A gente nunca sabe se tem alguém gravando, diz Bolsonaro em gravação do caso ‘Abin paralela’
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) relatou preocupação em ser gravado, durante áudio “possivelmente gravado” pelo ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem (PL). O material sob responsabilidade da Polícia Federal teve o sigilo retirado nesta segunda-feira (15) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O desabafo foi feito após o ex-presidente se prontificar a conversar com os chefes da Receita Federal e do Serpro -a empresa estatal que detém os dados do Fisco- no contexto de discussão sobre anular as investigações de “rachadinha” contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
“Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém”, disse, em reunião palaciana feita em agosto de 2020.
Antes disso, o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pediu para “tentar alertar ele que ele tem que manter esse troço fechadíssimo”. “Pegar de gente de confiança dele. Se vazar [inaudível]”, diz o documento da PF.
As frases foram ditas após Bolsonaro concordar em falar possivelmente com Gustavo Canuto, que até fevereiro de 2020 era ministro de Desenvolvimento Regional. Depois, ele assumiu a presidência da Dataprev, a empresa de tecnologia e informações da Previdência.
“Era ministro meu e foi pra lá [pro Serpro]. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto”, diz Bolsonaro, em determinado ponto da reunião.
Também participaram desse encontro as advogadas de Flávio, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach.
O ex-presidente ainda afirma, neste contexto, que “ninguém gosta de tráfico de influência”, e mais adiante que “nenhuma pessoa aqui fez qualquer conversa pra vamo dar um jeitinho”.
Não fica claro se Bolsonaro confundiu o Serpro com a Dataprev, já que em toda a reunião a demanda das advogadas ao presidente era para que o Serpro fosse acionado.
“Fala com o Canuto pra saber do Serpro”, diz Ramagem em determinado ponto da reunião, mas sem se alongar em detalhes. A gravação tem partes inaudíveis, o que dificulta em parte o entendimento do exato contexto.
“Se você pede a apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, inconstitucional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?”, diz uma das advogadas de Flávio, Juliana Bierrenbach.
Em nota, Canuto disse que ninguém o procurou para falar sobre esse assunto. “Adicionalmente, gostaria de esclarecer que eu era presidente da Dataprev, não do Serpro. Os sistemas da Receita Federal do Brasil são mantidos pelo Serpro, não pela Dataprev.”
O senador Flávio afirmou que “o áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim”.
“A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis. O próprio presidente Bolsonaro fala na gravação que não ‘tem jeitinho’ e diz que tudo deve ser apurado dentro da lei. E assim foi feito. É importante destacar que até hoje não obtive resposta da Justiça quanto ao grupo que acessou meus dados sigilosos ilegalmente.”
A reportagem procurou a defesa de Bolsonaro e aguarda uma manifestação.
Uma das advogadas presentes na reunião de 2020, Juliana Bierrenbach negou ter havido uso do governo no caso e disse à reportagem que “a atual estrutura da Receita deve ser investigada”.
Segundo ela, o pedido de apuração especial no Serpro era um meio de conseguir os dados de quem acessou as informações de Flávio Bolsonaro e saber se eles eram motivados ou não, o que poderia gerar a nulidade do caso.
Ela afirmou não saber o que Bolsonaro fez após esta conversa, nem que estava sendo gravada.
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POR CONSTANÇA REZENDE