Baixa vacinação infantil gera consequências aos pais
Os baixos índices de cobertura de vacinas do calendário infantil, apresentados em 2022 pelo município de Marília, vêm preocupando profissionais de diversas áreas.
No ano passado, de acordo com informações da Secretaria Municipal da Saúde e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DataSus), a cidade vacinou – em média – um público abaixo do patamar ideal de 95% definido pelo Ministério da Saúde.
Apesar da porcentagem almejada variar de acordo com cada imunizante, de acordo com o fisiopatologista, pesquisador e docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp) campus Marília, Vitor Engracia Valenti, no geral são esperadas coberturas acima dos 80% para evitar que as doenças circulem.
“Dois exemplos de doenças que foram erradicadas por vacinação é a poliomielite e a varíola. O sarampo acabou voltando nos últimos anos em diversas regiões do país. Se não vacinar, essa doença pode se tornar uma pandemia. Desde a década de 80, o sarampo já conseguia se transmitir tanto quanto a Covid, pensando na variante ômicron”, explica o professor.
Em 2022, o índice de vacinação da tetraviral, que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela – mais conhecida como catapora – ficou em 30,9%. A alternativa, que seria a combinação da trípliceviral com a varicela, também apresenta falhas por parte dos pais e responsáveis.
Apesar da tríplice, em sua primeira dose – aplicada aos 12 meses – ter alcançado uma boa cobertura, com 90,42%, o número cai drasticamente na segunda aplicação – aos 15 meses, ao atingir apenas 55,46% dos bebês.
“Estamos percebendo bastante resistência por parte da população com os imunizantes. Voltam a circular nas redes sociais fake news contra vacinas, influenciando negativamente os pais fragilizados, que ficam com medo e angústia. Precisamos acolher essas pessoas para que entendam a importância da vacinação”, analisa a médica infectologista Luciana Sgarbi.
O caso da imunização contra a Hepatite B para crianças de até 30 dias também apresentou baixa significativa em relação ao mínimo necessário. A taxa do ano passado ficou em 69,44%, sendo que a média preconizada pelo Ministério da Saúde também é de 95%.
A cobertura da febre amarela ficou em 68,76%, da pneumocócica em 87,45 (para menores de um ano) e em 75,41% para a idade completa), e do rotavírus humano em 86,19%. Obtiveram bons índices a BCG, contra tuberculose, com 99,42%, e a meningococo C em 90,38%.
POLIOMIELITE
Na última semana, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, fez um alerta para o perigo da reintrodução de casos de poliomielite no Brasil após 33 anos sem novos contágios.
Em Marília, as doses para menores de um ano atingiram somente 83,25%. Para diferentes públicos, outras aplicações do mesmo imunizante atingiram os patamares de 75,85% e 96,90%.
“No Brasil, nós temos o melhor programa de vacinação do mundo, que foi criado há 50 anos. Com o tempo, ele foi evoluindo, adquirindo mais vacinas e ampliando faixas etárias. Isso sempre foi um motivo de orgulho nacional, mas, de uns anos para cá, a baixa adesão das vacinas por parte da população vem se tornando um problema”, declara Sgarbi.
Já o pesquisador Valenti garante que as coberturas vacinais inferiores ao patamar desejado criam altas possibilidades de que doenças fujam do controle novamente. “É essencial que os pais cumpram o calendário das vacinas obrigatórias pelo SUS, principalmente para os recém-nascidos e crianças em seus primeiros meses e anos de vida. Só assim será possível garantir que não haja novas epidemias ou pandemias, além de manter o status de erradicação”, explica.
“O que a gente percebe é que todo mundo critica, mas as pessoas não estão fazendo as suas tarefas de casa. Os pais, além de cumprirem com suas obrigações, não podem, por exemplo, enviar a criança doente para a escola, com risco de passar para os outros alunos. Os profissionais da saúde, em todos os âmbitos, também precisam pegar a responsabilidade para si. É preciso haver a conscientização também com ajuda das políticas governamentais. É uma divisão de tarefas”, finaliza a infectologista.
COVID
Os últimos dados enviados pela pasta da Saúde do município, a pedido da reportagem do Marília Notícia, sobre a imunização de crianças contra a Covid-19, estão muito abaixo do ideal.
Apenas 14% dos bebês de seis meses a dois anos receberam a vacina em Marília. O índice para crianças de três a quatro anos ficou em 32,72%.
O melhor número foi registrado para o público de cinco a 11 anos, com 88,14% de cobertura vacinal.
RESPONSABILIZAÇÃO
A legislação brasileira, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), garante ser “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”
Ao encontro deste entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no recurso extraordinário com agravo nº 1.267.879/SP que “é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou município, com base em consenso médico-científico.”
O advogado especialista em Direito Médico e Hospitalar, Lucas Kemp Dantas, afirma que pais e responsáveis devem vacinar crianças e adolescentes independente de convicções filosóficas ou religiosas. “Os interesses coletivos e o princípio do melhor interesse da criança prevalecem sobre essas convicções”, explica o especialista.
Ainda de acordo com o advogado, o descumprimento deste dever pode levar a duras consequências, começando pela aplicação de multa através de determinação do artigo 249 do ECA.
“Caso sejam orientados a vacinar seus filhos pelo Conselho Tutelar ou pelo Ministério Público e não o façam, os pais podem, ainda, responder pela prática do crime de descumprir determinação do Poder Público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, que tem como pena a detenção de um mês a um ano, além da multa”, declara Dantas.
“Há quem entenda que os pais podem, inclusive, responder por lesão corporal ou homicídio, caso as condutas positivas – ou seja, suas ações – ou negativas, as omissões causem tais resultados”, finaliza.