‘Em Marília não há educação ambiental’, diz ambientalista Rodrigo Más
Rodrigo Más, ambientalista de Marília, cresceu em uma família monoparental, sendo criado pela mãe, que trabalhava como manicure. Sua infância foi na Vila Nova e adolescência no bairro São Miguel. Durante sua juventude, na escola Monsenhor Bicudo, se destacou como líder estudantil, quando reativou o grêmio estudantil e promoveu projetos como a criação de um time de futebol feminino e uma biblioteca.
Sua formação acadêmica teve início efetivo com a graduação em Direito pelo Univem, onde desenvolveu interesse por temas ambientais e sociais, especializando-se em Direito Ambiental e Gestão Ambiental.
A consciência ambiental de Rodrigo Más começou a ser moldada na adolescência, influenciada por leituras filosóficas e sua vivência em projetos comunitários. Inspirado por pensadores como Edgar Morin, ele compreende que o meio ambiente não se restringe a florestas distantes, mas inclui o entorno urbano e suas dinâmicas.
Após a graduação, Rodrigo optou por não seguir a advocacia tradicional, preferindo atuar de forma preventiva no campo ambiental. Ele fundou uma consultoria socioambiental, focada em mitigação e compensação de impactos, e desde então trabalha com a elaboração de relatórios ambientais e soluções para a mobilidade urbana e recursos hídricos.
Ao refletir sobre o crescimento populacional e o uso desenfreado de recursos, Rodrigo defende modelos de “cidades inteligentes”, que promovem a sustentabilidade através de alternativas energéticas, transporte coletivo e educação ambiental voltada ao consumo consciente.
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MN – Você é nascido e criado em Marília?
Rodrigo Más – Eu sou nascido em Marília. Nasci em 1976. Sou fruto de uma família monoparental. Fui criado pela minha mãe. Cresci e tive uma infância em um bairro de classe operária, na Vila Nova. Estudei no Zancopé. Depois nós migramos para o bairro da São Miguel, onde eu passei uma parte da minha adolescência. Na fase jovem para adulta, eu morei na região do Alto Cafezal, ali nas mediações do Hospital Espírita.
MN – Na adolescência você fez parte do grêmio estudantil?
Rodrigo Más – Fui fazer o primeiro, o segundo e o terceiro colegial no Bicudo. Lá no Bicudo eu ativei um grêmio estudantil que estava parado há 20 anos. Implantei o futebol feminino na escola. Implantei a biblioteca no grêmio. Concluí o terceiro colegial e fui me graduar em Direito na Fundação Eurípedes Soares da Rocha. No terceiro ano para o quinto, comecei a ficar atraído pelos assuntos chamados transversais, como meio ambiente, garantias sociais e direitos humanos. Fui me especializando em Direito Ambiental e depois eu fiz uma pós-graduação em Gestão Ambiental e Direito Ambiental da Unimar. Uma pós-graduação de dois anos com título de especialista.
MN – Como foi a sua infância aqui em Marília?
Rodrigo Más – Eu morava na rua Ribeirão Preto, bem na frente da Filantrópica. Eu passava boa parte do dia brincando com as crianças da Filantrópica. A maioria dessas crianças estudavam no Zancopé também. Então eram brincadeiras assim bem fruto dos anos 80, do começo dos anos 90, futebol, pipa, búrica. Já pude também começar a perceber as relações sociais das crianças. As crianças da Filantrópica eram crianças que não tinham pais, então eu já comecei a ter essa reflexão sobre relação social.
MN – Nessa época você teve o primeiro contato com a questão ambiental?
Rodrigo Más – Foi uma infância de uma classe operária, mas ela foi bem rica no aspecto criativo, porque a gente construía carrinhos de madeira, fazia carrinhos de rolemã, pipa. Tinha um projeto da Filantrópica que as crianças faziam mudas de árvore. Isso também era bem bacana para mim, foi bem marcante. Inclusive, crianças da minha época, hoje são pessoas que eu encontro na cidade com certas posições sociais.
MN – Qual era a profissão da sua mãe?
Rodrigo Más – Minha mãe teve um rompimento muito cedo com meu pai. Eu nasci em 76, em 77 já ele não estava mais presente, foi tocar a vida dele, e minha mãe trabalhava de manicure para sustentar eu e meu irmão mais velho. Meu irmão mais velho veio a falecer no ano de 2008. Minha mãe era manicure e cuidava da gente.
MN – Foi uma grande batalhadora?
Rodrigo Más – Muito batalhadora. Sempre procurou fazer de tudo para garantir a gente nos estudos. Uma casa humilde, mas que ela se esforçava bastante em manter limpa e preservava muito a questão da alimentação. O almoço e o jantar estavam sempre prontos no horário certo.
MN – Quando começou a ter uma consciência ambiental?
Rodrigo Más – Eu comecei a ser influenciado por algumas literaturas. Com 15 anos de idade eu já passava as tardes na Biblioteca Municipal de Marília. E lá, na época, você entrava, tinha um arquivo de madeira lindo. Então, você ia para o assunto filosofia, foi o que sempre me atraiu mais. Ali eu zerei praticamente a escola frankfurtiana, todos de Schopenhauer, Nietzsche, Spinoza. Ali eu tive meu primeiro encontro com Maquiavel e sobre observações políticas. Dentro dessas observações, eu tive o meu primeiro contato com a relação ambiental dentro do comportamento social.
MN – Como era essa relação ambiental na época?
Rodrigo Más – A relação ambiental nessa época era uma relação que trazia uma certa dicotomia. Quando você falava em meio ambiente, você tinha na sua cabeça um bosque, uma floresta. Hoje não, né? Quando a gente fala em meio ambiente, é aqui, no meu entorno, dentro da cidade, na mobilidade urbana, recursos hídricos, veículos elétricos. No começo dos anos 90, final dos anos 80, tinha essa dicotomia que o meio ambiente a gente imaginava era o que estava lá na floresta, lá no bosque. Eu comecei a ter os meus primeiros contatos, que me levaram a uma imersão de reflexão muito grande, com o filósofo francês Edgar Morin. Ele destacou a pauta de meio ambiente como uma relação estratégica no educar, no cuidar, no empoderamento do homem, na relação integral do homem com o homem, sobretudo nessa questão que os recursos são finitos.
MN – Não se pensava assim naquela época?
Rodrigo Más – A gente trabalhava com paradigma e a gente imaginava que os recursos eram infinitos. O Morin abre essa pauta, já trazendo os impactos e fazendo estimativas de que o mundo vai colapsar num futuro próximo, se nada for feito. Depois que eu transitei para o mundo acadêmico, fiz essa correlação jurídica dentro do direito ambiental, porém, o que mais me chama na questão ambiental não é ter, assim, como objeto central o direito ambiental no aspecto jurídico, mas como objeto central na gestão. Uma visão de gestor mesmo, como observar a questão da arborização urbana, a questão da fauna, a questão de recursos hídricos, a questão de permeabilidade do solo. Eu gosto de ter essa visão macro, essa visão completa.
MN – E por que você escolheu o Direito?
Rodrigo Más – Quando eu terminei o Bicudo, eu levei um currículo até a Fundação Eurípedes Soares da Rocha. Lá eu fui admitido para trabalhar e ganhei bolsa de estudo. Eu levei um currículo para serviços gerais. Eu trabalhava na portaria, de porteiro. Eu já tinha terminado, já fazia um ano, o terceiro colegial. Os professores da Fundação gostavam de conversar comigo, sendo que uns dois ou três professores falaram pra mim que eu tinha uma curiosidade intelectual muito boa. Decidi prestar vestibular e eu sempre fui propenso mais para a área de humanas. Tinha Marketing, Administração e Direito. O professor Oscar Vilhena, que é um profundo entendedor do Direito, estuda muito o STF, falou que minha base era mais uma base sociológica. Podia investir em uma filosofia jurídica.
MN – Você já estava envolvido nessa área ambiental?
Rodrigo Más – Quando eu terminei a faculdade, eu acredito que todo mundo que termina a graduação, põe o pé na calçada da universidade e fala, e agora? Cerca de 90% das pessoas já têm um plano de carreira. Ou elas entram para dentro de um escritório, que já estavam fazendo estágio, ou o pai ou o tio já é advogado ou então vai estudar para concurso. Eu pensei comigo que não queria concurso e não queria advocacia tradicional. Eu queria trabalhar com o meio ambiente. Eu não queria necessariamente ficar desaguando a minha relação profissional no Fórum. Eu não queria ficar judicializando, eu queria trabalhar com uma antecipação.
MN – O que você pretendia?
Rodrigo Más – Eu não queria pegar uma relação ambiental que já tinha ocorrido o dano. Eu queria fazer uma relação de antecipação. É o que eu faço hoje. Eu queria uma relação de compensação, de mitigação, de atenuação. Eu queria prever a situação antes. Aí eu comecei a estudar e eu montei minha consultoria. Eu montei minha consultoria um ano, quase dois anos depois que eu me formei, e estou com ela até hoje.
MN – Como é essa consultoria?
Rodrigo Más – É uma consultoria socioambiental. Eu acho que já deve ter uns 14 anos. Eu trabalho com relatório de mobilidade urbana, relatório preliminar, relatório de impacto, faço bastante coisa.
MN – Como você vê a situação que a gente tem vivido hoje?
Rodrigo Más – A situação atual que vivemos hoje é fruto de um planejamento desorganizado, de um sistema que não consegue se autorregenerar, não consegue se automodelar. Hoje, quem protagoniza os grandes impactos no mundo são as cidades. Então, você percebe, por exemplo, que as cidades cada vez aumentam mais o número de veículos movidos a combustível tradicional, a energia fóssil, a emissão de CO². As cidades cada vez gastam mais recursos hídricos, seja nos parques industriais, no comércio, gasta muita água hoje. As cidades não têm um planejamento para mitigar, para atenuar esses impactos.
MN – Com vê o atual crescimento populacional?
Rodrigo Más – Você tem um crescimento grande da população mundial. Consequentemente, uma demanda muito grande por alimentos. Você vai ao supermercado comprar um saco de maçã, você vai comprar um saco de feijão, de arroz, aquilo demandou uma cadeia produtiva por trás. Demandou relações de insumo, demandou relações de trabalho, demandou máquina, depois demandou a confecção do produto para a embalagem, depois demandou a logística, que é muito grande geralmente. Você vai demandando uso de energia, uso de transporte. O impacto é muito grande hoje dentro da cidade para suprir as nossas necessidades. A indústria da moda é altamente impactante hoje na questão dos recursos hídricos. Então, quanto mais cresce a população, você precisa de mais roupa, mais alimento, você precisa de mais demanda de energia para suprir as gerações de equipamentos eletrônicos. Hoje as cidades não estão transitando para o novo modelo, praticamente elas são insustentáveis.
MN – Qual a proposta para melhorar isso?
Rodrigo Más – Modelos de cidades inteligentes. Cidades que têm coleta seletiva, que têm usina de tratamento de lixo, que têm energia alternativa, que contam com divisão modal alternativa, veículos elétricos, bicicletas, pessoas que utilizam mais transporte coletivo do que individual, modelos de educação ambiental voltado para o consumo. As pessoas estão com consumismo exacerbado, as pessoas estão consumindo por consumir. Elas ainda não entenderam que cada coisa que elas consomem demandou a matéria-prima, demandou o uso do recurso natural. Então, assim, os nossos desejos são insaciáveis, mas os recursos são finitos. Você precisa de modelos de cidades inteligentes que propõem medidas mitigadoras e alternativas para quebrar esse consumo forte.
MN – Vivemos um fruto disso atualmente?
Rodrigo Más – O que gente está vivendo hoje, essa ausência de chuva, essa atmosfera carregada, já é fruto, já é consequência desse modelo de exposição urbana sem preservação ambiental.
MN – O que falta para Marília se tornar uma cidade que cuida do meio ambiente?
Rodrigo Más – Essa transformação é uma transformação para curto prazo. Você precisa tomar medidas emergenciais. Por exemplo, quais são as medidas emergenciais hoje na cidade? A cidade não tem capacidade de recurso hídrico para atender a população, sobretudo as que estão nas regiões periféricas. Outra questão é a represa Cascata. É uma discussão interminável. Todo o período desse ano ela é impactada. Todos nós já sabemos que existe um calendário sazonal. Agora, para o final do ano, haverá chuvas recorrentes. Então, todo mundo sabe que vai ter deslizamento, vai ter desabamento em torno das chuvas. Assim também é esse período que nós estamos agora. Nós já sabemos que vamos enfrentar estiagem e seca. Porque não tem planejamento. Então, precisa de um planejamento de curto prazo, que é a questão de emergenciais que falta hoje na cidade.
MN – Pode dar um exemplo de algo que precisa ser implantado?
Rodrigo Más – Por exemplo, não tem coleta seletiva. Precisa implantar logo de cara. A questão dos catadores, por exemplo. Você não tem uma organização do setor dos catadores recicláveis hoje. Você precisa organizar, não só do ponto de vista da pessoa jurídica, mas no ponto de vista operacional. Precisa dar um aporte para eles de dinheiro público, porque a sociedade mariliense não entendeu ainda a função socioambiental do catador. Na medida que o catador recolhe aquele volume que você colocou para fora como lixo, ele recolhe o que dá para ser reaproveitado, reciclado. Ele está diminuindo o volume que a gente paga no transbordo. Ou seja, ele dá uma mitigação no gasto do dinheiro público. Em contrapartida, ele não tem nada do poder público. Então, nós precisamos pegar essas pessoas, organizá-las, dar condições de trabalho para elas. Não podem ser personagens invisíveis no desenho urbano. Precisamos tirar elas da precariedade da relação do trabalho. Então, nós temos umas pautas emergenciais.
MN – Quais pautas que você classifica de médio prazo?
Rodrigo Más – As pautas de médio prazo são aquelas que a gente pode começar a trabalhar, por exemplo, com ecopontos, começar a trabalhar com uma perspectiva, trabalhar projetos para a instalação de uma usina de lixo, ampliar a coleta seletiva na região central e nas quatro zonas da cidade, esse é médio prazo. E a longo prazo, você vai fazer uma análise para 15, 20 anos, para que você tenha uma estimativa populacional de Marília. Marília daqui 20 anos. Qual vai ser a população de Marília? Vamos supor, um exemplo, ela vai atingir 400 mil habitantes? Ela pode atingir 400 mil habitantes. Ela vai precisar de equipamento público, comunitário, para atender a demanda. Ela vai ter uma oferta grande de implementação de cisternas, captação de águas de chuva, sobretudo nos prédios públicos? Existe uma lei para a implantação de cisternas na cidade? Ela já existe e está sendo cumprida? Precisamos de uma arborização programada, com espécies capazes de fazer o sequestro do CO² que é derramado na cidade. Você precisa prever o futuro com ferramentas que darão resultado para essa população, que pode chegar daqui 15, 20 anos, uma população de 80, 90 até 100 mil habitantes a mais. Esse seria o longo prazo.
MN – Como você tem visto as campanhas políticas?
Rodrigo Más – Eu vejo que a pauta é levantada, só que eu percebo que a pauta precisava ser mais aprofundada. Eu vi propostas interessantes, por exemplo, do parque linear dentro da cidade, que é uma proposta interessante. Eu tenho um filho que tem sete anos, oito anos e minha filha tem dez anos. Eu gostaria de levá-los em um local para que eles tenham informações, um curso, um workshop. Que possam passar um dia ali, ou que seja algumas horas, sobre educação ambiental. Onde eu levo eles? Eu não sei te falar. A cidade não tem programa de educação ambiental. Então isso é terrível. Eu posso ficar aqui falando para você cinco horas sobre o meio ambiente, o dia inteiro, mas se a gente não tiver nada sobre educação ambiental, nada vai acontecer, porque toda mudança começa pela educação. Toda mudança começa pela tomada de consciência. Em Marília não tem educação ambiental.
MN – Os candidatos se preocupam com a questão da educação ambiental?
Rodrigo Más – Paralelamente a essas ações que nós precisamos tomar, nós precisamos também iniciar uma educação ambiental. Eu estou vendo entre os candidatos algumas propostas interessantes, outras eu vejo que são certas falácias, mas eu penso que deve ser mais aprofundada essa questão. Porque a pauta do meio ambiente não é uma pauta bonitinha no discurso político. Para o candidato que ainda não entendeu que a questão ambiental é uma relação estratégica de governabilidade, ele ainda não está preparado para ser gestor de uma cidade igual a Marília. Meio ambiente é uma relação estratégica de agenda pública, de política pública. Está incluído água, está incluído esse impacto ambiental que nós estamos sofrendo agora, com esse calor exaustivo. E aí, o que a gente vai fazer com essa temperatura que cada vez sobe mais? Então, quando eu for construir uma creche, um curso de saúde, eu tenho que pedir para o arquiteto observar as relações da carta solar, as relações de ventilação cruzada, as relações térmicas desse prédio. Eu não posso construir um prédio que não foi observado isso, pois depois eu vou ter que instalar ar-condicionado em tudo, por faltar a ventilação no prédio.
MN – É algo que precisa ser estratégico do próximo governo?
Rodrigo Más – É uma pauta muito estratégica que todo candidato tem que aprofundar nela hoje. É um caminho sem volta para a questão ambiental. Tem um que eu percebi que ele tem uma consistência, sim. Porque ele propõe um projeto que é executível. É um projeto que coloca a cidade em outro patamar. Está precisando urgente desse projeto que ele propôs. Ele fala como ele vai fazer. Pretende buscar recursos. Eu estou aí há mais de 10 anos nessa área e tem recursos dentro do Ministério da Cidade. Tem vários recursos aí que dá para buscar e realizar esse projeto, sim.