Construção civil tem vagas abertas e ONG forma mulheres para preenchê-las
Com as 14 mulheres sentadas em formato de semicírculo, a voz de Chaylane Araújo Souza, 35, a Chay, chega mais alta que a das outras:
“Se não for para impactar a gente não põe o pé fora de casa.”
A indústria da construção civil agradece. Com problemas para preencher vagas para algumas funções em canteiros de obras, construtoras tentam formar a própria força de trabalho ou contam com iniciativas de ONGs como as do Instituto Mulher na Construção, que as capacita para o mercado.
Há dificuldades para achar funcionários também para iniciativas fora dos grandes centros urbanos e onde seja necessário ficar exposto ao ar livre e às intempéries do tempo.
Segundo dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a construção civil abriu 109.911 vagas nos três primeiros meses deste ano. Trata-se de uma alta de 16,8% em relação ao mesmo período de 2023. Dos 46,2 milhões de trabalhadores contratados em regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), 2,8 milhões estão na construção civil.
“Obras que expõem pessoas a condições climáticas fazem com que a mão de obra busque uma alternativa de remuneração com exposição menor. Gerações mais novas preferem outros serviços também em que possam controlar horários. O ambiente da obra é dinâmico e tem seu tempo de vida. Precisamos treinar pessoas porque sabemos que em breve haverá outra obra”, afirma Marcio Carvalho, diretor de Recursos Humanos do Grupo Turita.
Para a holding, dona de empresas que executam empreendimentos de infraestrutura, mineração e industrialização, nenhuma necessidade é tão grande quanto formar rasteleiros. É a função responsável pelo acabamento e reparo na pavimentação asfáltica. Quando o asfalto é jogado no solo, o rasteleiro vem atrás espalhando e nivelando a substância.
Companhias do Grupo Turita e de outras construtoras promovem cursos de especialização para moradores próximos ao canteiro de obras.
Há lacunas também nos cargos de operadores de máquina, pedreiro, pintor, motoristas de alguns tipos de carreta, caminhão com caçamba basculante e retroescavadeira.
Chaylane participa do curso teórico e prático do Mulher em Construção para parte elétrica, hidráulica e de pintura, mas seu sonho é outro.
“Quero tirar também a carteira D para dirigir caminhão. Mas o que eu quero mesmo é ser motorista de retroescavadeira.”
Corretora de imóveis que não vende nada há mais de um ano, ela é uma das que tenta uma das vagas disponíveis na linha 15 do metrô. Das 14 que participam das aulas, algumas serão indicadas para a obra de acordo com perfil, assiduidade e comprometimento, segundo o Mulher em Construção.
Surgido no Rio Grande do Sul, o instituto afirma já ter formado 6.500 mulheres em oito anos de existência.
“Você vê a transformação das mulheres. Muitas dizem que estavam em depressão, com a vida perdida. Só de terem sido chamadas, selecionadas, de aprenderem algumas coisas e conseguirem um emprego, a gente vê a mudança. Há o resgate da autoestima, da possibilidade de ter escolhas. Muitas têm relações complicadas na família”, afirma Bia Kern, fundadora do Instituto.
A demanda é tão grande que o instituto tem adaptado seus cursos pela necessidade das empresas. Se há vagas para uma função e a ONG não tem aulas programadas para ela, vai atrás de parcerias, outras organizações ou instrutores que possam formar as profissionais.
É uma oportunidade rara para elas. Várias jamais tiveram um emprego formal, de carteira assinada.
“Há um estranhamento também para os homens. Vamos até a equipe que vai trabalhar com elas, damos palestra, explicamos que são mulheres de baixa renda, às vezes em situação vulnerável, que podem vir de trabalhos de faxina, da lojinha da amiga…”, explica Marília Freitas, líder em projetos do Mulher em Construção.
Estar em um canteiro de obras poderia ser motivo de horror para a família de Lara Scarlett Lima Moreira, 43. Ela saiu de Mongaguá (litoral paulista) para São Paulo, ao lado dos dois filhos, para encontrar emprego. Em sua cidade natal, havia trabalhado em funerária, balconista e operadora de caixa. Busca algo mais efetivo.
“Eu sempre fui a ovelha negra da família. Minha criação foi para ficar em casa. Já ouvi várias vezes que, se tivesse marido, não passaria dificuldades. Mas eu não sou assim. Quero fazer as coisas por mim”, diz.
O nome Scarlett vem de Scarlett O’Hara, protagonista do livro e filme “…E o Vento Levou”, uma mulher de personalidade forte e independente,.que reconstrói a fazenda de algodão da família após a Guerra da Secessão (1861-1865) dos Estados Unidos. Lara se identifica com isso.
É uma história comum entre as que buscam vagas na construção civil ou em outras grandes empresas via o Mulher em Construção. Todas querem independência financeira e especialização profissional depois de fazerem diferentes trabalhos.
“Pintura orgânica está na moda. Isso me interessa. Quero me especializar”, diz amires Bianca da Silva, 29. Ela é bombeira civil e tem feito feito entregas com moto nos últimos tempos.
Para as responsáveis pelo Mulher em Construção, as alunas oferecem uma visão diferente na construção civil.
“Os produtos de hoje são muito modernos e as mulheres entram com olhar diferenciado para essa questão da tecnologia, da segurança e da sustentabilidade. A problemática é a falta de educação. Se há vagas, elas precisam ser capacitadas. A maioria já tentou muitos trabalhos diferentes”, completa Bia Kern.
Poucas tentaram tanto quanto Chaylane. Além de corretagem de imóveis, ela é manicure, esteticista, massoterapeuta e delineadora de sobrancelha.
Todas funções identificadas com mulheres, ela mesmo reconhece.
“Mas eu sou muito mais do que isso.”
Chay quer ter seu próprio negócio. Em vez de trabalhar para uma construtora, deseja ter uma empresa do setor.
“Quero dar chance a mais mulheres. Não é fácil, mas comigo é assim. O céu é o limite.”
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POR ALEX SABINO