Com vítimas conhecidas da maioria dos moradores, Cascavel vive luto coletivo
Se fosse uma família, Cascavel, no oeste paranaense, teria perdido 24 das 62 vítimas da queda do avião da Voepass, que vivam na cidade ou em municípios vizinhos, e eram conhecidos da população, que vive uma espécie de luto coletivo.
Com pouco mais de 348 mil habitantes, o município não é necessariamente considerado pequeno, mas o clima de vila interiorana permite que boa parte dos moradores conheça alguém próximo das vítimas, algumas delas ilustres, como o médico radiologista da cidade, a escrevente do cartório e a influenciadora que dava dicas de nutrição nas redes sociais.
O médico José Roberto Leonel Ferreira, conhecido como doutor Leonel, mantinha havia 27 anos o centro de imagem que leva seu nome no centro de Cascavel. Ele viajava a São Paulo para passar o Dia dos Pais com o filho e o neto recém-nascido. Adesivos de laços pretos foram colocados na entrada da clínica em homenagem a ele. Doutor Leonel também é figura conhecida em Cascavel por ter formado uma geração de colegas de profissão como professor de medicina e residência médica na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
Funcionária de uma pet shop, Ana Livia Silva, 24, ficou espantada quando soube que uma das clientes, Simone Rizental, estava entre as vítimas. “A gente a chamava de Ana Maria Braga por causa do corte de cabelo, e ela gostava”, lembra. “Toda semana levava a shih tzu Nina para tomar banho. Era muito querida.”
O próprio prefeito de Cascavel, Leonaldo Paranhos (Podemos), lista os conhecidos que estavam no avião. “Tem a filha do meu contador, a filha de dois servidores da prefeitura”, disse. “Tirou um pedaço da nossa cidade, do Paraná, do país”, continuou.
Bastante conhecida na cidade, a nutricionista Ana Caroline Redivo tinha entre seus 42 mil seguidores no Instagram diversos moradores de Cascavel. Influenciadora digital, ela gravava vídeos com dicas de alimentação e treinos. “Minha mulher segue ela, e eu também”, diz o motorista de aplicativo Geovanne.
Apesar da popularidade das vítimas, há poucas demonstrações de luto na cidade. A consternação, porém, é visível de outras formas. Realizada todos os domingos, a feira do Teatro, que reúne barracas de comidas, artesanatos e de produtos orgânicos, teve ausência de boa parte dos expositores. “Foi discutida a possibilidade de cancelar a feira por causa do acidente, mas tínhamos compromisso com os clientes que encomendaram mercadoria”, diz a produtora de orgânicos Isabel Lopes.
“Em um domingo normal, não sobra espaço, fica uma barraca grudada na outra”, conta o produtor de orgânicos José Sandro de Oliveira apontando para espaços vazios.
Eles contam que a iniciativa de organizar uma feira de produtos orgânicos surgiu de um grupo de professores da Unioeste, instituição que perdeu quatro docentes na tragédia, entre eles o doutor Leonel. “Eles eram nossos clientes, estavam toda semana aqui”, diz Isabel.
Outra médica conhecida da cidade, Sarah Sella Langer trabalhava como médica intensivista da UTI Pediátrica do Hospital Universitário do Oeste do Paraná.
Os moradores também lamentaram a morte de Antônio Deoclides Zini Júnior, filho do empresário dono da transportadora e rede de postos da cidade, Pra Frente Brasil. Ele estava no voo com a mulher, Kharine Gavlik Pessoa Zini, com quem tinha dois filhos.
Organizada todo ano, a festa do morango ocupa o centro de eventos da cidade até a noite deste domingo, quando começará a ser organizado para ser disponibilizado às famílias interessadas em participar do velório coletivo. A definição, porém, ainda depende do reconhecimento dos corpos e da decisão das famílias.
“Vou deixar tudo preparado para fazer o velório coletivo, mas começamos agora o contato com as famílias para saber se elas querem ou não”, disse o prefeito.
O transporte dos corpos será feito pela Voepass, após acordo firmado entre as Defensorias Públicas e os Ministérios Públicos de São Paulo e do Paraná neste sábado (10). A empresa será responsável por entrar em contato com os familiares para obter as informações de liberação e entrega dos corpos.
HOMENAGEM AOS MORTOS
Programado para ocupar teatro municipal, o concerto da camerata de Curitiba foi adaptado para se transformar em um tributo em memória às vítimas do acidente aéreo da empresa Voepass, na noite deste domingo, na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecido, no centro de Cascavel.
“Sensibilizados com a perda de tantas vidas, alteramos a programação para nos elevar em prece aos que se foram”, disse a maestrina Mara Campos, ao apresentar o concerto.
“Diante do imprevisível, improvável e nefasto, que nossas palavras em solidariedade à cidade de Cascavel se transformem em música e afeto”, completou.
Além de ser transferido para a catedral, o concerto também teve o repertório adaptado para a ocasião.
Antes da apresentação, o arcebispo de Cascavel, dom José Mário Angonese, pediu oração à vítimas diante de uma catedral lotada de fiéis para a missa em homenagem ao Dia dos Pais.
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POR MARIANA ZYLBERKAN