‘Câncer de próstata é traiçoeiro: sintomas podem aparecer somente em estágio avançado’
Em meio às campanhas de saúde que usam cores e slogans de alerta para a prevenção, o Novembro Azul se destaca. O tema deveria estar na pauta de toda população masculina adulta. Mas vai além, se estende a familiares que são obrigados a, praticamente, “empurrar” seus pais, maridos e irmãos para os consultórios, visando a preservação da vida.
O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais comum entre os homens no Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), com mais de 65 mil novos casos estimados a cada ano.
O Mapa da Mortalidade – ferramenta de tabulação do órgão federal – aponta que nos últimos 20 anos, Marília perdeu 344 vidas somente para o câncer de próstata; são mais de 17 casos por ano, somente em moradores da cidade.
O Inca aponta ainda que pelo menos um em cada nove homens desenvolverá a doença ao longo da vida, com taxa de incidência mais elevada a partir dos 50 anos.
“Quando alguém na família adoece, todos ao redor sofrem”, lembra o médico urologista André Guzzardi, entrevistado da semana pelo Marília Notícia. Aderir ao novembro azul é ser maior que estigmas, é demostrar amor próprio e às pessoas com quem os dias são compartilhados.
O especialista – que é membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e atua no Centro Avançado de Urologia de Marília (CAU) – abriu espaço em sua agenda e recebeu o MN para um bate papo que ajuda a entender o motivo de grande parte dos diagnósticos de câncer de próstata ainda serem tardios.
Confira abaixo a entrevista completa:
Marília Notícia: Doutor, o câncer de próstata é o tema central dessa conversa, mas não é só isso, certo? Gostaria que o senhor começasse falando sobre a questão do cuidado em geral e como isso tem a ver com o câncer de próstata, que é o tema deste mês.
Dr. André Guzzardi: Com certeza. A questão do câncer de próstata é extremamente relevante, até porque é o câncer mais comum em homens, ficando atrás apenas dos cânceres de pele. A incidência é realmente alta, e isso é um fenômeno mundial. Existem fatores de risco, como a genética e, por exemplo, a maior incidência entre homens negros. Mas o ponto fundamental é que vivemos em um país muito grande e diverso, o que faz com que as campanhas de prevenção precisem alcançar a todos, independentemente de classe social, cor ou região. A campanha do câncer de próstata busca levar o homem a fazer uma prevenção regular, já que a única forma de cura é o diagnóstico precoce, ou seja, quando ainda não há sintomas.
MN: Então, além da prevenção ao câncer de próstata, o senhor vê um valor ainda maior na realização desses exames preventivos, certo?
Dr. André Guzzardi: Exatamente. A oportunidade de realizar um exame preventivo permite olhar para a saúde geral do homem. Em muitos casos, é possível diagnosticar pressão alta, diabetes e outras condições que ele talvez não esteja tratando e que, se ignoradas, podem resultar em complicações graves, como infarto ou AVC. Aproveitar o momento da prevenção ao câncer de próstata para verificar essas condições contribui muito para a saúde global do paciente.
MN: E como está o cenário do diagnóstico precoce no Brasil? Os homens têm conseguido acessar esse diagnóstico a tempo?
Dr. André Guzzardi: Houve, sim, um avanço importante. Ainda estamos aquém do ideal, mas, devido às campanhas, especialmente o Novembro Azul, os homens estão se conscientizando cada vez mais. Essas campanhas anuais lembram os homens de que é hora de parar e pensar na própria saúde. A cultura ainda precisa melhorar, pois muitos homens têm certo preconceito ou acreditam que, enquanto não têm sintomas, não precisam ir ao médico. Porém, o câncer de próstata é traiçoeiro: quando os sintomas aparecem, o câncer já pode estar em estágio avançado, o que complica o tratamento.
MN: E para quem está nos lendo agora, doutor, quais são as recomendações de idade e fatores de risco que exigem mais atenção?
Dr. André Guzzardi: O ideal é que a partir dos 40 anos o homem já comece a fazer exames preventivos para saúde cardiovascular e geral. No caso do câncer de próstata, a recomendação da Sociedade Brasileira de Urologia é iniciar aos 50 anos. No entanto, para homens negros ou com histórico familiar direto de câncer de próstata, como pai ou irmão, a recomendação é que iniciem os exames a partir dos 45 anos.
MN: Agora, doutor, o senhor mencionou os homens negros. Em um país como o Brasil, com tanta miscigenação, como orientamos esses casos?
Dr. André Guzzardi: Uma pergunta muito pertinente. Muitos brasileiros têm ascendência mista. Nesses casos, é prudente que o homem se observe. Se ele tem algum ascendente negro, mesmo que distante, já vale a pena ficar mais atento. Isso porque algumas condições, como o câncer de próstata, têm uma maior prevalência em descendentes negros. A mesma lógica se aplica para outros grupos: pessoas de ascendência asiática, hispânica, entre outros, também apresentam predisposições específicas para algumas doenças.
MN: O exame de prevenção ao câncer de próstata começa com o exame de sangue, o PSA? Como funciona?
Dr. André Guzzardi: Isso. O exame mais básico é o PSA, que é uma proteína produzida pela próstata. Quando o câncer de próstata está presente, o nível de PSA se eleva em cerca de 90% dos casos. Mas é importante lembrar que entre 10% e 15% dos homens com câncer de próstata não apresentam elevação no PSA. Por isso, o toque retal é importante, pois complementa o PSA e ajuda a detectar nódulos ou outras anormalidades na próstata.
MN: E os dois exames, então, devem ser feitos juntos?
Dr. André Guzzardi: Sim, eles são complementares. Um pode falhar onde o outro consegue detectar, então a combinação dos dois oferece uma maior segurança no diagnóstico.
MN: Em relação ao acesso à saúde pública, sabemos que há diferenças entre o sistema privado e o Sistema Único de Saúde (SUS). Como está a questão do acesso ao diagnóstico precoce e tratamento do câncer de próstata na saúde pública?
Dr. André Guzzardi: Acredito que o acesso à saúde pública tem evoluído muito. Em nossa região, por exemplo, temos unidades que trabalham apenas com a parte oncológica e contamos com leis que protegem o paciente, como a lei que determina que o tratamento do câncer deve começar em até 60 dias após o diagnóstico. No entanto, há limitações, principalmente quando falamos de técnicas cirúrgicas mais caras, como as que utilizam videolaparoscopia ou robótica. Esses procedimentos são mais comuns na saúde suplementar ou privada, e o SUS tem acesso reduzido a eles. Isso pode interferir no conforto pós-operatório, mas não há comprovação científica de que interfira nos resultados finais.
MN: Falando sobre câncer, as pessoas costumam associá-lo a algo muito grave, mas existem outras doenças do sistema urinário que afetam homens e que nem sempre recebem atenção. É isso mesmo?
Dr. André Guzzardi: Sim. O homem, em geral, não tem a mesma cultura de prevenção que a mulher. Desde jovem, a mulher é incentivada a ir ao ginecologista e a cuidar de sua saúde reprodutiva. O homem, por outro lado, dificilmente vai ao médico até que tenha um problema concreto. Seria ideal que ele fosse orientado desde a adolescência a cuidar da saúde, entender a importância de palpar os testículos e conhecer seu próprio corpo. O câncer de testículo, por exemplo, afeta jovens entre 15 e 25 anos, que raramente fazem consultas preventivas e, por isso, muitas vezes o diagnóstico só ocorre quando a doença já está avançada.
MN: Então, por consequeência, esse contato precoce com a saúde urológica poderia prevenir casos mais graves.
Dr. André Guzzardi: Com certeza. Quanto mais cedo esse contato ocorre, maior a chance de evitar complicações. A orientação para que os jovens palpem os testículos e fiquem atentos a qualquer alteração pode fazer uma grande diferença. Eles precisam saber que qualquer dúvida pode e deve ser compartilhada com os pais, e que é sempre possível consultar um médico para orientações específicas. Infelizmente, a falta dessa cultura de prevenção acaba gerando casos de câncer em estágio avançado, que poderiam ter sido evitados com um simples exame.
MN: Doutor, para finalizar, gostaria de saber se há algo mais que o senhor considera importante ressaltar para quem está lendo essa entrevista durante o Novembro Azul.
Dr. André Guzzardi: Acredito que o Novembro Azul vai além do câncer de próstata. É um convite para o homem cuidar da saúde como um todo. Isso significa investir no básico: alimentação saudável, atividade física, sono de qualidade e saúde mental, que inclui o controle do estresse. Cuidar da saúde não é só ausência de doença; é saber lidar com a vida de forma mais equilibrada. Quando alguém na família adoece, todos ao redor sofrem. Então, cuidar de si mesmo também é um ato de cuidado com os entes queridos.
MN: Excelente, doutor. Muito obrigado por essa conversa rica e esclarecedora.