Busca por imagens na internet pode amplificar viés de gênero
O viés de gênero é mais presente em imagens do que em textos na internet. Para piorar, em um cenário em que se dedica cada vez menos tempo à leitura e mais à visualização de fotos, a pesquisa por imagens pode amplificá-lo, fazendo com que certas profissões sejam mais associadas a um gênero do que a outro.
Isso pode prejudicar tanto homens quanto mulheres, mas sobretudo elas, que são sub-representadas em imagens que aparecem em resultado de buscas.
Os riscos são levantados em estudo publicado na última quarta (14) na revista Nature. O trabalho foi feito por pesquisadores da UC Berkley (Universidade da Califórnia, Berkeley), da UCLA (Universidade Califórnia, Los Angeles), do IPPR (Institute for Public Policy Research) e da empresa Psiphon.
No trabalho, eles explicam que imagens são, geralmente, mais memoráveis e emocionalmente evocativas do que textos. Estes, por sua vez, podem minimizar efeitos do viés de gênero, com uso de terminologias neutras e até mesmo a omissão de referência a gênero (no caso dos textos em inglês).
Para verificar o viés em imagens, os pesquisadores consideraram 3.495 categorias sociais, que poderiam ser profissões, como carpinteiro e advogado, ou mesmo categorias como vizinho e amigo.
Foram, então, coletados os primeiros cem resultados no Google de imagens correspondentes a todas as categorias –cada busca era feita com uma nova conta, sem histórico anterior que pudesse influenciar nos resultados.
Os pesquisadores contrataram 6.392 programadores, todos baseados nos EUA e fluentes em inglês, para fazer a identificação de gênero nas imagens. Em linhas gerais, foi usado o gênero majoritário apontado pelos programadores (que poderiam escolher entre masculino, feminino e não binário).
No estudo, os pesquisadores destacam que o foco não era como as pessoas se identificam em questão de gênero. “Em vez disso, focamos o gênero que os usuários da internet percebem em imagens online”, escrevem.
Em 91% das imagens, a classificação de gênero foi unânime.
Para verificar associações em relação a gênero na escrita, os pesquisadores recorreram a uma base de dados (também relacionada ao Google) contendo mais de 100 bilhões de palavras e se utilizaram de um método que, resumidamente, verifica a frequência em que duas palavras ocorrem em um mesmo texto ou sentença. Em seguida, representaram essas palavras graficamente, sendo que as que apareciam mais próximas ocorriam simultaneamente com mais frequência. Para isso, foram consideradas ainda palavras como “menina”, “menino”, “dela/dele”, “ela/ele”.
Os cientistas conseguiram fazer associações com 2.986 categorias (do total de 3.495).
De acordo com os pesquisadores, os dados baseados em análises de imagens e de texto indicam a frequência de associação das categorias usadas (as citadas mais acima, como vizinho(a), carpinteiro) com gêneros.
Com essas informações, eles fizeram três análises estatísticas.
Primeiro, puderam ver como determinadas categorias sociais são associadas a um gênero em específico em imagens e textos. Depois, viram a representatividade das mulheres, em comparação aos homens, em todas as categorias sociais, tanto em questão de imagens quanto em textos. Por último, houve a comparação das associações de gênero nos dados de imagens e de texto com a representação de mulheres e homens na opinião pública e nos dados do censo dos EUA.
Em linhas gerais, eles verificaram que o viés de gênero está presente tanto em imagens quanto em texto. Mas observaram que o viés para as imagens é consideravelmente maior.
Por exemplo, a partir de uma amostra da pesquisa, viram que em textos há associação forte das profissões de desenvolvedor, comediante e jogador de futebol com o gênero masculino. Em imagens, porém, tal associação é mais extrema.
Ao mesmo tempo, em textos se vê uma associação forte de repórteres de TV, planejadores de eventos e nutricionista com o gênero feminino. Em imagens, a associação se torna muito mais forte.
Observou-se ainda que, em média, as mulheres estão sub-representadas em imagens, em comparação com textos, e que as imagens online têm um viés de gênero significativamente mais forte do que a opinião pública (obtida aqui a partir de mais 2,500 programadores contratados para classificar gêneros e categorias sociais) e em relação aos dados do censo de ocupações dos EUA de 2019.
IMPACTO PSICOLÓGICO
Os pesquisadores ainda buscaram avaliar como os vieses em imagens impactam os internautas.
Para isso, recrutaram uma amostra representativa de pessoas nos EUA -foram 450, das quais 423 acabaram o teste- e pediram a elas que pesquisassem no Google descrições de ocupações relativas a ciência, tecnologia e artes. Os participantes foram divididos, aleatoriamente, para pesquisas em imagens ou texto, e cada um ficou com 22 ocupações também aleatoriamente selecionadas.
Após a busca, os participantes tinham que fazer o upload da descrição das ocupações, em texto ou foto, e apontar, a partir de uma escala, a que gênero a ocupação estava mais associada.
Assim como na análise inicial, os participantes designados para o braço que usou imagens tinham um viés de gênero muito mais relevante em seus uploads de descrição de ocupações.
Um exemplo dado pelos pesquisadores foi o de “modelos”, uma categoria que, no grupo de participantes do braço direcionado a texto, tendeu mais para o feminino. Entre os participantes no braço de imagem, porém, a intensidade dessa classificação associada a mulheres quase dobrou.
“A crescente centralidade do conteúdo visual em nossa dieta diária de informações pode agravar o viés de gênero ao amplificar sua presença digital e aprofundar seu enraizamento psicológico. Espera-se que esse problema afete o bem-estar, o status social e as oportunidades econômicas não apenas das mulheres, que são sistematicamente sub-representadas em imagens online, mas também dos homens em categorias associadas a atividades de cuidado”, alertam os cientistas.
POR PHILLIPPE WATANABE