Usuários celebram descriminalização da maconha, mas veem pouco efeito prático na decisão do STF
A descriminalização do porte de maconha para uso pessoal pelo STF (Supremo Tribunal Federal) foi recebida como vitória por usuários da droga ouvidos pela reportagem, mas a avaliação de que pouco muda na prática também é consenso.
MC Sombra, 48, que é cantor de hip-hop, conta que fuma maconha há 20 anos e diz defender uma pauta mais ampla. “Me posiciono pela legalização.”
Para ele, um avanço real seria a autorização para o cultivo caseiro de cannabis. “É a principal forma de a gente sair da margem [da sociedade].”
MC Sombra conta que bebia muito quando jovem e que a maconha o ajudou a controlar a bebedeira. “Para mim, o álcool é uma droga muito mais potente. A maconha para mim foi redução de danos.”
Fumar maconha continua sendo proibido em qualquer situação, e o porte da droga segue como ato ilícito. O que muda com a descriminalização é que o usuário não será mais submetido a um processo criminal, mas sim autuado por uma infração administrativa, podendo sofrer uma advertência ou ter de se submeter a cursos.
O gerente de produto Guilherme Makki, 32, vê a descriminalização como um primeiro passo para a “autonomia individual de cada um”, algo que abre caminho para que um dia estejamos discutindo a legalização do uso recreativo da maconha no Brasil também chamado de uso adulto ou uso social.
Quanto à decisão do Supremo, Makki avalia que o principal ponto é a definição do que configura porte e do que deve ser enquadrado como tráfico, análise ainda pendente. O julgamento, que começou em 2015, ainda não terminou, e a expectativa é que nesta quarta (26) os ministros estabeleçam critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes.
Quatro ministros (Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber) sugeriram em seus votos que a quantidade para configurar uso pessoal seja fixada em até 60 gramas de maconha. Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques e Luís Roberto Barroso defenderam que o limite seja de 25 gramas.
André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux e Dias Toffoli disseram que cabe ao Congresso ou ao Executivo (Anvisa) definir esses parâmetros. Barroso, presidente da corte, adiantou nesta terça que, em busca de consenso, deve propor a quantia intermediária de 40 gramas.
Alguns ministros também votaram a favor do cultivo caseiro, e para isso estabeleceram a quantidade de seis plantas fêmeas. A expectativa é que essa discussão também seja retomada nesta quarta-feira.
“Isso seria ótimo [autorização para cultivo]. Você conseguiria fumar algo que realmente sabe o que é. E tiraria um pouco do poder do tráfico, ao menos do tráfico de maconha”, afirma o educador Carlos Rodrigues, 63, que desde 2017 atua na organização da Marcha da Maconha São Paulo.
Ele avalia que a descriminalização pode reduzir o encarceramento, mas acredita que “a polícia vai continuar forjando” flagrante.
“Mesmo que você defina quantidades [para diferenciar usuário de traficante], na prática o policial que quiser prender alguém na periferia vai continuar forjando”, diz Rodrigues.
Reportagem da Folha publicada na última sexta (21) mostrou que, de acordo com um estudo do Insper, para a polícia de São Paulo a diferença entre um traficante e um usuário de drogas pode estar na cor da pele. Segundo o levantamento, 31 mil pessoas pardas e pretas foram enquadradas como traficantes em situações similares àquelas em que brancos foram tratados como usuários.
Cético quanto a avanços na política de drogas brasileira, o jornalista Bruno Ferreira, 41, usuário de maconha e também de CBD (canabidiol) receitado para o tratamento de fortes dores na coluna, diz ter ficado surpreso com a descriminalização.
“Mas sigo crendo que isso só favorece a branquitude”, afirma. “Essa é uma guerra cultural, o que está em jogo é uma coisa muito mais moral do que científica. Acredito que a gente só vai ver a evolução dessa pauta quando ela for interessante financeiramente. Hoje a guerra às drogas ainda parece mais vantajosa, gera mais dinheiro do que a legalização [poderia gerar].”
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POR DÉBORA MELO E ISABELLA MENON