Baterista amputado consegue próteses com ‘vaquinha’
Jésus Alecrim, de 31 anos, leva a bateria sem ajuda para ensaios e shows. Monta e desmonta o instrumento. Afina, passa o som. Segue a rotina de um músico sem dificuldades, mas difere de outros bateristas por não ter as mãos e parte das duas pernas. Com menos de dois meses de vida, ele teve os membros amputados após ter uma infecção. Foi também em menos de dois meses que, por meio de uma campanha na internet, conseguiu reunir mais de R$ 70 mil para fazer a troca das próteses que usa nas pernas desde os 15 anos.
A vaquinha virtual teve início em outubro, foi encerrada em dezembro e, desde o último final de semana, ele está usando as novas próteses.
Profissional da área administrativa e baterista, Jésus Marcos Pinto de Alecrim nasceu em 20 de dezembro de 1986 sem complicações. Quatro dias depois do nascimento, manchas em seu corpo preocuparam a sua família, mas nada foi diagnosticado em sua cidade, Capelinha (MG). Ele foi levado para Belo Horizonte, onde médicos constataram que ele estava com infecção generalizada. “Não tinha dois meses de idade quando houve a necessidade de amputação das duas mãos e das duas pernas abaixo do joelho.”
Mesmo assim, Alecrim conta que cresceu recebendo o mesmo tratamento dos outros quatro irmãos. “Minha infância foi tranquila. Meus pais me deixavam à vontade e não me limitavam.” Na adolescência, dois de seus irmãos montaram uma banda chamada Perímetro Urbano para tocar pop rock nacional e internacional. Só que o grupo não tinha um baterista.
“Comecei a ter curiosidade sobre o instrumento. Meus irmãos são autodidatas e não tinha tanta coisa na internet na época. Comecei ouvindo fita cassete e tentando acompanhar. Foi um processo longo para eu aprender a tocar, porque sempre tentei chegar ao melhor possível, querendo tocar como profissional. Eu mesmo criei as baquetas adaptadas”, relembra. Couro, tubo de linha de costura, arruelas de aço estão entre os materiais que usou para criar o suporte que encaixa nos antebraços para colocar as baquetas.
Ele passou menos de um ano no projeto com os irmãos, porém, não deixou de tocar – agora, é baterista de uma banda chamada Seu Aurélio. “A gente toca pop rock. Gosto de Pink Floyd, Dire Straits, Jota Quest, U2, Biquini Cavadão, Charlie Brown Jr, Guilherme Arantes. Gosto de músicas boas.”
O músico conta que, por causa de sua independência, algumas pessoas não notam a falta dos membros. “Quando vou tocar, as pessoas nem sabem. Já aconteceu de eu passar o som e as pessoas verem depois que sou deficiente. Algumas nem acreditam que era eu que estava tocando.”
Campanha
As próteses que ele usava nas pernas foram obtidas com ajuda da família. “Até os 15 anos, andava de joelhos com o sapato virado para trás. Mas sempre tentei viver da melhor forma. Se a pessoa reclama demais, cria mais problemas.”
Embora evite se preocupar com as dificuldades, Alecrim percebeu que as próteses precisavam ser trocadas e se deparou com a situação de não ter condições de comprar novas. Foi quando uma rede de ajuda teve início. “Uma empresa chamada Estrela Filmes me presenteou com um documentário contando a minha história para eu tentar arrecadar fundos. Eu encaminhei para a Batera Clube (loja especializada no instrumento) para compartilhar.” Um vídeo foi publicado na página do Facebook da loja no começo de novembro e teve quase 5 mil compartilhamentos.
A mobilização no site Vakinha teve início em 23 de outubro com a meta de alcançar R$ 50 mil em doações e, no dia 7 de dezembro, Alecrim encerrou a campanha – ela estava prevista para acabar em 31 de janeiro. Ele arrecadou R$ 73.407,90.
“Encerrei, porque já alcancei a meta. Vou usar o dinheiro para a manutenção da prótese, porque ela é muito cara e tem partes que precisam ser trocadas. Também para o tratamento, fisioterapia.”
Diretor-executivo da Estrela Filmes, Gidson Estrela Ramos, de 37 anos, diz que se sensibilizou com a história do músico e resolveu ajudá-lo com a produção do vídeo. Ele não esconde a felicidade pelo fato de Alecrim ter conseguido bater a meta.
“Quanto mais a gente conhece a história dele, mais a gente fica apaixonado. Realização é uma palavra muito vazia para esse momento. Todo esse desfecho é como se a gente estivesse sem as pernas e ganhasse as pernas. Não sei a palavra certa para usar. O alívio dele é nosso também.”
Casado há dois anos e pai de um menino de 4 meses chamado Emanuel, Alecrim diz que o processo com a nova prótese foi em etapas. Primeiro, ele usou um modelo provisório e, depois, as definitivas. “Estou me adaptando, mas elas são muito diferentes, bem melhores. Mudou tudo, desde o pé até o encaixe. Estou fazendo fisioterapia para fortalecer as pernas. Foi uma mudança geral de vida. Pelas próteses e pela oportunidade de conhecer várias pessoas.”
O baterista conta que consegue desenvolver suas atividades sem problemas, mas tem o desejo de desenvolver uma habilidade. “Ainda vou aprender a nadar. Aprender deve ser muito bom, né? Chegar e pular na água sem medo”, diverte-se.