CPI pretende denunciar Bolsonaro por crime de lesa-humanidade
Em apenas dois dias em janeiro de 2021, mais de 30 pessoas morreram em Manaus sufocadas. Vítimas da covid-19, elas não tinham oxigênio. A tragédia era o episódio final da construção de um macabro laboratório. A capital do Amazonas foi usada como centro da experimentação do chamado “tratamento precoce” contra a pandemia. O isolamento social foi desestimulado. Um aplicativo, o Tratecov, foi desenvolvido para recomendar aos pacientes o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. E a omissão levou à falta de oxigênio na CPI.
Ao site Congresso em Foco, o vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse considerar que somente o trágico episódio de Manaus já justifica que a comissão denuncie Jair Bolsonaro por crime de lesa-humanidade. É o que ele afirma nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. “Houve a clara utilização dos manauaras como cobaias. A CPI apontará para essas responsabilidades”, afirma Randolfe.
A despeito, porém, de toda a situação vivida pelo país na pandemia como consequência da atuação do presidente, Randolfe reconhece que Bolsonaro ainda tem a seu lado uma parcela da sociedade, uma forte militância que, seja agora ou em 2022, não deve ser subestimada. E que pode dificultar que ações mais severas contra o presidente sejam tomadas ao final da investigação.
“Estamos diante de um grande empecilho, um grande obstáculo, que é a aliança que há hoje entre o fundamentalismo miliciano de extrema direita do governo Bolsonaro e o patrimonialismo corrupto que sempre esteve em voga no Brasil corrupção”, diz o senador. “Bolsonaro é o presidente da República e, na prática, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o primeiro-ministro”.
Para Randolfe, os grupos governistas tentaram o tempo todo trabalhar na CPI para evitar que a investigação avançasse sobre pessoas muito próximas do presidente. Talvez até mesmo da sua própria família. Uma situação que ficou consubstanciada no áudio da conversa vazada entre Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), na qual o presidente fala que precisava na CPI fazer “do limão uma limonada”. “Qual a limonada que queriam e qual o limão que queriam impedir? Que chegássemos a Karina Kufa, a Marconny, a Jair Renan, a Ricardo Barros. É uma pena comunicar a eles que nós conseguimos chegar a esses personagens”.
O vice-presidente da CPI refere-se, respectivamente, à advogada da família Bolsonaro, Karina Kufa; ao advogado Marconny Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos, empresa atravessadora na tentativa de aquisição da vacina indiana Covaxin; ao filho do presidente, Jair Renan Bolsonaro, e ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), investigado por participação tanto na intermediação da Covaxin quanto da vacina Convidencia do laboratório chinês CanSino.
Segundo o senador, as últimas investigações da CPI levam a conexões entre esses personagens. Foi em um churrasco, no dia 25 de maio, quando o país já contabilizava 22 mil mortes pela covid, na casa de Karina Kufa, que, segundo Randolfe, Marconny Faria e Ricardo Santana, também apontado como ligado à Precisa, começaram a discutir sobre negócios envolvendo a pandemia e o Ministério da Saúde. Neste churrasco também estava presente Jair Renan.
“Há elementos muito fortes contra a advogada da família do presidente”, afirma Randolfe. “Ela indica pessoas para participar de processos fraudulentos para a obtenção de vantagens indevidas no âmbito da administração pública”. No caso do filho 04 do presidente, não há relação investigada que o aponte diretamente para negócios relativos à pandemia. Mas Marconny aparece como uma espécie de tutor empresarial dele. Segundo o vice-presidente da CPI, há uma robusta quantidade de informações obtidas pela comissão sobre essas relações entre Marconny, a Precisa, Karina Kufa e Jair Renan. Só do Whatsapp de Marcony, afirma o senador, a quantidade de informações soma 320 mil páginas.
Líder da oposição no Senado, Randolfe divide o trabalho de investigação feito pela CPI em três fazes. Na primeira fase, foram investigados os crimes contra a ordem sanitária, contra a saúde pública, nos quais a responsabilidade do presidente, na avaliação do senador, já era evidente mesmo antes da comissão de inquérito. A partir dos depoimentos do deputado Luís Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, Luís Ricardo, funcionário do Ministério da Saúde, a CPI entrou na investigação das irregularidades nos processos de aquisição de vacinas. Agora, a terceira fase avança, ao identificar o papel de quem fez lobby no Ministério da Saúde para fraudar licitações e obter vantagens.