Covid-19: Família de Marília mora em uma das áreas mais afetadas
Uma família de marilienses vive na província da Lombardia, no Norte da Itália, uma das regiões com maior número de casos graves de Covid-19 no mundo.
Eles iniciaram há 60 dias o isolamento social por decisão própria, enquanto o restante do país demorou para aderir à medida de contenção da pandemia.
Clayton Christianini, 47 anos, e a esposa, Raquel, 46, chegaram ao país há três anos. Há cerca de um ano eles moram em Gerenzano, uma pequena cidade localizada a 15 quilômetros de Milão.
Ele foi policial militar em Marília e tem uma empresa do setor de sorvetes em Presidente Prudente, onde a família morou, antes de imigrar para a Itália.
Raquel é enfermeira, formada pela Universidade de Marília (Unimar), mas na Itália ainda não exerceu a profissão, devido à diferença nos currículos e procedimentos para validação de diplomas estrangeiros.
Com os filhos Misael e Isabella, o casal evangélico lidera uma frente missionária para brasileiros e italianos. A chegada da pandemia limitou Clayton e Raquel, que hoje passam horas na internet, onde conversam com familiares, amigos e tentam estabelecer uma rotina saudável.
“Revezamos entre internet, leitura, exercícios físicos. Minha filha estuda aqui e está tendo aulas online. Temos as atividades da igreja, tudo pela internet. Fazemos o possível para ficar bem, para preservarmos nossa fé, manter nossa mente e nosso corpo saudáveis”, contou Clayton.
Recrutamento
Assim como todos os italianos, o casal fica atento ao informe do final do dia, com o número de novos casos, pessoas curadas e óbitos. Há semanas os dados não trazem muito conforto para quem vive na Lombardia, região em que vivem muitos idosos.
Raquel acaba de se cadastrar em um programa de voluntariado para profissionais da saúde, que poderá admitir estrangeiros. Ela contou que a possibilidade de salvar vidas em sua área de formação, mesmo com os riscos de contaminação, tem sido uma motivação a mais.
“Se for para ajudar, estou à disposição. Medo nós temos, claro, mas não somos movidos por isso. Somos movidos pela fé e desejo de servir”, disse.
Clayton, que já trabalhou em Marília, na equipe de Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam) e no grupamento Aéreo Águia – em Presidente Prudente – trava hoje uma luta diária para manter a família em segurança, na longa quarentena, em um assustador final de inverno europeu.
É ele quem vai ao supermercado. O missionário, que largou as armas, conta que é praticamente impossível sair em Gerenzano sem uma abordagem policial.
“Eles querem saber onde você vai. Por qual motivo está fora de casa. Vou ao supermercado uma vez por semana. Nessa última, já senti falta de algumas coisas, como farinha, açúcar, itens básicos”, relatou.
A ajuda do governo aos italianos não chega rapidamente. Eles têm notícias sobre pessoas que perderam o emprego e estão passando dificuldades.
No caso da família Christianini, os rendimentos da empresa no Brasil ainda garantem alguma segurança, porém as notícias sobre as restrições no Estado de São Paulo são recebidas com preocupação.
Esperança
“Tudo que está acontecendo no Brasil já aconteceu aqui. Também houve debate sobre o isolamento ou não, sobre o fechamento ou manutenção do comércio não essencial. Não entro nessa discussão. Penso que cada país tem sua realidade, tem os motivos para tomar suas decisões”, disse.
Raquel falou que, entre pessoas do círculo de convivência, não houve óbitos. Mas soube de conhecidos que perderam amigos. “Com a quarentena, não sabemos se o problema está sendo resolvido, mas estamos contribuindo com nossa parte. Estamos nos resguardando para proteger os outros”, disse.
Ela relatou que o número de infectados na região da Lombardia continua amentando. A quantidade de óbitos em um dia aumenta, em outro recua. O total de curados, evidentemente, sobe, mas é lento.
“Temos amigos sem trabalho, desamparados, porque a ajuda do governo não chega, e eles precisam pagar aluguel, água, luz, despesas familiares para se manter. Isso vem preocupando estas famílias, mas mesmo com essa preocupação, dentro da nossa comunidade, vivemos harmonia”, relataram.
Italianos e estrangeiros, no norte da Itália, conversam, interagem pela internet, fazem de tudo para não se desestabilizarem emocionalmente, contaram.
“Se todos se desesperarem, vamos sofrer mais. Precisamos de cautela, calma, pensar direito, pensar no problema sim, mas não permitir que essa preocupação ocupe nossa vida por inteiro. O controle emocional é muito importante”, afirmou a enfermeira missionária.
Para o marido, enquanto a vida não volta ao normal – ou recomeça melhor que antes, após tanto tempo para reflexão – o melhor a fazer é manter as pessoas unidas e focadas na sobrevivência.
“Estamos sendo colocados à prova para viver juntos, sem ideologias, para juntos estabelecermos uma nova ideia do que é conviver em sociedade”, disse acreditar Clayton Christianini.