Cobrança por sacolas ‘verdes’ em Marília engana consumidores

Marília vive uma nova realidade nos caixas de supermercados: as sacolas plásticas, antes fornecidas ‘gratuitamente’, agora são vendidas entre R$ 0,13 e R$ 0,24 cada unidade. A mudança gera dúvidas sobre os reais benefícios ambientais e, principalmente, sobre o impacto no bolso do consumidor.
A nova política é resultado de uma longa trajetória legislativa iniciada em 2011 e alterada em 2023. O cenário atual parece favorecer mais o setor comercial do que o meio ambiente ou os direitos do consumidor.
A chamada Lei das Sacolinhas foi promulgada pela Câmara Municipal em julho de 2011, com o objetivo de substituir sacos e sacolas plásticas comuns por versões ecológicas — biodegradáveis em até 180 dias ou reutilizáveis. A legislação original proibia o uso e distribuição, mesmo gratuita, de embalagens plásticas convencionais por órgãos públicos e estabelecimentos comerciais.
Prevista para entrar em vigor em janeiro de 2012, a lei enfrentou contestações judiciais por mais de uma década. Somente em outubro de 2022 o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou sua constitucionalidade. Mesmo assim, modulou os efeitos da decisão, e concedeu 12 meses para adaptação — prazo que venceria em outubro de 2023.
Ainda assim, em setembro de 2023, a Prefeitura, sob a gestão do ex-prefeito Daniel Alonso (PL), apresentou o Projeto de Lei nº 115/2023, propondo a suspensão da eficácia da norma por mais dois anos e transferindo a fiscalização para a Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
As sacolas ecológicas, conforme a lei, deveriam conter ao menos 51% de material reciclado ou de fonte renovável e atender a padrões técnicos de resistência e biodegradabilidade, estabelecidos pela ABNT. Já as retornáveis precisavam ser laváveis, duráveis e com espessura mínima de 0,3 mm.
Em resposta, o ex-vereador Eduardo Nascimento (Republicanos), autor da lei original, apresentou emendas que alteraram substancialmente o texto legal, dando origem à legislação em vigor desde 15 de julho.
A nova redação proibiu a distribuição gratuita da sacolas plásticas descartáveis feitas de polietileno, polipropileno ou similares, mesmo as chamadas oxibiodegradáveis. Essa mudança abriu caminho para a cobrança direta ao consumidor. Foram mantidas exceções para embalagens originais, produtos a granel que vertam líquidos e usos privados sem finalidade comercial.

Além disso, caiu a exigência de biodegradabilidade em 180 dias. As sacolas passaram a ser aceitas se fossem recicláveis, reutilizáveis com mais de 51% de material renovável ou retornáveis.
Desde então, supermercados de Marília deixaram de oferecer sacolas e passaram a vendê-las. Funcionários foram orientados a informarem que o produto é biodegradável. No entanto, as sacolas verdes atualmente comercializadas são feitas de Polietileno de Alta Densidade (PEAD 2) — material utilizado anteriormente, não biodegradável.
FALÁCIA DA GRATUIDADE
A cobrança direta apenas explicita um custo que sempre existiu: o valor das sacolas estava embutido nos preços dos produtos. Agora, o consumidor paga novamente por algo que já financiava, sem redução nos preços das mercadorias.
A alegação de que as sacolas são biodegradáveis é desmentida pelo próprio material: PEAD 2. A lei original de 2011 buscava sacolas que se decompusessem em 180 dias. A nova legislação, por sua vez, somente proíbe a “distribuição gratuita” de sacolas de polietileno e exige que as sacolas sejam reutilizáveis/recicláveis com mais de 51% de material renovável/reciclado ou retornáveis.
Se as sacolas de PEAD 2 não se encaixam nessas novas definições de reutilizáveis/recicláveis, a venda delas – mesmo não sendo gratuita – ainda levantaria questões sobre a conformidade com o espírito da lei. A mudança foi exatamente a proibição da gratuidade de sacolas plásticas, abrindo espaço para sua venda.
PEAD 2 NÃO É BIODEGRADÁVEL
O Polietileno de Alta Densidade, identificado pelo código de reciclagem 2, presente em todas as sacolinhas de supermercados, das mais novas (verdes) ou nas antigas que vinham com propagandas dos comércios, é um tipo de plástico amplamente utilizado na fabricação de sacolas, garrafas e outros recipientes e não é considerado biodegradável.
Ser biodegradável significa que um material pode ser decomposto por microrganismos vivos (como bactérias e fungos) em elementos naturais, como água, dióxido de carbono e biomassa, em um curto período de tempo.
O PEAD, como outros plásticos convencionais, é um polímero sintético que não se biodegrada. Ele é fotodegradável, o que significa que se fragmenta em pedaços menores (microplásticos) sob a exposição à luz ultravioleta (sol), mas não desaparece da natureza. Esses microplásticos persistem no ambiente por séculos, contaminando solos e águas, e entrando na cadeia alimentar. A decomposição de sacolas plásticas de PEAD na natureza pode levar de 200 a 400 anos.

OUTRO LADO
Para o biólogo Thiago Augusto Ortega Pietrobon, consultor em meio ambiente da empresa Ecosuporte, a mudança legislativa criou um cenário contraditório. Em evento na Associação Comercial e de Inovação de Marília, ele explicou que a principal inovação nas sacolas atuais está na origem da matéria-prima — derivada de fontes renováveis, como a cana-de-açúcar, e não do petróleo. “Continua sendo o mesmo polímero, mas a diferença está em como ele foi produzido”, afirmou.
Essa substituição reduz a pegada de carbono, já que a cana absorve CO₂ durante o cultivo. No entanto, o tempo de degradação permanece o mesmo das sacolas convencionais.
Segundo Pietrobon, cabe à Associação Paulista de Supermercados (Apas) corrigir a comunicação equivocada dos supermercados, já que as sacolas não são biodegradáveis. Ele lembra que a versão original da lei previa o uso de sacolas feitas com amido de alimentos, que de fato se degradam rapidamente. No entanto, o custo elevado, a escassez de fornecedores e questões éticas sobre o uso de alimentos dificultaram sua adoção.
O biólogo também esclareceu a diferença entre sacolas de supermercado e sacos de lixo. As primeiras, por entrarem em contato com alimentos, são feitas com plástico ‘virgem’. Já os sacos de lixo utilizam plástico reciclado, no fim do ciclo de vida do material.

“São frequentemente feitos de material reciclado, no último estágio de vida de uma sacola ou outro plástico, quando não há mais viabilidade técnica para outro uso. Além disso, um saco de lixo é geralmente usado para um volume maior de resíduos e por mais tempo do que uma sacola de supermercado, que muitas vezes é descartada com pouco conteúdo”, afirmou o biólogo.
Sobre a possibilidade de reversão da legislação, Pietrobon vê poucas chances, citando o princípio jurídico da vedação do retrocesso ambiental. “Uma vez alcançado determinado nível de proteção, ele não pode ser reduzido por novas leis ou políticas públicas”, afirmou.
Durante o evento na Acim, Pietrobon apresentou às autoridades locais, representantes do comércio e do setor supermercadista dados que apontam os efeitos “imediatos” da medida. Segundo ele, nos primeiros 15 dias de vigência da lei, a cidade deixou de descartar cerca de 2,3 milhões de sacolas no meio ambiente. A expectativa é que, em um ano, a redução chegue a 50 milhões de unidades, o equivalente a 168 toneladas de sacolinhas.
“A legislação promove uma mudança cultural importante, incentivando o uso de sacolas retornáveis e soluções sustentáveis. Estima-se que até 84,4% das sacolas sejam substituídas por opções reutilizáveis, enquanto os 15,6% restantes são feitas com materiais renováveis, capazes de sequestrar até 3,09 toneladas de CO₂ por tonelada produzida”, disse Pietrobon.
A Associação Paulista de Supermercados (Apas) pontua que a iniciativa tem recebido apoio de diversos setores da cidade e é vista como um marco no avanço das políticas ambientais de Marília.
“A Apas entende que mudanças no cotidiano, como a substituição de sacolas plásticas por retornáveis, geram diferentes entendimentos, mas compreende também que é muito importante estimular o uso de alternativas sustentáveis para proteção do meio ambiente”, afirma o diretor da regional de Marília, Sérgio Reis da Silva.
