Comerciantes pararam de pagar milícia dois meses antes de megaoperação no centro de SP
Comerciantes da região central da capital paulista pagaram mesada a milicianos há até cerca de dois meses antes da megaoperação policial da última terça-feira (6) contra a esteira de atividades criminosas que funciona a reboque da cracolândia.
A informação foi dada à reportagem por um dos empresários que realizava os pagamentos. Ele pediu para não ser identificado por temer represálias.
Entre os alvos da ação desta semana estavam guardas-civis metropolitanos apontados como lideranças de um esquema de extorsão contra proprietários de lojas em troca de proteção, segundo o Ministério Público.
Sob condição de anonimato, empresários contaram à reportagem em junho de 2023 terem sido coagidos a pagar R$ 150 mil, em parcelas mensais de R$ 30 mil, para que centenas de usuários de drogas fossem retirados de uma área de comércio do bairro Campos Elíseos. Foi um desses comerciantes que confirmou que os pagamentos foram interrompidos há dois meses.
Não é possível afirmar, porém, que a milícia citada pelo empresário seja a mesma que foi alvo da operação de terça.
Após o início dos pagamentos, no ano passado, os dependentes químicos se deslocaram para o bairro Santa Ifigênia, cerca de 1 km distante. Na ocasião, forças de segurança estadual e municipal também realizaram ações na região. Não há prova de que a cracolândia tenha mudado de lugar devido ao pagamento da mesada.
Uma pessoa que dizia representar esse grupo de segurança paralelo, porém, mandava imagens por Whatsapp das ruas livres do fluxo durante à noite para comprovar a eficácia do achaque. A reportagem teve acesso a alguns desses vídeos.
Na época, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) confirmou a existência de um inquérito para apurar denúncias de extorsão contra comerciantes na região. Até a publicação deste texto o órgão não havia informado se houve desfecho para investigação.
Após o término do acordo, segundo um desses comerciantes, o grupo manteve pagamentos por temer a volta da cracolândia para a porta dos estabelecimentos. Ele diz que era uma atitude desesperada para evitar a falência devido à fuga de consumidores.
Com o aumento do policiamento e redução significativa da presença de usuários de drogas, comerciantes passaram a se sentir seguros a interromper a mesada ao crime, diz o empresário.
Nos últimos meses apenas alguns mantinham a mesada paga em espécie, entregue dentro de envelope ao representante da organização paralela de segurança. Isso fez o valor minguar e o último pagamento ficou abaixo de R$ 2.000.
A pessoa que conversou com a reportagem diz não saber se havia envolvimento de policiais ou guardas municipais, mas o intermediário responsável por coletar os pagamentos dava a entender que mantinha contato com agentes das forças oficiais de segurança. Esse porta-voz é conhecido por manter negócios relacionados a pequenos hotéis na região.
A megaoperação deflagrada para desmantelar um ecossistema de atividades econômicas ilícitas concentradas no centro de São Paulo prendeu nesta terça-feira 15 pessoas, incluindo cinco com mandado e dez em flagrante, e interditou ou autuou dez estabelecimentos. Uma outra pessoa que estava com mandado em aberto se entregou em uma delegacia nesta quarta (8).
As práticas investigadas incluem a atuação de milícias com agentes da segurança municipal, a venda ilegal de armas, a exploração do trabalho de pessoas em situação de vulnerabilidade, a receptação de produtos de furto e roubo e o tráfico de drogas, entre outros crimes –tudo sob controle territorial do PCC (Primeiro Comando da Capital) na região.
Segundo o Ministério Público, três guardas-civis metropolitanos lideravam milícias que extorquiam dinheiro de comerciantes em troca de proteção contra crimes que se concentram no centro da capital.
A investigação aponta ainda que favela do Moinho é uma espécie de quartel-general do PCC na região. O local funcionaria como fonte de abastecimento do tráfico de drogas da cracolândia.
Segundo a investigação, a favela é monitorada por um esquema permanente de vigilância. De acordo com o Ministério Público o suspeito de liderar o trafico de drogas no centro é Leonardo Monteiro Moja, o Leo do Moinho, um dos presos na operação desta terça.
Ele estava em liberdade condicional desde 2023 e é apontado como o real proprietário de uma série de hotéis e comércios na região registrados no nome de laranjas.
Esses e outros hotéis investigados não têm alvará de funcionamento e servem como local de consumo de drogas e de prostituição, inclusive de adolescentes, além de entreposto para cargas de drogas e para produtos oriundos de furto e roubo.
Na tarde desta quarta-feira (7), um dia após a operação que mobilizou cerca de mil agentes públicos, a região da cracolândia se mantinha em aparente tranquilidade.
A maior concentração de dependentes químicos seguia na rua dos Protestantes, na Santa Ifigênia, sob o olhar de guardas-civis metropolitanos. Outros usuários ocupavam o canteiro central da avenida Duque de Caxias na altura da rua dos Andradas.
O policiamento em Campos Elíseos e na Santa Ifigênia seguia reforçado, com a presença de diversas equipes da Polícia Militar e da GCM a pé e em veículos.