Alcolumbre reclama de julgamento das sobras eleitorais no STF, que pode rever decisão
Uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que poderia alterar a composição na Câmara e contrariou os interesses do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) pode ser revista pela corte.
O julgamento sobre as chamadas sobras eleitorais também provocou mal-estar entre ministros. Agora, tanto políticos como integrantes do STF afirmam que há movimentação para que o tribunal volte atrás no caso.
A discussão gira em torno do prazo de aplicação da determinação da corte. Caso a decisão valesse para já, o julgamento levaria à troca de sete deputados, entre eles quatro no Amapá, e a bancada do estado ficaria mais alinhada ao senador. Procurado pela reportagem, o parlamentar não comentou.
Segundo a Folha apurou, pessoas próximas do ministro Alexandre de Moraes, também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), dizem que ele sinalizou em conversas reservadas que ainda há espaço para votação de um recurso que pode alterar o resultado.
Em fevereiro, os magistrados do Supremo avaliaram se seria constitucional uma regra criada por lei em 2021 que trata das sobras eleitorais. Estas são vagas no Poder Legislativo que restam após o preenchimento dos assentos pelo critério do quociente eleitoral –o total da divisão dos votos válidos em um estado pelo número de vagas.
A norma estabelecia que poderiam concorrer às vagas restantes os partidos que tivessem atingido 80% do quociente eleitoral e os candidatos que tivessem chegado a 20% desse parâmetro. Mesmo as vagas distribuídas numa terceira fase de partilha das sobras deveriam ser completadas por partidos que atingiram 80% do quociente eleitoral, na chamada “sobra das sobras”. A análise dos ministros se concentrou nessa etapa.
Na avaliação da maioria dos ministros, porém, a regra inviabilizava a participação na divisão das “sobras das sobras” de candidatos que tivessem recebido votação expressiva e legendas menores. Com esse entendimento, por 8 votos a 3, o STF decidiu que a norma é inconstitucional e todos os partidos podem disputar essas vagas remanescentes.
A corte resolveu, porém, que a nova diretriz só será aplicada a partir de 2024, e não desde a eleição de 2022, como pediram alguns partidos.
Os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes lideraram a articulação no STF para que o resultado do julgamento tivesse validade retroativa e alcançasse o pleito de 2022.
Caso prevalecesse esse entendimento defendido pelos dois magistrados, Alcolumbre veria seus aliados no Amapá ganharem mandato na Câmara. Aliados do senador ponderam que os quatro que seriam substituídos não são todos adversários do parlamentar. Mas admitem que o alinhamento seria muito maior caso os novos deputados assumissem.
A tese defendida por Moraes e Gilmar, no entanto, acabou derrotada. O STF decidiu, por 6 votos a 5, que a nova regra só valerá a partir da próxima eleição, o que mantém a atual composição da Câmara.
Nos bastidores, o decano avalia que o tribunal errou ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma eleitoral e manter nos mandatos deputados eleitos em 2022 sob tal dispositivo.
Além de Moraes e Gilmar, votaram também para que a nova regra valesse para as eleições de 2022 os ministros Flávio Dino, Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques.
Advogados reclamam da regra usada pelo presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, na modulação do resultado do julgamento –que define o prazo para que seja aplicado. Defensores do Podemos e do PSB, que entraram com a ação, impugnaram a ata do julgamento dizendo que seriam necessários oito votos na modulação, o que seria uma espécie de maioria absoluta da corte, e não seis. Da mesma forma, os partidos apresentarão embargos de declaração para pedir a revisão.
Embora o julgamento tenha ocorrido em fevereiro, Alcolumbre relatou recentemente a aliados ter ficado irritado com a decisão do Supremo.
A hipótese de rever a decisão ganha força porque pode ser julgado um recurso com uma composição diferente do tribunal. O ministro Cristiano Zanin, que tem ficado alinhado internamente ao grupo de Gilmar e Moraes, entrou no lugar de Ricardo Lewandowski, que defendeu que a mudança só deveria valer a partir da próxima eleição.
Para que a decisão seja revista, é preciso que Barroso, presidente da corte, leve o caso para análise do plenário até 2026. Outra possibilidade seria a ministra Cármen Lúcia, que se tornou redatora do acórdão, colocar o tema no plenário virtual.
Os dois com poder para levar o caso a julgamento, porém, foram contrários à tese que beneficiaria aliados de Alcolumbre.
No julgamento, Moraes afirmou que aplicar a norma só em 2026 seria um “precedente desastroso, com todo o respeito, à maioria formada”.
“O Supremo, por maioria, entendeu que houve desrespeito à soberania popular e ao sistema representativo, e, como lembrou o ministro Flávio Dino, nós vamos manter sete deputados federais que não foram eleitos.”
Barroso rebateu. “Eles foram eleitos pela regra que estava em vigor quando teve a eleição”, disse.
O presidente da corte afirmou ao votar que a regra prejudica os pequenos partidos, assim como outras medidas, a exemplo da coligação partidária em eleição proporcional e a cláusula de barreira. Mas destacou que “o legislador brasileiro quis dificultar mesmo a formação e a sobrevivência de partidos pequenos, de modo que é possível não gostar da norma”.
Após a sessão, os ruídos continuaram.
Em conversas reservadas, os ministros negaram qualquer tentativa de beneficiar Alcolumbre, tido como favorito para vencer a eleição de presidente do Senado no início de 2025.
O caso das sobras eleitorais desagradou ao senador, mas agradou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defensor de que as novas regras só valham para 2026, em um discurso pela composição atual e segurança jurídica do resultado divulgado logo após a abertura das urnas.
Segundo levantamento da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), os afetados em caso de retroatividade seriam os deputados Silvia Waiãpi (PL-AP), Sonize Barbosa (PL-AP), Goreth (PDT-AP), Augusto Pupiu (MDB-AP), Lázaro Botelho (PP-TO), Gilvan Máximo (Republicanos-DF) e Lebrão (União Brasil-RO).
POR JULIA CHAIB E MATHEUS TEIXEIRA