‘As pessoas passaram a ser seu próprio veículo de comunicação’, diz Fernando Garcia
O jornalista e ecologista Fernando Garcia nasceu em Garça, em uma família de origem humilde. Cresceu na Vila Rebelo, próximo do popular “Buracão”, em uma área considerada carente da cidade. Seus pais trabalharam no comércio e mais tarde se tornaram funcionários públicos.
Fernando se formou em escolas públicas e conviveu com colegas de origens igualmente humildes na periferia. Desde cedo, a comunicação parecia ser um talento natural. Mesmo enquanto estudava mecânica na atual Escola Técnica Estadual (Etec) Monsenhor Antônio Magliano, conhecida na época como CEI, se destacava montando jornais em cada ambiente por onde passava. Foi nesse período que criou o jornal “O Tagarela”.
A escolha da carreira, porém, não foi óbvia. Na época do vestibular, Fernando estava dividido entre seguir a agronomia, um campo pelo qual tinha grande interesse, especialmente em relação à produção, sustentabilidade e segurança alimentar que, na época, ainda não eram chamados por estes termos modernos. Entretanto, foi a mãe de Fernando que o incentivou a seguir a comunicação, observando o seu talento nato para o jornalismo.
Fernando Garcia ingressou na Universidade de Marília (Unimar), onde fez parte da terceira turma do curso de Jornalismo. Ele trabalhou em rádios de Marília no início da carreira e também foi assessor de imprensa, até ingressar na TV Record, onde trabalha há 21 anos como repórter.
O jornalista nunca deixou de lado a paixão pela agricultura e há alguns anos, com a ajuda de outros três voluntários, criou o projeto Doce Futuro e Agrofloresta, que cuidam de uma área pública no bairro Maracá, zona norte de Marília. Pesquisas científicas estão sendo realizadas no espaço, com a criação de abelhas e até mesmo reintrodução de espécie que já havia sido extinta no Estado de São Paulo.
Garcia plantou mais de duas mil árvores e é um dos responsáveis pelos cuidados no local, até mesmo no combate a incêndios criminosos registrados no local. Uma horta é desenvolvida no lote, o que garante doações para pessoas da comunidade e também para entidades assistenciais de Marília.
Apesar das multitarefas diárias, Fernando Garcia encontrou tempo para um bate-papo, onde vai contar um pouco da sua história na Entrevista da Semana do Marília Notícia.
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MN – Como foi sua infância em Garça?
Fernando Garcia – Eu nasci em Garça, em 1977, em uma família muito pobre. Eu morava na Vila Rebelo, perto do conhecido “Buracão”. Eu tive uma infância muito pobre e meus pais foram estudar depois de já casados, com os filhos praticamente criados. Eles trabalhavam no comércio e depois se tornaram funcionários públicos. Foi quando a nossa condição melhorou um pouquinho. Mas eu estudei [mesmo assim] 100% em escola pública. Sempre estudando com as crianças mais pobres.
MN – Como surgiu seu interesse pelo jornalismo?
Fernando Garcia – Por onde eu passei, sempre montei um jornal. Fui fazer mecânica no CEI e montei um jornal que chamava “O Tagarela”. Fazia um jornal da sala, jornal mural. Quando chegou a época de fazer vestibular, eu estava muito em dúvida, mas muito mesmo.
MN – O que você pensava?
Fernando Garcia – Queria fazer agronomia. Eu gostava muito de planta, sempre gostei muito dessa questão da produção, da sustentabilidade, dessa questão da segurança alimentar, que não tinha esse nome na época, mas eu achava muito importante. Ainda acho uma profissão extremamente importante, a agronomia. Minha mãe dizia que eu era muito comunicativo, que sempre montava jornais e disse que era uma boa opção para mim. Eu nunca tinha pensado, mas gostei da ideia.
MN – Você fez jornalismo em Marília?
Fernando Garcia – Fiz a Unimar. Sou da terceira turma da Unimar. Foi muito engraçado, porque era muito difícil naquela época arrumar um estágio, arrumar um emprego. Eu precisava fazer estágio e pedi uma oportunidade em uma rádio em Garça, mas não quiseram nem de graça.
MN – Em qual rádio?
Fernando Garcia – Na Rádio Universitária. Não passei no teste. Não acharam legal e eu fiquei bem desanimado. Fiquei bem triste, mas aquilo também me motivou bastante. Comecei a procurar uma oportunidade, até que eu bati aqui na Rádio Clube de Marília. Tive sorte que um cara tinha acabado de sair. Então o Jota da Cruz, locutor esportivo, perguntou seu eu sabia falar ou se já tinha falado em algum lugar. Falei que sim, mas era mentira. Não sabia nada, mas fui convidado para fazer um teste.
MN – Como foi esse teste?
Fernando Garcia – Era para chegar 6h da manhã e eu estava muito ansioso. Cheguei umas 5h. Fiquei bem nervoso e ele me fez um teste. Eu entrei ao vivo na rodoviária, tremendo e morrendo de medo. Achei que tinha sido uma porcaria, mas ele gostou e comecei a trabalhar no dia seguinte.
MN – Nessa época, qual foi a reportagem mais impactante que você cobriu?
Fernando Garcia – Dois meses depois de começar na rádio, eu estava saindo para fazer uma entrada ao vivo na Examar, mas esqueci o documento do carro. Eu estava saindo com o carro da rádio, esqueci o documento e voltei para pegar. Na hora que eu entrei na redação para pegar o documento, o telefone tocou. Eu fiquei com a mão em cima do telefone, pensando se atenderia ou não. O carro estava ligado do lado de fora e peguei o telefone. Era uma mulher falando de um avião que havia caído.
MN – Como foi receber essa notícia?
Fernando Garcia – Eu duvidei na hora, mas ela disse que morava em um edifício e que tinha visto o avião caindo. Nisso eu já escutei o Corpo de Bombeiros, vindo do Vista Alegre. Eu larguei o telefone, entrei no carro e saí correndo. Saí da Rádio Clube e quando cheguei ali no Kieza, a viatura do resgate estava passando e eu fiquei atrás. Cheguei lá e realmente tinha um avião caído.
MN – Você foi um dos primeiros a chegar lá?
Fernando Garcia – Só tinha uma viatura dos Bombeiros. O Alexandre de Souza, fotógrafo que na época eu não conhecia, estava sendo socorrido. O avião estava caído no corredor da casa, com uma asa caída para o lado de fora. Tinha muito combustível no local. Eu estava atônito com tudo aquilo.
MN – Você entrou ao vivo?
Fernando Garcia – Liguei na rádio e o Amarildo estava fazendo uma propaganda. O sonoplasta não queria passar para ele enquanto não acabasse. Ele bateu no vidro e comentou com o Amarildo, que me chamou na hora. Isso era umas três da tarde.
MN – Sentiu muita adrenalina?
Fernando Garcia – Muito. Foi algo de realmente de tremer. Foi a primeira sensação. Foi muito inusitado, porque o menino que morava na casa, abriu um portãozinho lateral e começou a gritar: “meu Deus!”. Ele estava dormindo e não escutou o avião caindo. Eu com o microfone na boca dele e ele estava desesperado que o avião tinha caído na casa dele. Se fosse hoje você saberia já pelo WhatsApp, mas quando você chega no local e se depara com um fato extraordinário, que você vai ter que contar ele do início, você tem que se acalmar para contar aquilo que realmente é algo incrível e que marca muito.
MN – Você disse que não conhecia o Alexandre de Souza?
Fernando Garcia – Não conhecia ainda. O Alexandre de Souza falou com a mãe dele que estava indo pegar um avião no Aeroclube de Marília para fazer umas fotos aéreas e ela estava ouvindo a rádio no momento em que eu dei a notícia da queda. Ela saiu na rua desesperada. É uma sincronicidade que eu entendo que não é aleatória. Depois de tudo aquilo, eu achei que eu servia para a profissão. Foi só então que eu achei que daria certo.
MN – Você ainda ficou muito tempo na Rádio Clube?
Fernando Garcia – Continuei na rádio e fiquei um bom tempo lá. Depois eu fui trabalhar na Rádio Dirceu, que era uma coisa muito mais engessada. Era um veículo que tinha já um viés político, mas foi uma experiência de ter trabalhado com o Zé Henrique. Aprendi muito e também foi uma baita de uma escola, mas eu não desenvolvi meu potencial. Teve alguns cortes lá e eu fui demitido. Foi quando o Amarildo me chamou para trabalhar na TV, no Canal 13.
MN – Como foi essa primeira experiência com vídeo?
Fernando Garcia – Ali foi o suprassumo mesmo. Fiz muito factual, mas também assuntos da sociedade, das angústias do povo. Falamos sobre pessoas sem remédio, sem consulta, sem comida. Foi quando eu tive um contato com o jornalismo do ponto de vista humanístico, que me tocou bastante. Pensei que eu poderia alterar a realidade das pessoas. Foi quando eu percebi que eu podia, através do meu trabalho, alterar a realidade das pessoas. Gostei muito daquilo. Pessoas não tinham voz e não conheciam os caminhos, enfrentavam muitas dificuldades. Se não é a imprensa mostrar, cobrar, acionar, as coisas realmente acabam não acontecendo. Foi quando eu me deparei com esse jornalismo e foi muito legal. Foi uma experiência realmente que eu trago até hoje. Essa pegada social, de alterar a vida das pessoas, de poder influenciar a vida das pessoas de forma benéfica, realmente é uma coisa muito marcante, muito maravilhosa do jornalismo.
MN – Como você vê a possibilidade de ajudar as pessoas por meio do seu trabalho?
Fernando Garcia – A gente divulga o problema da pessoa e a matéria foi para o ar, mas para ela ainda é um espinho na carne. Ela ainda continua com aquele problema. Ainda não melhorou. Trata-se de resolver realmente o problema da pessoa. A pessoa entender que ainda há pessoas com quem ela pode contar. Ela é uma injustiçada do sistema político e da questão social. Só está tentando sobreviver com as suas próprias forças e se vê sem uma luz no fim do túnel. Então quando ela te liga, ela não te liga por capricho, ela te liga porque você é o último recurso que ela tem e você ser o último recurso de uma pessoa, ao mesmo tempo, é muito triste, mas ao mesmo tempo, te dá mais responsabilidade para o trabalho que você executa. Uma pessoa não é só uma entrevista, ela é uma pessoa. Ela não é uma matéria, ela é uma pessoa.
MN – Quanto tempo já que você tá nessa área?
Fernando Garcia – Em abril do ano que vem vou completar 28 anos de jornalismo, sendo que agora, no dia 13 de outubro, completo 21 anos de TV Record.
MN – Como foi o início da Record aqui em Marília?
Fernando Garcia – Eu fiz assessoria de imprensa no Ciesp e fui assessor sindical. Aprendi bastante sobre um monte de coisa, principalmente sobre relacionamentos interpessoais. Depois disso, fui chamado para trabalhar na Record em 2003, com o Amarildo de Oliveira. Ele foi para a TV Record e me chamou. Fui o primeiro da redação aqui de Marília. Não tinha um computador. Me deram um radinho de escutar a polícia, mas não tinha celular. O diretor na época me deu um bolo de cartões telefônicos. Então eu descia do edifício Rio Negro Center e ia até o orelhão e ligava para as pessoas para marcar entrevista, agilizar alguma coisa.
MN – Você era produtor e repórter?
Fernando Garcia – Produzia e fazia matéria. Foi legal porque foi quando regionalizou o meu trabalho. Eu ia para Assis, Pompeia, Tupã, Ourinhos e várias outras cidades. Era um momento diferente e fiz vários contatos. O pessoal do Movimento Sem Terra (MST) me ligava, avisando que invadiriam uma fazenda. Encontrávamos com eles e fazíamos toda a cobertura. Era um mundo bem diferente do que é hoje, afinal, já são 21 anos. Era só um repórter e um cinegrafista. De lá para cá, cobri visitas de presidente em Lins e Assis. Você passar por uma experiência de entrevistar um presidente, é muito legal também.
MN – Foram muitas coberturas em Marília?
Fernando Garcia – A partir de 2005, 2006, 2007, foram muitas coisas. Tivemos o incêndio no Jornal Diário, depois a morte do Rafael Camarinha, a Operação Oeste. Era um mundo bem diferente, um mundo bem frenético, com coisas muito, eu diria, singulares que acabaram acontecendo. Naquela época da morte do Rafael, eu fui o segundo repórter a chegar. A gente cobriu integralmente. Eu cheguei a dormir na DIG dois dias. Eu e o cinegrafista. Dormimos na DIG, que funcionava na Gonçalves Dias, perto da OAB. Não tinha geração. A fita, você tinha que colocar a fita no ônibus e o ônibus levava para Bauru. Era diferente demais o time.
MN – Quando as coisas começaram a mudar?
Fernando Garcia – Acho que o divisor de águas foi quando começa a internet para valer, em 2011, com uma velocidade maior e possibilidade de você gerar pela internet. Foi quando a coisa mudou de figura. Você ganhou o imediatismo na TV. Não tinha WhatsApp, não tinha nada. Você ligava para as pessoas no telefone fixo. A partir dali começou uma evolução muito rápida mesmo. Eu acompanhei o fim da era do jornal impresso, pouco depois de começaram a surgir os primeiros sites de notícias. As pessoas não mais precisavam só assistir TV ou ouvir a rádio, as pessoas começavam a acessar a internet para consumir notícia. Foi quando a concorrência tornou o jornal impresso insustentável e a água começou a bater na bunda da televisão. Porque a televisão até então tinha a supremacia do imediatismo, o rádio também tinha a supremacia do imediatismo, mas passaram a não ter mais. Passou a ter uma concorrência que está no pé dela até hoje e coloca a televisão já quase que no segundo plano. A TV aberta quase num segundo plano.
MN – Como você vê hoje toda essa mudança?
Fernando Garcia – As pessoas passaram a ser seu próprio veículo de comunicação. A chegada das redes sociais jogaram uma responsabilidade ainda maior. A necessidade mudou bastante. As pessoas começaram a postar e começaram a registrar. Além da internet, outro fator fundamental foi o smartphone. Se você pegar 20 anos, quanta coisa a gente deixava de saber? Você não divulgava porque você não sabia. Ou até ficou sabendo, mas não tinha o registro. Você tinha que ir aos locais. Se tivesse um crime, você tinha que ir lá. Se tivesse um crime em Ourinhos, você tinha que ir lá. Se tivesse um crime em Jaú, você tinha que ir lá. A gente fazia apreensão de droga de madrugada.
MN – Já sofreu pressão e ameaças pelo seu trabalho?
Fernando Garcia – A partir de um certo momento, as pessoas ficaram muito violentas, de te ameaçar de morte, se você divulgasse tal coisa, de querer te sequestrar. Você tinha que ter muito cuidado com aquilo que você falava, com aquilo que você divulgava. Você era ameaçado a todo instante. Ameaças realmente não eram veladas, eram públicas, de quebrar suas pernas, de saber onde mora. Você tinha que desenvolver seu trabalho dentro desse clima pesado. As pessoas achavam que isso só acontecesse na Grande São Paulo, mas a violência contra o jornalista acontecia aqui também.
MN – Você disse que desde o começo sempre teve essa predisposição a fazer a agronomia. Com o passar dos anos isso veio aflorando em você?
Fernando Garcia – Nunca parou. Eu cumpri pena morando em um apartamento. Foi a pior experiência da minha vida. Porque eu sempre plantei, sempre cuidei de coisas, sempre plantei árvores, sempre gostei da natureza, de geografia, de observar os astros. Sempre gostei muito disso. Em 2001 eu comecei a pesquisas sobre abelhas. Nunca parei, mas em 2021 eu conheci o Tiago. Ele tinha algumas abelhas e estava começando um trabalho com criação de abelhas. Ele me chamou para participar e a gente começou.
MN – Foi o início do Doce Futuro?
Fernando Garcia – Tinha uma área pública que tinha acabado de ter um grande incêndio. Parecia uma paisagem lunar. Não tinha nada. Era terra arrasada. Com muita insistência do Tiago, decidi participar disso. Chegou em fevereiro de 2021, falei para ele que participaria do projeto, mas não queria que ele ficasse em grupos de WhatsApp brigando com Prefeitura e reclamando. Se nos dessem ajuda, amém, se não, amém do mesmo jeito. A gente começou a trabalhar e foi montando associação, ao mesmo tempo que comecei como certificador. Conseguimos as licenças necessárias para criação de abelha nativa. O João Tramarim já estava fazendo um trabalho de agrofloresta lá embaixo e foi crescendo. Chegou a ajuda de um vereador, de empresa e aquilo foi crescendo. O trabalho, que era uma vez por semana, passou a ser diário. A gente começou a fazer um monte de coisa e doar alimento, com a ajuda do Coelho. Conseguimos fazer a mina voltar a verter água e as coisas foram positivas.
MN – Vocês ajudaram no reflorestamento dessa área?
Fernando Garcia – Eu consegui plantar mais de duas mil árvores. Chegou em duas mil árvores e eu parei de contar. A gente tinha até uma competição de quantas árvores diárias alguém plantava. Eu plantei 56 em um dia, consegui plantar sozinho. Fazer o buraco, plantar árvore e jogar água. Dias depois o Tiago bateu o meu recorde pessoal, plantando sozinho 60 árvores. O recorde do projeto ainda é dele. É uma competição maravilhosa e a coisa foi crescendo. O seu Valdomiro veio para fazer horta e a gente criou modelos, para justificar nossa presença. A água é da Prefeitura, a energia elétrica também, pois se trata de uma área pública. Essa terra tem uma função social. Nós temos que atender essa expectativa.
MN – As pessoas procuravam vocês durante a pandemia?
Fernando Garcia -Veio a pandemia e as pessoas com fome. Muitas pessoas foram atrás do projeto, em busca de alimentos.
MN – O que vocês plantam lá?
Fernando Garcia – Milho, mandioca, alface, couve, frutas de todos os tipos que você possa imaginar. Lá na Agrofloresta, principalmente, eles plantam feijão. Muita gente foi atrás. Famílias que perderam completamente a sua forma de adquirir o alimento e começaram a ir lá a buscar alimento. A gente nunca divulgou isso, em respeito a essas pessoas. Um jornalista, dois pintores e um lavrador. Quatro pessoas que tocam esse projeto. Aumentamos a horta, automatizamos as coisas. Hoje nós doamos os alimentos, por exemplo, para Associação de Combate ao Câncer e para pessoas carentes do bairro. Não fazemos nenhum tipo de venda. Temos a intenção de aumentar ainda mais isso, Expandir isso, agregando mais tecnologia e novos parceiros.
MN – Como é essa busca por parcerias?
Fernando Garcia – A gente já está buscando parceiros nos Estados Unidos. Algumas pessoas nos procuraram pelo nosso trabalho. Ele é reconhecido em documento na assembleia geral da Organização das Nações Unidades (ONU). Temos três pilares que são a criação de abelhas nativas em risco de extinção, a agrofloresta e o reflorescamento. Pretendemos agregar tecnologia e tornar isso muito maior, mas a gente não tinha essa expectativa. A gente só queria plantar uma coisinha ali, plantar árvores e criar algumas abelhinhas.
MN – Hoje são várias espécies de abelhas?
Fernando Garcia – Hoje a gente cria 21 espécies de abelhas nativas. Somos criadores de uruçu-amarela. Somos reintegradores dessa espécie na natureza. Tudo isso com certificação e autorizações especiais que a legislação requer. A gente vai reintroduzir uma espécie extinta na natureza. Então, assim, é o suprassumo de quem se predispôs, há quatro anos, fazer uma atividade. É muito gratificante.
MN – Vocês criam abelhas de diferentes espécies e existe briga entre elas?
Fernando Garcia – Não, porque a gente tem um manejo específico, mas se você colocar uma ao lado de outra, teria problema. Existe uma territorialidade que você tem que respeitar, com manejos específicos.
MN – Vocês recebem escolas e estudantes no projeto?
Fernando Garcia – Muitas pessoas na Prefeitura ou escolas procuravam, querendo levar alunos, mas essa não era a nossa pegada. Entendemos que a presença do ser humano já é degradante no ambiente. Então trazer um monte de gente não faz muito sentido. Sem contar que pode acontecer algum acidente. É uma área que tem cobra e aranha. Existem perigos físicos, mas começamos a fomentar pesquisa científica. A professora Flávia e a professora Renata Bonini foram lá. Elas são do curso de Tecnologia e Produção de Alimentos da Fatec. Nós introduzimos elas no mundo das abelhas e a partir desse momento, o pessoal da Fatec começou a desenvolver pesquisas científicas com mel, abelhas e derivados. Já são três artigos publicados em revistas internacionais do gênero.
MN – Já existe um processo de expansão?
Fernando Garcia – Expandimos com a Unimar. Nossa associação foi incubada pela Insol, que é a Incubadora Solidária da Unimar, que nos ajudou sobremaneira na parte legal, na parte fiscal, na parte organizacional, que é uma coisa que faltava pra gente. A gente dá curso para alunos da Veterinária da Unimar. Foi montada a liga de biotecnologia para pesquisar também, entre outras, principalmente os derivados de mel de uruçu-amarela, jatai e da abelha mandaguari. Futuramente vamos fazer o sequenciamento molecular do mel da uruçu-amarela, da mandaguari e da jatai, para descobrir novas moléculas, entender quais são as moléculas do mel e do própolis, além da finalidade dessas moléculas para aplicação farmacológica, para a indústria farmacêutica, e isso tudo surgiu do trabalho de dois pintores, de um jornalista e de um lavrador em uma área pública, sem qualquer tipo de recurso.
MN – Vocês tiveram muitas dificuldades?
Fernando Garcia – Muita. As pessoas falam de meio ambiente da boca para fora. Os políticos falam de meio ambiente da boca para fora. Eu não tenho do que me queixar do prefeito Daniel. Ele foi muito solícito. O Levi Gomes nos ajudou sobremaneira. O Marcos Rezende também nos ajudou desde o começo. Até o Eduardo Nascimento nos ajudou. Tivemos o apoio da Secretaria de Limpeza Pública, nos ajudando a limpar a área várias vezes. A água é paga pela Prefeitura e a energia elétrica também. Todo recurso é utilizado de uma forma com muito respeito. Nunca ninguém lavou a roda de um carro. Nunca ninguém utilizou a energia para qualquer outro fim que não fosse do projeto, mas existe dificuldade na questão da burocracia. Ainda tem muita burocracia e isso trava muito, poderia desenvolver muito mais. Existe uma parte sobre a nossa permanência na área, sobre as autorizações de permanência, que eu acho que a administração poderia ter encampado e pego como um norte para ela e nos ajudado mais. Eu acho que é uma área que já poderia inclusive ter sido doada para a gente, para poder desenvolver a atividade de uma forma com uma segurança jurídica um pouco maior.
MN – Por qual motivo acha que isso ainda não saiu?
Fernando Garcia – Existe um certo ciúmes de algumas pessoas no mundo do meio ambiente. São raros os ambientalistas operativos. Existe uma grande maioria de ambientalistas simbólicos de Facebook. Não basta você plantar uma árvore no meio ambiente e largar ela lá. Nós plantamos e nós cuidamos. Nós combatemos o fogo, somos brigadistas. A gente ajuda a Defesa Civil em combate a incêndio. Esse é o ambientalista, o ecologista operativo. Aquele que realmente vai lá e vai realizar. Isso causa um certo ciúmes naquele que é o ambientalista de Facebook. Teórico, simbólico e de Facebook, que muito teoriza e pouco realiza.
MN – Os candidatos para a Prefeitura de Marília estão abordando essa questão ambiental?
Fernando Garcia – Não vi candidato aqui da nossa cidade falar sobre meio ambiente, sobre preservação do meio ambiente ou sobre encher a cidade de árvores. A cidade não é arborizada. Você não tem uma patrulha para plantar, aguar, adubar e cuidar dessa árvore até dois anos de idade. Você não vê as pessoas falando nisso. Foram oito anos com o Daniel Alonso. A construção das estações de tratamento de esgoto foi algo incrível. Isso vai gerar benefícios para o interior do Estado de São Paulo, mas muitas outras coisas foram negligenciadas. Esse o trabalho de ecologista é uma coisa que me completou como ser humano.