Grupo se passa por trabalhadores, interdita rua e furta 3 toneladas de fios de cobre em SP
Parece cena de um filme: um grupo de homens paramentados de prestadores de serviço fecha uma avenida com cones e sinalizadores luminosos, simulando uma manutenção preventiva, e furta cerca de três toneladas de fios de cobre, equivalente a 1,4 km de cabos de telefonia.
O crime só foi percebido no dia seguinte, quando parte dos 45 mil habitantes de Salto de Pirapora (a 124 km da capital) ficou sem telefonia e internet e provocou uma enxurrada de reclamações aos canais de atendimento da Vivo. Até o prédio da prefeitura foi afetado.
O estrago só não foi maior porque um representante da empresa, após constatar o desaparecimento dos cabos, acionou a Guarda Municipal que, com apoio da PM, conseguiu identificar os veículos usados no crime e localizar o grupo em outro pronto da cidade pronto para agir novamente.
Quando os agentes abordaram os suspeitos, na quinta-feira (1º), percebeu-se a sofisticação do plano.
Conforme o registro oficial, o responsável pelos trabalhos, Aryel Wolf Gang Ramos de Andrade, 33, ao ser abordado pelos agentes, apresentou uma ordem de serviço da empresa MA. Serviços de Internet Ltda., do Rio de Janeiro, para retirada dos cabos da rede, que seriam substituídos por outros.
Andrade disse ainda que a empresa MA atendia Telecom, Telemar e Oi. Pelos cadastros oficiais, a MA de fato existe e tem um CNPJ ativo. Além dos papéis indicando uma ordem de serviço, o líder do grupo apresentou uma autorização oficial da Prefeitura de Salto para o fechamento parcial de vias para a retirada dos cabos subterrâneos.
A situação só mudou quando o representante da Vivo chegou ao local. Ele explicou aos policiais que nenhuma ordem havia sido emitida pela Vivo, muito menos para a MA, e que a empresa dele é a única no estado de São Paulo que possui a concessão para cabeamento subterrâneo.
Assim, nem Telecom, Telemar ou Oi teriam cabos a serem retirados. Portando, a ordem era falsa.
A reportagem não localizou a defesa de Andrade.
Os policiais também encontraram em um galpão de uma cidade vizinha (Araçoiaba da Serra) todo o material levado, que ainda tinha as marcas de identificação da Vivo. Dezessete suspeitos de participar do furto foram levados para a delegacia, para prestarem esclarecimento.
Dos documentos apresentados na abordagem, apenas a autorização para o fechamento parcial de ruas, fornecida pela prefeitura local, era verdadeira. Os demais documentos eram falsos, inclusive aqueles apresentados para obter a licença municipal.
O delegado plantonista de Votorantim, que recebeu o caso, decidiu não realizar a prisão em flagrante dos suspeitos e encaminhou o inquérito para ser conduzido pela equipe de Salto de Pirapora. A solução gerou críticas até dentro da própria polícia.
Localizado pela reportagem, o proprietário da MA, Ramon Assis, disse que a empresa está fechada desde 2023, embora o CNPJ ainda esteja ativo. Nos quatro anos de atividade, ainda segundo ele, jamais trabalhou no estado e nunca prestou serviço a grandes empresas, como a Oi.
Disse nunca ter ouvido falar de Andrade, que foi preso pela polícia fluminense em 2018 sob suspeita de ser um dos maiores negociadores de armas do Rio.
“O que mais me surpreende é o delegado ter liberado [o grupo]. Por que não entrou em contato com o suposto proprietário da empresa que estava prestando serviço? Eu fui contratado, então peraí que eu vou ligar pra quem me contratou. Por que o delegado não fez esse papel?”, questiona Assis.
Procurada, a Secretaria da Segurança da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) não explicou por que os suspeitos foram todos liberados e se houve alguma falha na ação do delegado de plantão. Informou que o caso é investigado pela Delegacia de Salto de Pirapora como furto e receptação de fios e cabos.
“Quatro suspeitos são investigados. Foram localizados 1,4 mil m2 [sic] de cabos em um galpão em Araçoiaba da Serra. O material foi apreendido para perícia no IC. As diligências prosseguem para esclarecer todas as circunstâncias do fatos”, diz nota.
Ainda segundo a pasta, durante o registro da ocorrência, foram realizadas as consultas aos sistemas estadual e nacional de Justiça para a busca de mandados contra os investigados, mas nenhuma “solicitação em aberto foi localizada”, incluindo sobre Andrade.
“Também foram realizadas pesquisas relativas à empresa, que se encontrava ativa. A prefeitura do município confirmou a autorização para a interdição da via e a veracidade do documento apresentado pelo grupo”, diz nota.
Procurada, a Prefeitura de Salto de Pirapora apenas confirmou que autorização emitida para a sinalização da via pública era legítima.
Procurada, a Vivo não respondeu sobre o número de clientes afetados, quanto tempo necessário para reparo total do serviço e se esse foi o primeiro caso. Moradores informaram à reportagem que, em alguns lugares, o serviço foi restabelecido apenas na quarta-feira (7), seis dias após o furto.
“A Vivo informa que, assim que identificou uma falha em sua rede, enviou uma equipe técnica ao local, e foi flagrada a ação ilegal. Imediatamente as autoridades locais foram acionadas para a denúncia do crime”, declara a empresa.
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POR ROGÉRIO PAGNAN