‘Biciclonauta’ que partiu de Marília retorna após 20 mil km
Foi no final de 2016 que Gabriel e Enri deixaram Marília rumo a maior aventura de seus então menos de 30 anos.
Atualmente, uma série documental com imagens e histórias épicas registradas durante a jornada que se iniciou há mais de quatro anos está em fase de pós-produção por uma equipe de Salvador (BA).
A grande maioria das pessoas passará a vida toda sem experimentar nada parecido com a intensa loucura em que eles se meteram ao percorrerem mais de 20 mil quilômetros de bicicleta pela América do Sul.
São instigantes as memórias eternizadas em fotos e vídeos com detalhes sobre culturas distintas – mas conectadas – e paisagens permeadas pela cordilheira dos Andes em todos os países por onde ela passa.
Gastando muito pouco, quase nada, eles ficaram em praias paradisíacas em quase todas as nações visitadas, dormiram em desertos, selvas, acampamentos, casas de famílias, imóveis abandonados e muitos outros lugares inimagináveis para o cidadão ‘comum’.
Sobreviveram com poucos recursos e muitas vezes trocando trabalho por abrigo ou alimento. A aventura durou cerca de dois anos nas estradas – mais de 700 dias – pelo Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia até recomeçar de outra forma.
Após uma pausa de aproximadamente um ano e meio na Chapada Diamantina, na Bahia, para a construção de um refugio ecológico destinado a receber outros viajantes, Gabriel voltou ao solo mariliense para rever alguns de seus familiares.
O regresso ao ponto de partida aconteceu recentemente – mas antes do agravamento da pandemia – após pouco mais de quatro anos. Entre um compromisso e outro, Gabriel aproveitou para conversar com a reportagem do Marília Notícia.
Ele tem raízes marilienses, como os avós que vivem na cidade, mas é baiano, de Senhor do Bonfim.
Já Enri, que não participou da entrevista, mas a todo tempo foi citado por Gabriel, é de Tupã, onde vivem seus pais. Ambos se conheceram em Marília, onde planejaram o percurso – que não foi seguido nada à risca e, em muitos momentos, aboliu qualquer roteiro.
Enri também foi “chave-mestra” para a construção do abrigo para viajantes erguido por ambos na Bahia, com as próprias mãos. O projeto foi sonhado durante as infindáveis horas de pedaladas.
“Eu estava perdido, me sentindo frustrado com a dificuldade para ganhar dinheiro e me manter como fotógrafo, que considero minha profissão, tanto em Marília, quanto antes, em Salvador. Entrei nessa viagem com o Enri para me encontrar”, conta Gabriel.
Na entrevista diluída nesta matéria o baiano autonomeado ‘biciclonauta’ fez um resumo do trajeto vivido sobre as “magrelas” e destacou os momentos mais impactantes.
A história envolve situações incríveis, como uma conversa exclusiva, de aproximadamente meia hora, devidamente gravada em vídeo, com uma das principais lideranças políticas no âmbito progressista da América do Sul: Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai.
A narrativa dos biciclonautas também é permeada por ‘causos’ e ‘perrengues’ que lembram o realismo fantástico do colombiano García Márquez.
E não deixam de ser retratadas no relato e nos registros audiovisuais as contradições históricas, vistas a olhos nus e captados por lentes, em uma espécie de síntese do que foi desembocar “As Veias Abertas da América Latina”.
Este é o nome da obra mais famosa do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano – livro carregado a tiracolo por Gabriel durante a aventura.
Houve inclusive momentos intensos de integração com os remanescentes dos povos ancestrais latinoamericanos.
Um exemplo é quando eles foram acolhidos por uma família Quéchua – herdeiros culturais da tradição Inca – sem conseguir trocar uma palavra sequer, em busca de abrigo no meio de uma montanha a menos de 0ºC durante a noite.
Mas nem tudo são flores e experiências baseadas na mais autêntica solidariedade e empatia entre os povos que dividem o mesmo continente.
A dupla de aventureiros também conheceu o lado nada agradável de alguns de nossos vizinhos, como quando teve todo o equipamento de filmagem furtado na Argentina, por um colombiano, em uma história com desfecho inacreditável.
Partida
“No início a gente não fazia nem 30 quilômetros por dia. Estávamos muito pesados, com muito apego a muita coisa que fomos deixando pelo caminho. No começo fizemos umas carretinhas, puxadas pelas bicicletas, mas eram muito instáveis, tinham muito arrasto”, começa Gabriel.
Eles se despediram dos amigos marilienses no dia 21 de novembro e logo nos primeiros 300 quilômetros desistiram das pequenas carretas. A solução foi transformá-las em alforjes – espécie de maleiros – afixados nas laterais, paralelamente às rodas.
“Saímos de Marília e em Brotas nós tivemos que dar um jeito. Ficamos acampados três dias na oficina de um mecânico que nos ajudou muito, emprestou ferramentas. Depois disso, a viagem deslanchou, mas ainda estava pesado”, relembra o viajante.
Eles passaram a fazer entre 40 e 50 quilômetros por dia e logo chegaram ao litoral Sul do Estado de São Paulo, quase sempre acampando nas margens das estradas – e em praias, a partir de então.
“Ilha Comprida, Cananéia e cruzamos para o Paraná. Descemos por Matinhos e o litoral paranaense é curtinho, então passamos rapidamente. Depois, cruzamos para Santa Catarina, fizemos o litoral todinho, de Norte a Sul daquele Estado, passamos por Floripa, Bombinhas, Bombas, Camboriú”, detalha.
Em menos de 90 dias após a saída de Marília eles já tinham chegado ao Rio Grande do Sul e percorrido o litoral gaucho todo, até desembocar na fronteira uruguaia pelo Chuí.
“No Uruguai fomos curtindo, com calma. Tem várias praias, muito lindas. Conhecemos desde Punta Del Diablo, La Pedreira, La Paloma, Colonia Del Sacrametro, Montevidéu, em que ficamos na área rural, perto da casa do ex-presidente Pepe Mujica”, relata Gabriel.
Alguns conhecidos disseram para eles que o ex-presidente uruguaio gostava de “receber viajantes para trocar ideia”. Foi o suficiente para que se deslocassem ao endereço facilmente descoberto, convictos de que teriam aquela conversa. E tiveram.
“Fomos até lá e falamos com o segurança. Esperamos por duas horas, das 7h às 9h, e Pepe nos recebeu na guarita. Conversamos com ele por meia hora e gravamos. Foi irado. Ele aproveitou para poder fumar tabaco, pois a mulher dele não deixa que ele fume mais. Ele fala que vai conversar com o pessoal e aproveitava para fumar”, relembra o biciclonauta.
“Falamos sobre a vida e me lembro de uma frase que marcou muito: ‘a vida não é só para trabalhar, mas para investir nos amigos e na família. Não é só correr atrás do dinheiro para pagar contas. Você não gasta dinheiro no supermercado, gasta tempo de vida. E tempo de vida você não compra em lugar nenhum’”, repetiu.
Para o fotógrafo, aquele foi um dos pontos altos da viagem, junto com a passagem pela região dos Lagos Chilenos, a vivência em Bariloche, a estadia em La Paz, a passagem pelo Cierro de lós Siete Colores em San Salvador de Jujuy no norte da Argentina ou pelo boliviano Salar de Uyuni, também chamado de Deserto de Sal. Sem falar do litoral caribenho ou a própria experiência inesquecível de ter conhecido a cordilheira em diversos pontos. “Foi épico”, exclama.
Perrengue
Quando a dupla se preparava para deixar o Uruguai, foi iniciada uma nova fase na viagem, marcada por alguns ‘perrengues’ que fariam qualquer um desistir e dar um jeito de voltar para o aconchego do lar.
Ao tentar entrar na Argentina, Gabriel percebeu que havia perdido seu RG, sem o qual não poderia acessar o país vizinho.
A única solução encontrada foi voltar até a fronteira com o Rio Grande do Sul, para tirar um novo documento. O trecho foi feito de carona com caminhoneiros, para ganhar tempo.
“Achei que seria rápido depois de voltar para o Brasil, mas fiquei um mês esperando chegar o RG novo em um albergue para moradores de rua, na fronteira gaucha, enquanto o Enri estava em Buenos Aires, me esperando na casa de um suposto amigo”, relata.
A dupla achou mais seguro que Enri ficasse em posse das bicicletas e do equipamento de filmagem na casa de uma pessoa que eles conheceram por meio de um amigo em comum na capital argentina.
Antes de Gabriel voltar até lá, no entanto, a residência foi supostamente invadida por ladrões, que teriam furtado computador, câmeras, lentes, cartões de memória e outros equipamentos. O crime aconteceu enquanto Enri estava no centro de Buenos Aires vendendo artesanato para tentar ganhar alguns pesos.
Apesar da boa encenação, a dupla acabou descobrindo que o próprio anfitrião havia furtado o material.
Depois de denunciar o crime em páginas de redes sociais, enquanto já tinham seguido viagem, os biciclonautas foram informados de que havia uma câmera muito parecida com a de Gabriel sendo vendida na internet.
“Quando a gente estava em Rosário, onde está enterrado Che Guevara, recebemos umas mensagens. Era um cara dizendo que outra pessoa estava vendendo uma câmera na internet idêntica com a minha. Também soubemos que havia alguém tentando vender a câmera no metrô”, comenta.
De acordo com Gabriel, a mesma pessoa que o avisou sobre a câmera, entrou em contato com o ladrão e disse que se não fosse feita a devolução, seria feita uma denúncia formal à polícia.
“No mesmo dia o autor do furto, que havia nos dado abrigo em Buenos Aires, me mandou mensagem, dizendo que havia conseguido recuperar a câmera supostamente em uma casa de penhores. Tudo mentira. Voltei até lá e nos encontramos em uma estação de trem. Eu prometi o dinheiro para ele, mas na hora que peguei a câmera, contei que já sabia de tudo, que ele era o ladrão”, fala Gabriel.
Apesar de ter recuperado a câmera, ainda faltava um notebook que havia desaparecido. Somente quando os viajantes estavam em Córdoba, o mesmo criminoso entrou em contato com eles para dizer que havia se arrependido e também devolveria o computador portátil.
“Ele entregou o notebook para um amigo nosso, que levou para a agente por cerca 400 quilômetros. Uma chance em um milhão”, gargalha o aventureiro ao relembra a história improvável.
O frio
A esta altura, já havia passado cerca de sete meses desde que a dupla havia deixado Marília. De Córdoba, eles seguiram para Mendonza, onde ficaram um mês na casa de uma amiga chamada Paula e seus pais, “engordando para subir a cordilheira”.
Eles então decidiram cruzar a cadeia de montanhas até o Chile. “Foram três dias subindo e 20 minutos descendo ‘los caracoles’. Chegamos em Los Andes e seguimos até Viña Del Mar e Valparaíso, onde ficamos na casa de amigos de outros amigos, que conhecemos na Argentina”, detalha.
Após alcançar o litoral chileno, Gabriel e Enri rumaram ao Sul, até Villa Rica, já na Região dos Lagos. “Fomos pela ruta 5, que não tem altos e baixos, é plana. Descemos até Osorno, na divisa com a Argentina. Muito frio. Chegamos em Bariloche e ficamos na Casa Ciclista um mês”.
Ele conta que se hospedou “ao lado do lago Nahuel Huapi, conhecendo as histórias do Sul do Chile e da Argentina, aprendendo sobre os povos tradicionais, a cultura Mapuche, que assim como os povos tradicionais no Brasil, está sendo dizimado”.
Era verão em Bariloche e os termômetros marcavam 2ºC. O frio intenso e a falta de barracas, sacos de dormir e roupas para enfrentar o vento cortante, fez os ciclistas desistirem de chegar até Ushuaia, chamada de ‘fin del mondo’ por ser a cidade mais austral do globo.
“Voltamos para Mendonza, onde ficamos novamente na casa da Paula e fomos subindo por vários estados argentinos até a região de Salta, na fronteira com a Bolívia. A altitude foi aumentando e para nos adaptarmos, adotamos a folha de coca”, descreve.
Tanto a folha in natura, quanto o chá da planta são oferecidos para viajantes se adaptarem ao chamado “mal das alturas”. Os povos dos países andinos também consomem a folha de coca de ambas as formas culturalmente.
Bolívia e Peru
Do Norte da Argentina, eles pedalaram até as bolivianas Oruru e Uyuni, onde fica o fascinante deserto de sal, uma das paisagens mais intrigantes do mundo, que parece estar localizada em outro planeta ou dimensão.
O chão das planícies alagáveis com água de degelo é formado de sal resultante da evaporação do mar que chegava até ali milhares de anos atrás.
Hoje, a água que escorre das montanhas sobre o solo de sal forma espelhos extraordinários. Gabriel e Enri acamparam naquele local, longe de tudo e todos com uma vista única da via láctea acima deles.
“Do Salar rumamos para La Paz, que me impressionou muito, e depois seguimos para Copacabana, na borda do lago Titicaca, o lago navegável mais alto do mundo, gigantesco, uma espécie de bacia em cima das montanhas”, descreve.
De Copabacana, a dupla continuou nas margens do lago sagrado até a fronteira com o Peru e alcançou a cidade de Puno, também na borda do Titicaca. Em seguida, os viajantes se deslocaram até a antiga capital do Império Inca, Cuzco.
“Dali fomos para a Amazônia peruana, percorremos um pequeno trecho, estivemos em Quillabamba, mas fomos aconselhados a mudar de rota. Os próprios peruanos nos aconselharam a não descer mais, porque com certeza tinha produção de coca por ali, narcotraficantes, gente barra pesada”, comenta Gabriel.
“Foi em uma dessas montanhas que chegamos ao ponto mais alto de nossa viagem, quase 4,8 mil metros acima do nível do mar. Já estávamos treinados com a altura, mas foi muito puxado. Eu gritava no guidão: ‘não vai chegar nunca, porra’. Mas se tornou muito gratificante e depois foi descida o tempo todo até a praia”, revive o baiano, enfático.
Com a mudança de rumo para evitar o contato com produtores de cocaína, os biciclonautas decidiram conhecer a costa peruana. Eles passaram por Pisco e acessaram a estrada Panamericana, com quase 2 mil quilômetros de vista para o Pacífico.
“Foram paisagens muito bonitas, mas com uma água muito gelada e a areia escura. Então a gente só foi entrar no mar quase na fronteira com o Equador, onde fica mais quente e as praias começam a ficar paradisíacas, com aquela cara tropical”, detalhou.
Colômbia e Equador
A dupla pedalou então por cidades como Quayaquil e Quito antes de voltar para as montanhas. “Quito me impressionou muito, uma cidade desenvolvida, estruturada e rodeada de vulcões nas proximidades. A maioria dos vulcões dormindo, mas a qualquer momento podem despertar”, disse.
A dupla classifica o Equador como um país pequeno, por isso foi rapidamente cruzado até o Sul da Colômbia, onde se hospedaram em uma cidade chamada Pasto.
“Fomos recebidos por uma senhora, a mãe de um amigo viajante. Nos abraçou como filhos e ficamos um mês na cada dela. Os colombianos são um povo extremamente receptivo, como o brasileiro”, comenta o entrevistado.
“Dona Socorro não deixava a gente nem lavar louça. Preparava nossa comida, saia para trabalhar e deixava tudo pronto para a gente”, recorda Gabriel.
Ali eles finalmente descansaram de verdade, depois de muito tempo sem saber o que era um lar.
“Só estávamos acampando e dormindo em casas abandonadas. Aprendemos a ocupar o que estava desocupado. Ficamos ‘de cara’ com a quantidade de casas abandonadas. Tanta casa sem gente e tanta gente sem casa”, analisa o observador.
“De carro você não vê certas coisas. De bicicleta você vê as ‘Veias Abertas da América Latina’”, completa.
De Pasto os ciclistas seguiram para Bogotá, classificada como “uma cidade perfeita para andar de bicicleta, com ciclovias por toda parte, com uma cultura da bike muito forte”.
Ali, um dos muitos grupos de ciclistas dizia para eles que “o veículo do futuro chegou faz tempo”. A bicicleta.
“Em Bogotá tivemos muito contato com a ‘Massa Crítica’, uma rede sulamericana de ciclistas, que promovem atos, protestos e uma vez por mês e param o trânsito da cidade. Também tivemos contato com eles em Buenos Aires e Montevidéu”.
Da capital, a dupla passou por Medelin, chegou até o caribe colombiano e foi até próximo do Panamá.
“Dali não tinha mais estrada. Ou era de barco, avião ou navio para continuar subindo. Dizem que é até assim para segurar os sulamericanos que querem continuar seguindo até o México para chegar nos Estados Unidos”, declara o fotógrafo.
Eles pedalaram até as famosas praias de Cartagena, Barranquilla e Santa Marta, consideradas “maravilhosas”. “Melhor mar para tomar banho, mesmo depois de ter passado por tanto mar, no Uruguai, Argentina, Peru, Chile. Ali estava no nível do Nordeste brasileiro”.
Após uma semana acampados em Playa Blanca, no Caribe, pescando com os pescadores e fazendo fogueira, Gabriel teve mais um deslumbramento. “Ali eu vi os plânctons durante a noite, tomei banho nú naquele mar cristalino com os plânctons brilhando. Foi lindo”.
Retorno ao Brasil
O plano seguinte dos ciclistas era conhecer a Venezuela, mas a pressão das famílias, com medo da situação de crise econômica e política falou mais alto. Com a ajuda financeira dos pais, eles então pegaram um ônibus de volta até Bogotá e embarcaram em um avião para o Brasil.
“Voltar tão rápido depois de tanto tempo, foi estranho. Sem aquela mudança gradual de paisagem, vegetação, clima. Sobrevoamos a Amazônia, rio Amazonas, uma mar verde com seus rios. Levamos as bikes no avião e descemos em Letícia, na Colômbia, para cruzar até o lado brasileiro”, comenta.
Da fronteira até Manaus foram seis dias de barco, com as bicicletas junto. Cerca de 400 pessoas na embarcação, dormindo em redes com café da manhã, almoço e janta sendo servidos.
“Descemos em Manaus e já pegamos outro barco para Santarém, mais um dia e meio navegando. Não tínhamos dinheiro, então conversamos com o responsável e viajamos a troco de nosso trabalho, carregando frutas, verduras, eletrodomésticos, em vários portos fluviais”.
Quando os aventureiros achavam que os trajetos mais difíceis já estavam superados, eles se depararam então com 800 quilômetros de puro barro na Transamazônica. “Foi muita carona na caçamba de caminhão, pois não tinha condições de pedalar”.
Após tantos quilômetros juntos, Henri e Gabriel se separaram temporariamente no Maranhão. “Decidimos que cada uma seguiria seu caminho, até nos encontrarmos na Bahia novamente”.
Gabriel se apaixonou por uma uruguaia que já havia cruzado o caminho deles duas vezes enquanto viajava de mochila nas costas, até que a jovem decidiu seguir sobre rodas com o baiano.
O casal se formou no Pará e pedalou pelo Piaui até que chegou no Ceará. Quando eles estavam em Canoa Quebrada, foram surpreendidos com a notícia de que ela estava grávida.
“A viagem acabou ali. Não dava para continuar pedalando, então vendi a bicicleta que me acompanhou tanto tempo. Seguimos até Nosso Senhor do Bonfim, na casa do meu pai, de carona. Foram mais de mil quilômetros”, descreve.
Após um breve tempo estabelecidos, cerca de três meses, o baiano e a uruguaia se dirigiram até a Chapada Diamantina para começar a construção de uma casa ecológica, com sacos de terra.
Foi no trajeto, bastante acidentado, que aconteceu uma tragédia: a jovem sofreu um aborto espontâneo. “Foi terrível. Esse sofrimento poderia ter nos unido, mas aconteceu o contrário. Após o trauma, nós tentamos, mas não deu certo”.
Apesar do desfecho triste, Gabriel não desistiu de construir sua casa com as próprias mãos, com o objetivo de receber viajantes de todo o mundo em uma das localidades mais lindas do Brasil.
Em Montevidéu eles já haviam trabalhado com bioconstrução em troca de um lugar para dormir.
Enri, que trabalha com madeira, fazendo deques, bancos e outras mobílias, depois de três meses com seus pais em Tupã, se reencontrou com o parceiro de viagens para a realização de mais um sonho. “Hoje estou com dois viajantes da Argentina e minha vida é essa”.
Juntos, ambos ergueram a chamada “Casa de Chaskis”, em homenagem aos mensageiros Incas, que percorriam dezenas de quilômetros pelas estradas do antigo império para transportar mensagens. “Nós levamos a mensagem da bicicleta, da sustentabilidade, da paz e do amor”.