Com mais de 70 anos de história, Casa Formosa encerra atividades
Difícil, na verdade quase impossível entrar na Casa Formosa de Marília e não encontrar o que se busca. Agora, nenhum cliente pode entrar. Na liquidação para encerrar as atividades, só é possível ser atendido em um improvisado sistema ‘peça e pague na porta’, um take-away à brasileira, feito para a pandemia. Mas não é o coronavírus o responsável pelo fim da loja. Dona Seiko partiu.
A comerciante e professora de matemática aposentada, Seiko Uyemura Takimoto, de 75 anos, morreu no início de março, vítima de um mal súbito. Lúcida, comunicativa e com disposição para o trabalho, ela liderou sua equipe até os últimos dias de vida.
Quando Seiko nasceu, a loja já existia. A Casa Irmãos Uyemura era administrada pelo pai, imigrante japonês, que chegou a ter participação em uma rede de lojas, com unidades em diferentes cidades. Marília tinha poucos anos de emancipação e muitas necessidades.
O ponto estratégico, perto da linha férrea e da antiga rodoviária, em um corredor comercial, virou parada obrigatória entre o vibrante Alto Cafezal e a promissora Cascata. Mais tarde, como Casa Formosa manteve o espaço conquistado e fez história.
“Minha mãe foi uma pessoa fantástica. Tenho as melhores memórias. Ela trabalhava muito, dava aulas de manhã, cuidava da loja à tarde, dava aulas pela noite. Ela assumiu a loja quando meu avô estava encerrando, mudou o tipo de produto que vendia (antes secos e molhados) e adaptou para utilidades”, conta Elton Takimoto, filho de dona Seiko.
Para melhorar os negócios, ela tinha sempre uma ideia. “Foi minha mãe que começou a vender flores artificiais em Marília. Depois virou uma tendência. Se você vai em outras cidades, é difícil achar esse tipo de produto na quantidade que tem em Marília. Era uma coisa que ela gostava de fazer. Ela mesma confeccionava”, relatou.
No final de semana antes de partir, Seiko ainda trabalhou. Na casa dela, o filho encontrou muitas flores ao chegar de viagem. “Tinha trabalhado naqueles dias. Minha mãe foi uma pessoa sensacional, muito criativa, ativa, ajudava muita gente. Foi um ser humano incrível”, relata.
Um mês após a morte da proprietária, a loja anunciou liquidação. Descontos até encerrar os estoques. E não é pouca coisa. Sem luxo, à moda antiga, a Casa Formosa é daqueles estabelecimentos onde quase não há espaço para caminhar, mas basta apontar um objeto ou pedir a um dos vendedores que logo está na mão.
Nesta terça-feira (13), fila em frente à loja reunia clientes que sabiam distinguir as vantagens do bazar de utensílios. A espera de cerca de 40 minutos, para a grande maioria, valeu a pena: descontos de 15% para compras em dinheiro e 10%, no cartão de débito.
A professora Sandra Valeria Spila Caldeira, de 52 anos, conta que a mãe dela foi cliente da Casa Formosa. Adolescente, já frequentava a loja. “Muito triste o enceramento desse comércio, porque faz parte da vida do mariliense. Na minha casa tem muita coisa daqui. Não tem igual”, garante.
Dona de uma rotisserie, Luzinete Correia de dos Santos, de 45 anos, afirma que a loja é uma ‘aliada’ para seus negócios. “É onde eu encontro várias das minhas ferramentas de trabalho. Não consigo preços bons e qualidade assim em lojas grandes. É tudo mais caro”, garante.
A fila em frente a loja deve permanecer nos próximos dias. Entre um atendimento ou outro, os funcionários pedem distanciamento. No vai e vem de pedestres, chama a atenção o aviso da Casa Formosa, o que faz a fila aumentar.
Assim, termina a história de mais um estabelecimento tradicional de Marília, símbolo do varejo de outros tempos, do balcão e do cilindro de papel de presente. Tempo em que a simplicidade e o relacionamento com o cliente desafiavam as tecnologias e as estratégias de marketing da atualidade.