Após 1.180 mortes em Marília, chega ao fim emergência da Covid
Com um total de 1.180 pessoas mortas em decorrência da Covid-19 na cidade de Marília, a classificação da doença como emergência de saúde pública internacional chegou ao fim nesta semana. O anúncio foi realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na última sexta-feira (5), após mais de três anos do início da pandemia.
A decisão foi tomada devido à tendência da queda de óbitos e casos registrados por conta, principalmente, da vacinação. Isso não quer dizer que a Covid “chegou ao fim”, mas que o nível de alerta diminuiu.
Em Marília, os dados apresentados foram levantados pelo Marília Notícia, uma vez que as informações divulgadas em âmbitos municipal e estadual divergem. Desde 2020, só no município, foram registrados 65.936 casos positivos da doença.
PERDAS
São muitas as famílias marilienses que perderam entes queridos para a Covid-19 ao longo desses três anos. A advogada Laura Antônio de Souza, de 23 anos, conta que, apesar das cicatrizes deixadas pela morte do pai, a união é o que faz a vida continuar para todos.
Ortopedista, o doutor Claudinei Pereira de Souza, de 52 anos, se infectou com o coronavírus em meados de 2021. Mesmo já com duas doses da vacina, comorbidades – como a asma – fizeram com que o médico tivesse que ficar internado por dois meses.
“Ele chegou a ser transferido para São Paulo, onde também trabalhava. Foram dias de muitas angústia, tristeza, mas de muita união também”, narra Laura.
Muito querido por todos, a advogada conta que a família recebia inúmeras ligações e mensagens todos os dias. Algumas pessoas chegaram a viajar até a capital para doar sangue em nome de Claudinei.
“Quiseram organizar uma van para levar os residentes para doar sangue. Bastante gente ficou comovida e foi isso que nos manteve firmes durante esse tempo”, conta a filha do ortopedista.
Claudinei Pereira de Souza faleceu no dia 3 de setembro de 2021, aos 52 anos, deixando a esposa Edy e os filhos Cyro, Laura, Miguel e Alice.
SEM VACINA
Um dos períodos mais difíceis da pandemia se deu entre os anos de 2020 e 2021, quando não havia informações concretas, perspectivas de vacinação e, em seguida, os registros de picos de casos e, consequentemente, de óbitos.
No final de 2020, durante uma reunião de Natal com familiares mais próximos, Paulo Stroppa, chamado carinhosamente de “Paulinho” pela família, acabou se infectando com o vírus da Covid-19.
A princípio com sintomas de uma gripe comum, o quadro foi evoluindo para dificuldades na respiração. Paulinho então foi levado até o Pronto Atendimento (PA) da zona Sul.
“Chegando lá, percebemos que a situação estava realmente muito séria. Não havia muitas macas ou cadeiras disponíveis. Algumas pessoas agonizavam na nossa frente. Falavam em falta de leitos nos hospitais, teríamos que aguardar uma vaga. O quadro do meu irmão era grave e ele teria que se ser internado e, já naquele momento nos disseram, intubado”, narra Ricardo Stroppa, irmão de Paulo.
“Ainda me lembro do rosto do meu irmão quando ele ouviu isso. Como eu queria ter falado mais do que falei para ele naquele momento”, conta Ricardo, emocionado.
Depois de transferido para o Hospital das Clínicas (HC), Paulinho foi encaminhado direto para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “A partir daí, foram quase 30 dias de noites mal dormidas, telefones de amigos e familiares buscando notícias e recomendando fé e esperança. Esse apoio foi o que nos sustentou nos momentos mais difíceis”, diz o engenheiro eletricista.
Enquanto Paulinho estava internado, os profissionais da Saúde decidiram tentar retirá-lo do respirador artificial. As enfermeiras faziam chamadas de vídeo para que ele pudesse receber mensagens positivas.
A tentativa, porém, não surtiu efeito e ele teria que ser intubado novamente, mas se recusava. A família foi convocada para tentar convencê-lo neste momento. “Nos reunimos e, por um breve momento, e pela última vez, pudemos ver seus lindos olhos. Assustado e cansado, ele conseguiu dizer, com muito esforço, que era ‘muito ruim’ e assim nos despedimos mesmo sem saber”, compartilha o irmão.
Após algumas complicações, no dia 30 de janeiro de 2021, Paulinho partiu aos 60 anos. Deixou o filho Guilherme e cinco irmãos: Marcos (in memorian), Martha, Sérgio, Eduardo e Ricardo.
“Essa doença foi muito cruel. Nem seu corpo pudemos ver. Nem um velório pudemos fazer, apenas uma reunião breve já no cemitério para um último adeus. Hoje sei que o velório, mais do qualquer outra coisa, tem a finalidade de provocar a aceitação. Uma maneira de dar um tempo para nos acostumarmos com a ausência”, lamenta Ricardo.
Depois de alguns meses, o próprio engenheiro também contraiu a doença e precisou ser intubado. Com o avanço da medicina e dos tratamentos, Stroppa se recuperou totalmente. “Estou aqui para contar o que houve com meu irmão e testemunhar o medo, a solidão e a profunda impotência que nos invade ao entrarmos numa UTI sem saber se vamos voltar para casa”, finaliza.
SEM VELÓRIO
Não é incomum encontrar sentimentos de raiva atrelados à dor de perder um parente dessa forma. A advogada Elisângela Volpe dos Santos, de 32 anos, foi obrigada a lidar com a morte da mãe, Izabel Volpe dos Santos, de 52 anos, no dia 25 de maio de 2021, pouco tempo antes que chegasse “sua vez” de tomar a vacina contra Covid-19.
Seu pai Luiz tinha acabado de ser imunizado com a primeira dose e era um momento de esperança, até mesmo com contagem regressiva no grupo de WhatsApp da família. Na época, a pesquisadora morava em São Paulo e a impotência por estar longe causou sentimentos de culpa e pânico.
“Sua patroa, na época, fazia piadas por ela usar máscara no ambiente de trabalho e sempre chamava atenção dela porque isso ‘assustava os clientes’. A empresa ficava sabendo das fiscalizações antes de acontecerem. O maior responsável, porém, é o governo federal, que ignorou até e-mail de compra das vacinas”, declara Elisângela.
Apesar de viver na capital, a advogada não passava um dia sem falar com a mãe. “Quando seu quadro piorou, consegui voltar para Marília. Não vim antes porque ela me fez prometer que eu não pegaria um ônibus por conta da exposição. Quando ela parou de me responder, não pensei duas vezes”, conta Santos.
“O dia da morte dela é um borrão. Tem coisas que simplesmente foram apagadas da minha memória. É horrível não poder passar pelo rito de passagem. O velório é um passo importante para conseguir assimilar a perda e até isso a pandemia tirou”, lamenta a pesquisadora. “Às vezes eu sinto raiva vendo algumas coisas, sinto raiva até de velório, porque não pude fazer o da pessoa mais importante da minha vida. É difícil lidar com esse sentimento”, desabafa.
Izabel Volpe dos Santos deixou o marido Luiz e as filhas Susana e Elisângela.
FIM
Após mais de três anos, a OMS declarou nesta sexta-feira (5) que a Covid-19 não configura mais emergência em saúde pública de importância internacional. De acordo com a entidade, o vírus se classifica agora como “problema de saúde estabelecido e contínuo”.
Desde março de 2020, o Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional da OMS se reunia periodicamente para analisar o cenário global provocado pela doença.
Durante a última sessão deliberativa, iniciada na quinta (4), membros do comitê destacaram a tendência decrescente de mortes por Covid-19, o declínio nas hospitalizações e nas internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) causadas pelo vírus e os altos níveis de imunidade da população.
ALERTA
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, fará um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, na noite deste domingo (7).
A mensagem, que deve ir ao ar por volta das 20h, vai destacar a declaração da OMS. Segundo a assessoria da ministra, a ideia é que a gestora da pasta ressalte que a Covid-19 ainda não acabou e que a vacinação continua fundamental.
“É uma grande vitória para a sociedade, possível graças à ciência e à vacinação, orientadas para o acesso à saúde. Ao mesmo tempo, o anúncio não significa o fim da circulação do vírus, mas uma mudança de abordagem. Ainda temos que ter cuidados, inclusive nos vacinando contra a covid-19, o que em muitos países passou a compor o calendário anual, a exemplo da vacinação contra a influenza”, escreveu a ministra, nas redes sociais.
Em todo o mundo, a pandemia levou à morte mais de sete milhões de pessoas, número que pode estar subestimado. Somente no Brasil, o número de vidas perdidas ultrapassou as 700 mil pessoas.