‘Ciência e sociedade devem caminhar juntas’, diz cientista de Marília

Escolhido em 2023 como um dos cientistas mais influentes do mundo, o professor da Unesp de Marília, Vitor Valenti, tem se dedicado a novos estudos de exercícios cardioprotetores a idosos e do impacto da suplementação de creatina.
As pesquisas, que já trouxeram os olhares da comunidade científica internacional para o que anda sendo desenvolvido na Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), visam aproximar a comunidade além dos portões do campus da universidade paulista.
“A ciência precisa ser explicada de forma clara à população, mostrando sua relevância para o cotidiano”, afirmou o pesquisador. “Ciência e sociedade devem caminhar juntas. Só assim conseguimos superar narrativas negacionistas”, frisou.
Em entrevista ao Marília Notícia, o professor fala sobre o impacto do reconhecimento mundial às suas pesquisas, os atuais investimentos em ciência no país e as consequências da política do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em suas parcerias internacionais.
Vitor Engrácia Valenti é graduado em Fisioterapia, doutor em Ciência, pós-doutorado em Fisiopatologia e livre-docente em Fisiologia. Casado, tem dois filhos, quatro cães. Torcedor do Comercial de Ribeirão Preto, curte a vida além da academia em passeios com a família e treinos de jiu-jitsu.
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MN – O senhor foi considerado um dos cientistas mais influentes do mundo segundo ranking de 2022 de um renomado pesquisador estadunidense. Como esse reconhecimento impactou na visibilidade do trabalho científico desenvolvido pelo senhor?
Vitor Valenti – Esse reconhecimento ampliou significativamente a visibilidade do meu trabalho e da ciência que desenvolvemos em Marília. Mostrou que é possível produzir conhecimento de impacto global a partir de instituições públicas brasileiras. Também abriu portas para colaborações internacionais e deu maior credibilidade aos projetos que coordeno, atraindo jovens pesquisadores interessados em ciência de qualidade
MN – Quais trabalhos foram desenvolvidos para que o senhor tivesse visibilidade neste ranking?
Vitor Valenti – Os trabalhos que mais contribuíram foram aqueles relacionados à saúde cardiovascular e metabólica, com foco nos efeitos do exercício físico, suplementação e estratégias de prevenção de doenças crônicas. Produzimos artigos em revistas de alto impacto, revisões sistemáticas e meta-análises que sintetizam o conhecimento científico disponível e fornecem evidências sólidas para guiar políticas públicas e práticas clínicas.
MN – Quais são suas pesquisas na atualidade?
Vitor Valenti – Atualmente coordeno diversos projetos envolvendo exercício como estratégia cardioprotetora em idosos com doenças cardiovasculares, impacto da suplementação (como creatina, beterraba e outras substâncias) associada ao exercício na saúde metabólica e vascular. Também uso de ferramentas de inteligência artificial para aprimorar revisões sistemáticas e análise de grandes volumes de dados científicos, bem como projetos inovadores em saúde, como o estudo do óleo de cannabis na cicatrização de feridas em animais e marcadores precoces de risco para demência.

MN – O quanto as parcerias com outras instituições, inclusive do exterior, contribuem para o alcance global das pesquisas feitas em Marília?
Vitor Valenti – As parcerias são fundamentais. Trabalhar em rede com instituições brasileiras e internacionais fortalece a qualidade metodológica, amplia o acesso a tecnologias e aumenta a repercussão dos resultados. Essas colaborações colocam Marília e a Unesp no cenário global da ciência, mostrando que a produção local pode dialogar de igual para igual com grandes centros de pesquisa.
MN – Qual estrutura o senhor dispõe hoje para desenvolver suas pesquisas na Unesp de Marília?
Vitor Valenti – Dispomos de uma infraestrutura sólida, que inclui laboratórios equipados para análises cardiovasculares, metabólicas e experimentais, além do apoio de uma equipe multidisciplinar composta por alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Além disso, contamos com a infraestrutura de bibliotecas digitais, acesso a bases de dados internacionais e com a rede de colaboração institucional que fortalece ainda mais os projetos.
MN – Como o senhor avalia o investimento atual em ciência nas instituições públicas no Estado e no país?
Vitor Valenti – Ainda é insuficiente diante das necessidades e do potencial que temos. O Brasil forma cientistas altamente capacitados, mas muitas vezes faltam recursos para transformar boas ideias em soluções aplicáveis. Apesar disso, São Paulo, por meio da Fapesp, é um exemplo positivo de investimento contínuo e estratégico. Acredito que a ciência deveria ser encarada como política de Estado, não apenas como gasto, mas como investimento essencial para o desenvolvimento do país.
MN – Na sua opinião, o quanto a política atual do governo dos EUA afeta o intercâmbio entre cientistas brasileiros e estadunidenses?
Vitor Valenti – O governo Trump tem sido péssimo para o progresso científico em nosso país, pois adota uma postura que dificulta o intercâmbio de pesquisadores brasileiros com instituições norte-americanas. Essa barreira prejudica tanto o Brasil quanto os Estados Unidos, já que muitos cientistas brasileiros de ponta atuam em universidades e centros de pesquisa norte-americanos. Ao restringir essas conexões, os EUA também perdem oportunidades de inovação e cooperação científica de alto nível.

MN – Além do reconhecimento internacional recebido, como o senhor tem motivado o surgimento de novos cientistas entre seus alunos?
Vitor Valenti – Procuro motivar pelo exemplo, mostrando que é possível alcançar reconhecimento global sem sair do Brasil. Estimulo a curiosidade científica, a ética na pesquisa e o trabalho em equipe. Também invisto em treinamentos em escrita científica, metodologia de revisão sistemática e uso de novas tecnologias. Ver alunos conquistando bolsas, publicando artigos e se destacando internacionalmente é uma das maiores recompensas da carreira acadêmica.
MN – O negacionismo científico se enfrenta com fé na ciência?
Vitor Valenti – Mais do que fé, o enfrentamento do negacionismo se dá com educação, transparência e comunicação acessível. A ciência precisa ser explicada de forma clara à população, mostrando sua relevância para o cotidiano. É fundamental combater a desinformação com dados, mas também com empatia, aproximando o cientista da sociedade. Eu acredito que ciência e sociedade devem caminhar juntas, e só assim conseguimos superar narrativas negacionistas.