A foto que enfrenta a guerra
Vem de Gaza, no Oriente Médio, uma foto que me comoveu muito. O registro fotográfico foi feito pelo jornalista Ramadan Abed, da Reuters, correspondente no conflito entre o exército de Israel e os milicianos do Hamas (fortemente concentrados nesta faixa territorial que desde outubro passado é palco de violência, atrocidades e mortes). Uma criança, ao que tudo indica uma menina de uns três anos de idade, de óculos, de touquinha, recebe uma dose da vacina contra a poliomielite.
Um ato que aqui para nós brasileiros é tão singular, comum, o de levar uma criança menor de cinco anos para se imunizar contra uma doença prejudicial, entretanto em áreas de conflitos, este ato converte-se numa operação de guerra, literalmente.
Neste distrito em Gaza, onde o repórter Ramadan realizou a cobertura jornalística, 187 crianças – entre elas a pequena de óculos – conseguiram receber a imunização contra a pólio. A cena me comoveu muito justamente porque uma criança deve ter o direito à infância assegurado em qualquer lugar do mundo, tanto aqui no Brasil quanto na Faixa de Gaza ou nos bairros de Jerusalém e nos pampas da Argentina. Criança é criança em qualquer lugar desta Terra.
Recordo que justamente por uma foto – de uma menina também – feita em 1972 pelo repórter-fotográfico Nick Ult pôs fim ao insano conflito no Vietnã. A guerra, que havia iniciado na década de 1950, custou bilhões para os Estados Unidos (sepultou com a carreira política do presidente Richard Nixon, diga-se de passagem) e limitou os sonhos de gerações de americanos e de vietnamitas. A foto da menina do napalm, totalmente indefesa, com os braços abertos, correndo para o nada, onde nem poderia estar protegida, abalou o globo. O pânico de Phan Thi, aos nove anos naquele junho de 1972, traduziu o que o mundo pensava do embate.
Pode ser que a ternura e a inocência captadas por Ramadan Abed na garota sendo vacinada em Gaza não tenham o mesmo efeito nas mentes que decidem o mundo, entretanto, seu recado foi muito bem dado: a vida pulsa e precisa de esperança nos mais remotos lugares deste mundo.
E um jornalista precisa estar ali para que a mensagem possa chegar à opinião pública. A opinião pública, por sua vez, esta sim, tem total capacidade de reverter cenários, transformar vidas e sim, colocar fim à insanidade de uma guerra. A opinião pública, movida por uma foto, colocou um ponto final em muitos conflitos e continuará fazendo isso.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (Mustache Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.