Acidente de Ayrton Senna não seria fatal em carro atual da F1, afirmam pilotos
Existem algumas hipóteses sobre o que causou o acidente fatal de Ayrton Senna no GP de San Marino de 1994. A mais aceita considera a quebra da barra de direção. Outros também apontam que um pneu estava danificado, e há quem acredite em falha humana.
Do que não se tem dúvida é que a F1 nunca mais foi a mesma depois daquele fim de semana, em que o austríaco Roland Ratzenberger também teve um acidente fatal.
Preterida durante décadas em prol do espetáculo, a segurança dos pilotos passou a ser prioridade para a FIA (Federação Internacional de Automobilismo), pressionada pelo clamor mundial após a perda de dois talentos, um deles um campeão histórico.
Pilotos que passaram pela categoria e outros que conhecem bem o mundo do automobilismo afirmam, de forma quase unânime, que Senna estaria vivo e sairia ileso do carro se seu veículo tivesse os recursos de segurança disponíveis atualmente na categoria.
O desenvolvimento do chassi, sobretudo da chamada célula de sobrevivência, seria a peça fundamental para preservar a vida do brasileiro. Parte central do carro onde o piloto fica sentado, a célula foi projetada para ser praticamente indestrutível, fabricada em fibra de carbono, com uma camada de kevlar, material altamente resistente ao calor e cinco vezes mais firme do que o aço.
Luciano Burti, que disputou duas temporadas na F1, considera-se prova viva dessa evolução. Em 2001, ele sofreu um grave acidente no GP da Bélgica, quando perdeu o controle do carro e bateu fortemente na barreira de pneus. Para ele, o acidente de Senna, tristemente, foi fundamental para salvá-lo anos depois.
“Eu bati a 270 km por hora no muro. Tive uma concussão cerebral e hemorragia cerebral, mas sobrevivi”, lembrou o ex-piloto em entrevista à Folha. “Mas eu tenho a consciência de que eu só sobrevivi, infelizmente, porque o Ayrton morreu lá no dia 1º de maio de 94.”
Hoje comentarista da TV Globo, Burti também é enfático ao afirmar que, “sim”, Senna estaria vivo se pilotasse um carro atual de F1. “Não vou nem falar 99% [de certeza]. É, sim, ele estaria vivo. Teria descido do carro sem um arranhão”, afirmou.
Segundo piloto brasileiro que mais disputou corridas na F1, com 269 provas de 2002 a 2017, Felipe Massa viu de perto boa parte do desenvolvimento das tecnologias de segurança da categoria.
Ao comparar os carros da década de 1990 com os que pilotou e com os atuais, ele cita como avanços os testes de impacto frontal e lateral, o halo (barra curva na frente do carro para proteger a cabeça do piloto) e o “hans” (dispositivo que protege a coluna cervical).
Em 2009, ele também foi pivô de uma evolução, depois de ter sobrevivido a um acidente nos treinos do GP da Hungria, quando uma mola que se soltou do carro de Rubens Barrichello atingiu seu capacete.
“Se meu acidente fosse hoje em dia, eu também desceria do carro sem nenhum problema, principalmente pela evolução dos capacetes”, disse o piloto, que perdeu o restante da temporada de 2009 e só voltou às pistas em 2010, quase oito meses depois do ocorrido, com uma nova mentalidade.
“Depois do meu acidente, eu sempre fui a favor de melhorar ainda mais a segurança”, declarou Massa.
Felipe Giaffone, piloto na Fórmula Indy por seis temporadas e de carreira vitoriosa na Fórmula Truck, vê a melhora nas condições dos circuitos como outro aspecto que teve um salto evolutivo.
As áreas de escape, por exemplo, foram ampliadas, e a maior parte delas, asfaltadas. Quando o piloto aciona os freios, o carro reduz bastante sua velocidade de impacto no “guardrail”. Bem mais do que nas caixas de brita.
Há em muitas curvas de maior risco a chamada “soft wall”, uma parede retrátil. E, diante de muitos “guardrails” ou muros fixos, existem estruturas projetadas para absorver parte da energia do choque.
“Atualmente, com as mesmas batidas, eu tenho certeza de que nenhum dos dois [Senna e Ratzenberger] teria morrido”, disse Giaffone, atualmente comentarista na Band. “Infelizmente, o Senna teve que pagar com a vida para ajudar a evoluir os carros e as pistas.”
Ao contextualizar os meses que antecederam o acidente de Senna, é possível notar que o caminho atual vai na direção oposta ao adotado pela F1 até 1994.
Naquele ano, a FIA decidiu proibir auxílios eletrônicos nos carros, como controle de tração, suspensão ativa, controle de lançamento e freios ABS. Houve também uma mudança nos pneus, que deveriam ser mais estreitos, o que os deixava com menos aderência.
A ideia por trás de tudo isso era tornar as corridas mais emocionantes, mas, na prática, os carros passaram a ser mais difíceis de conduzir.
O próprio Senna ficou surpreso com as mudanças, dizendo que a temporada seria de “muitos acidentes”.
A segurança dos carros já era motivo de preocupação para ele desde o ano anterior, quando decidiu reatar sua amizade com o britânico Jackie Stewart, com quem havia se chateado por causa de uma entrevista.
A ideia do brasileiro era, com o apoio do Stewart, exercer na F1 uma voz mais ativa em questões que envolviam a proteção durante as corridas, como o também tricampeão fez nos anos 1970. “Infelizmente, ele não pôde se beneficiar dessa busca por melhoras em segurança”, lamentou Jackie, anos depois.
Na véspera de seu acidente fatal, Senna ficou perturbado com a morte de Ratzenberger. Abalado, buscou conforto no professor Sid Watkins, chefe da equipe médica de pista da F1. Enquanto Senna chorava, eles tiveram uma troca de palavras que Watkins registrou em seu livro “Life at the Limit” (“A Vida no Limite”).
“O que mais você precisa fazer? Você foi campeão mundial três vezes, obviamente é o piloto mais rápido. Levante-se e vamos pescar”, disse o professor, vendo o brasileiro aos prantos.
Senna respondeu: “Sid, há certas coisas sobre as quais não temos controle. Não posso desistir, tenho que continuar”.
Foi o último diálogo entre eles antes da morte do brasileiro no dia seguinte.
POR LUCIANO TRINDADE