água
Enquanto o morador de Marília paga R$ 39,36 ao consumir 10 m³ de água (incluindo tarifa de esgoto, com base de 50% do valor do consumo de água), em Presidente Prudente um morador que tem o mesmo consumo é faturado em R$ 48,78.
Na pequena Álvaro de Carvalho, na região de Garça, o valor é o mesmo que Prudente. Já em Assis, ainda maior: R$ 49,41. Em todas essas cidades, o serviço é prestado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Nos municípios com autarquia municipal, o valor da água é equivalente a Marília. Os 10 m³ para o consumidor residencial sai por R$ 41,95 em Garça. Naquela localidade, porém, o esgoto já é tratado e faturado em 90%.
Em Bauru o custo é ligeiramente menor que Marília: R$ 36,46. Em Sorocaba, ainda mais barata, os 10 m³ são entregues por R$ 32,82.
“Não acho que o problema seja o valor que Marília cobra. O importante é você estabelecer um ponto de equilíbrio, prevendo uma margem para investimentos e efetivamente cobrar pela água, não permitindo injustiças”, disse uma fonte do MN, que já ocupou função de comando no Daem.
Faturamento
Em 2021 a estimativa é que o Daem romperia a barreira dos R$ 100 milhões de arrecadação pela primeira vez, o que pode não acontecer.
O crescimento das receitas nos últimos quatro anos foi de 18,2%. A arrecadação saiu de R$ 77,8 milhões no primeiro ano da gestão Alonso, em 2017, para R$ 91,9 milhões em 2020.
Já a soma de custeio mais investimentos, o que representa o total de gastos, saltou de R$ 74,4 milhões em 2017 para R$ 99,9 milhões em 2020, uma elevação de 34,27%.
Repercussão
Na Câmara Municipal o pedido de parcelamento foi recebido com desconfiança pelos vereadores. Os discursos variaram entre ‘caixa preta’, lembretes ao Chefe do Executivo pela dívida milionária da Prefeitura, e citações sobre desperdício de água.
Marcelo Macedo, que preside o departamento, reclamou. Em entrevista ao MN ele se recusou a falar de privatização. O dirigente diz que o Daem é viável, mas propõe pacto com a cidade, com ajuda do Legislativo.
“Eu que pedi a audiência. Vou lá na quarta-feira para tirar dúvidas, levar informação, porque eles precisam ter conhecimento do que estamos fazendo. Passamos um período de grande estiagem no ano passado, sem desabastecer o Santa Antonieta. Antes, nestas mesmas condições, seria uma semana sem água”, disse Macedo.
Ele afirma que o Daem, em meio à pandemia, está impedido de cortar “pelas circunstâncias, não pela lei”, o que sugere estar aumentando as dificuldades no fluxo de caixa.