Entidades se unem e denunciam ‘regime manicomial’ no tratamento do autismo
Uma denúncia formal sobre violações de direitos humanos relacionadas ao tratamento de pessoas autistas no Brasil foi recebida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A queixa, apresentada pela Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil), Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), e Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI), aponta o excesso de horas de terapia imposta a pessoas autistas e assemelha a nova demanda a uma “forma de submeter o autista a regime manicomial”.
O texto argumenta que a prática de submeter pessoas autistas a longas jornadas terapêuticas, muitas vezes excedendo 40 horas semanais, configuraria um controle desproporcional sobre suas vidas. A abordagem apontada estaria sendo justificada pela premissa de que mais horas de intervenção terapêutica supostamente resultariam em melhores resultados de desenvolvimento.
As entidades, no entanto, contestam a alegação e afirmam que a demanda não leva em consideração as necessidades individuais, o direito à autodeterminação e a dignidade da pessoa autista. O excesso de horas de terapia, segundo o documento, comprometeria a possibilidade de engajamento em outras atividades essenciais para o desenvolvimento humano, como momentos de lazer, educação formal e interação social espontânea.
A denúncia é assinada por Guilherme Almeida, da Autistas Brasil; Jéssica Borges, da Abraça; e Luciana Viegas, da VNDI. O dossiê apresentado afirma que a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), que é um dos métodos amplamente utilizados no tratamento de pessoas autistas, é criticada por desconsiderar as necessidades e preferências das pessoas autistas, resultando – muitas vezes – em práticas abusivas.
A denúncia levanta preocupações éticas e científicas sobre o uso intensivo e prolongado da terapia ABA, destacando que sua eficácia é frequentemente questionada e que os benefícios a longo prazo seriam limitados. Além disso, o documento alerta para os efeitos negativos da ABA, que incluiria o estresse pós-traumático (TEPT), resultante da pressão contínua para suprimir comportamentos naturais e se conformar a padrões neurotípicos.
Segundo as entidades, os impactos psicológicos e sociais do “regime manicomial” podem resultar em estresse crônico, ansiedade, e uma sensação constante de inadequação em pessoas autistas. A queixa aponta que ABA, em particular, tem sido associada ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático em algumas pessoas autistas, devido à natureza intensiva e muitas vezes coercitiva das intervenções.
O dossiê aponta ainda que laudos médicos prescrevem o mesmo tratamento para pacientes TEA de níveis de suporte diferentes, desconsiderando as diferentes características e necessidades de cada indivíduo e o nível de suporte.
A denúncia argumenta também que o “regime manicomial” violaria os direitos humanos das pessoas autistas, uma vez que impõe um controle excessivo sobre suas vidas e desrespeita sua dignidade e autonomia. Tal prática contrariaria os princípios da neurodiversidade, que reconhecem o autismo como uma variação natural da condição humana.
“Recomendamos a capacitação de profissionais de saúde, educação e assistência social em abordagens neuroafirmativas que respeitem a dignidade e a autonomia das pessoas autistas, evitando a imposição de um regime manicomial através das terapias. Essa capacitação deve incluir a conscientização sobre os riscos associados ao excesso de horas de terapia e à aplicação intensiva de métodos como a ABA, e a promoção de práticas que valorizem a individualidade e a inclusão”, afirma o documento.
As entidades Autistas Brasil, Abraça e VNDI também citam como base da queixa tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), para sustentar a sua argumentação. O Brasil, como signatário desses tratados, tem a responsabilidade de garantir a liberdade, a dignidade e a autodeterminação das pessoas autistas.
A denúncia finaliza com uma solicitação de intervenção urgente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O documento pede investigação e monitoramento das práticas terapêuticas, regulação das práticas terapêuticas, capacitação de profissionais em abordagens neuroafirmativas, e promoção de políticas públicas inclusivas que garantam a inclusão plena das pessoas autistas na sociedade.
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