Camarinha aposta em afrouxamento da lei para ser candidato
Mudança na legislação de improbidade administrativa, promovida pela aliança entre governistas – capitaneada pelo Centrão – e partidos de esquerda, será usada em uma tentativa de reverter a inelegibilidade do ex-deputado e ex-prefeito Abelardo Camarinha (Podemos).
A estratégia é buscar efeito retroativo à lei, sancionada em 2021, para gerar benefício ao cacique político mariliense. Mesma manobra jurídica tem sido utilizada por outros pré-candidatos com a ficha suja, inclusive barrados nas eleições municipais de 2020 – como Abelardo.
A lei 14.230, sancionada em 25 de outubro do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), atende a um “clamor” da classe política para dificultar a punição a ocupantes de cargos públicos.
Antes da mudança, gestores poderiam ser condenados em ação de improbidade administrativa mesmo se não fosse comprovado dolo ou enriquecimento ilícito.
Contratações irregulares, inobservância de procedimentos em licitação, violação a princípios de publicidade, entre outras “pedaladas”, também poderiam gerar inelegibilidade.
Com o novo texto, o Ministério Público fica obrigado a comprovar que o agente político agiu dolosamente, ou seja, com intenção. Caso contrário, sem a prova da vontade do agente em violar as regras do jogo, a Justiça não pode aplicar a pena de suspensão de direitos políticos.
CONTRADIÇÕES
Presidente do Podemos em Marília, partido escolhido pelo ex-juiz Sérgio Moro, Camarinha exibiu neste fim de semana um ofício que teria sido expedido pela Executiva Estadual da sigla. No documento, o ex-prefeito é convidado a concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições de 2022.
A “convocação” do ex-chefe do Poder Executivo de Marília destaca o currículo político, que inclui três mandatos como prefeito, três como deputado estadual e dois como federal. Questionado pelo Marília Notícia, Camarinha confirmou o convite e alegou já estar apto a concorrer – o que não condiz com a realidade.
Indicação do político mariliense, que ainda precisa recorrer à Justiça para tentar reverter inelegibilidade, contrasta com posições que até então tinham sido defendidas pelo principal nome do Podemos, o próprio ex-juiz Sérgio Moro.
No dia 27 de outubro, dois dias após sanção a lei que mudou entendimento sobre sanções para improbidade administrativa, Moro se manifestou no Twitter e criticou o afrouxamento.
Hoje foi publicada a lei que, na prática, acaba com as punições de políticos por improbidade administrativa. As mudanças relatadas por deputado do PT retiram de cena mais um instrumento contra à corrupção. O Presidente da República poderia ter vetado, mas preferiu o retrocesso.
— Sergio Moro (@SF_Moro) October 27, 2021
INELEGIBILIDADES
A reversão de inelegibilidades do ex-deputado Abelardo Camarinha deve superar pelo menos dois processos, um deles na Justiça e outro relacionado à prestação de Contas do período em que foi parlamentar federal, julgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No primeiro caso, o ex-prefeito foi condenado – com sentença em trânsito em julgado – por contratação irregular de servidores na Prefeitura de Marília, durante o segundo mandato, em 2002. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), às vésperas das eleições de 2020, confirmou o esgotamento de recursos e perda dos direitos políticos.
No outro processo – de contas –, Camarinha foi punido depois que um procedimento do TCU comprovou gastos irregulares no uso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), durante os anos de 2011 a 2014.
O então deputado federal contratou despesas no valor de R$ 333.520,00 para prestação de serviços na própria rádio (Rádio Clube de Vera Cruz Ltda.) e acabou condenado pelo Tribunal de Contas da União a ressarcir o erário, em ação que também suspendeu os direitos políticos.
PODEMOS
O MN procurou a coordenação regional do Podemos, para confirmar o convite ao deputado. O coordenador Abner Deluqui Isidoro – de Bauru – não respondeu aos questionamentos. O MN também procurou a Executiva Estadual, mas a legenda não se manifestou.