‘A gente é a Justiça mais célere e a mais efetiva’, garante a juíza Daniele Comin Martins
Daniele Comin Martins, juíza do Trabalho, tem uma história marcada por determinação e paixão pelo Direito desde os tempos de estudante. Nascida e criada em Marília, Daniele iniciou sua jornada acadêmica cursando simultaneamente Direito no Centro Universitário Eurípedes de Marília (Univem) e Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Hoje ela atua no mesmo lugar em que começou a trabalhar como estagiária.
Após sua formação, Daniele sentiu uma inclinação para a docência e decidiu investir em sua formação acadêmica, quando obteve o mestrado em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Durante os primeiros anos como professora, lecionou em diversas disciplinas, desde Teoria do Direito até Direito Penal, em diferentes instituições de ensino.
Sua dedicação à educação não se limitou às salas de aula das universidades. Daniele também se envolveu em atividades de extensão, como o trabalho voluntário de assessoria jurídica popular, onde prestava auxílio a pessoas em situação de vulnerabilidade, lidando com casos complexos que iam desde questões criminais até assistência às famílias em dificuldades.
Paralelamente ao ensino e ao trabalho voluntário, Daniele se dedicou aos estudos para concursos públicos, onde enfrentou desafios e resistências, especialmente em relação à primeira fase dos exames, que exigiam uma preparação intensiva baseada na memorização literal da legislação. No entanto, sua perseverança e compromisso a levaram a superar estes obstáculos, sendo aprovada para sua carreira na magistratura.
Desde então, Daniele tem se destacado em sua atuação como juíza do Trabalho, enfrentando jornadas extenuantes e desafios constantes. Seja lidando com a complexidade das leis trabalhistas ou administrando suas responsabilidades como juíza auxiliar em Marília, Daniele demonstra um comprometimento incansável com a Justiça e o bem-estar dos jurisdicionados.
Ela encontrou um espaço em sua agenda para atender a equipe do Marília Notícia e contar um pouco de sua incrível história.
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MN – Como foi sua infância aqui em Marília?
Daniele – Nos primeiros anos de vida eu morava lá perto do Colégio Bezerra, na rua Eurípides Soares da Rocha. Estudei no colégio público ali perto, no Antônio Gomes de Oliveira. Depois eu fui estudar no Cristo Rei. O meu pai é aposentado e trabalhou a vida inteira no Banespa. O nome dele é Luiz Carlos Martins. A minha mãe é dona de casa. Dona Marli. Depois de bastante tempo a gente mudou para o Jardim Maria Izabel. Eu já era adolescente.
MN – Você se formou em duas faculdades simultâneas aqui em Marília?
Daniele – Fiz Direito no Univem e Ciências Sociais na Unesp. Eu passei pelas duas faculdades ao mesmo tempo e, nessa época, fui estagiária aqui da 2ª Vara do Trabalho, entre os anos de 1999 e 2000, sendo que eu me formei em 2001. Decidi fazer mestrado e fui para Florianópolis. Eu namorava um colega da faculdade e fiquei grávida. A gestação da minha dissertação foi acompanhada de uma gestação de um neném também.
MN – Sua filha está seguindo seus passos?
Daniele – Minha filha, Isis Martins de Moraes, que hoje tem 22 anos, é filiada ao PSOL e pré-candidata ao cargo de vereadora aqui em Marília. Assim como eu fui, ela é estudante de Direito e de Ciências Sociais.
MN – Deve ser um orgulho bem grande ver sua filha trilhando esse caminho?
Daniele – Muito, muito. É uma menina maravilhosa. Muito estudiosa. Muito empática. Muito preocupada com a sociedade e com as pessoas. Ela e duas amigas fizeram uma página no Instagram, chama Movimento Delas. Uma página sobre o direito das mulheres, que fala sobre a situação de violência contra a mulher e sobre a questão feminina. Faz um ano mais ou menos que ela se filiou ao PSOL, e resolveu sair agora como pré-candidata. Ela é representante também da Mulher Jovem na Câmara de Marília. Está aí na luta dela, construindo sua própria história.
MN – Você e sua filha convivem com vários animais de estimação?
Daniele – Temos 11 bichos. São quatro cachorros, seis gatos e um coelho. Desses seis gatos, são cinco internos: quatro machos e uma fêmea, que moram com os cachorros. A maioria dos gatos é resgatada. Temos uma gata que mora dentro de casa com a gente. Porque ela não aceita os outros que ficam lá fora. Temos ainda uma gata agregada, que mora na garagem. Além do coelho que se chama Antônio Cláudio Coelho. Amamos os bichos. Eu especialmente sou muito apaixonada pelos bichos. Eu não tenho empregada e cuido pessoalmente deles. Levo os cachorros para passear todo dia.
MN – Eles te ajudam a esquecer um pouco do trabalho?
Daniele – Os bichos são bem importantes. Eles fazem uma parte terapêutica porque o trabalho é muito estressante. Me movimento todos os dias saindo com eles, fazendo uma caminhada. Cuidando deles mesmo. Isso ajuda a dar uma espairecida. Porque aqui a energia, às vezes, não é muito boa.
MN – Por causa dos problemas que as pessoas trazem para solução aqui na Vara do Trabalho?
Daniele – Às vezes você sai mais carregado da audiência. Porque muitas vezes temos processos que envolvem doença, acidente, acidente com perda de membro, pessoa que perde um dedo, perde mão, perde braço, perna ou que até mesmo morre durante o trabalho. Esses casos são muito tristes e trazem uma carga emotiva muito grande.
MN – Antes de se tornar juíza você foi professora?
Daniele – Quando eu me formei, achei que tinha uma aptidão para ser professora. Fui fazer mestrado em Santa Catarina. Eu fiz mestrado na Universidade Federal em Direito mesmo e fui dar aula. Eu morei nove anos no Paraná.
MN – Morou onde lá?
Daniele – Eu morei em Cascavel. Fui lá primeiro para dar aula em uma faculdade particular. Depois eu fiz concurso e entrei numa universidade estadual para dar aula. Minha área do mestrado é a parte de Teoria e Filosofia do Direito, mas eu dava aula de tudo. Houve uma época na minha vida que eu dava aula nas duas faculdades e trabalhava 80h por semana. Normalmente, a professora tem o limite de 40 horas, mas como eu tinha carga máxima nas duas universidades, então eu dava aula todas as manhãs, todas as noites e todas as tardes tinha atividade de extensão.
MN – Além das aulas, ainda tinha tempo para fazer outras atividades?
Daniele – Eu tinha um grupo que atendia na favela da cidade, que se chamava Assessoria Jurídica Popular. Atendíamos aqueles casos mais complicados, pessoas mais pobres, que não tinham dinheiro nem pra ir ao escritório das faculdades. Tinha muito caso de criança abandonada, pais com uso de droga, fiz muito criminal. Eu dei aula de Direito Penal por muitos anos. Foram cinco anos dando aula de Direito Penal. Quando você vai ser professor, você acaba ministrando muitas disciplinas.
MN – Você foi professora de quais matérias?
Daniele – Eu dava aula de Teoria do Direito, Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, História do Direito, que é a parte que eu sou apaixonada, entre várias outras. Acabei ficando só na universidade pública e advogava. Fui advogada de sindicato de trabalhador lá, só que eu estava um pouco insatisfeita. As universidades no Paraná remuneram muito mal o professor. É diferente aqui da Unesp ou da USP, que a remuneração é melhor.
MN – Qual foi sua decisão para melhorar a situação financeira?
Daniele – Eu pensei em fazer um doutorado para melhorar um pouquinho o meu salário, mas também comecei a pensar em prestar algum concurso. Tinha alunos muito bons na universidade pública e vários saiam de lá e conseguiam passar em concurso bom. Então eu decidi começar a estudar. Comecei a fazer algumas provas, mas eu tinha muita resistência ao estudo para a primeira fase. As primeiras fases de concurso são muito decorativas. Só cai a literalidade da lei. Então você tem que decorar a lei, mas tem muitas vezes que a lei tá errada, sabe? Eu sempre fui muito estudiosa e sempre gostei de fazer a interpretação da lei. Então eu ficava indignada. Comecei a dar aula em cursinho preparatório também. Quando eu comecei a analisar as provas de técnico e analista, que é esse pessoal que trabalha com a gente, eu percebi o porquê que a prova era daquele jeito, de decorar. Eu entendi que eles faziam isso porque, se não fizessem dessa forma, a questão era anulada. Quando eu entendi isso, passou a minha resistência de decorar.
MN – Já fazia tempo que você estava estudando?
Daniele – Eu já vinha estudando muito há muito tempo. O fato de dar aula de muitas disciplinas, me ajudou. Fui tendo que estudar muito diversos disciplinas para ensinar. Então eu fiz umas 10 provas e não passei nada. Quando eu consegui romper essa minha resistência e passei na primeira fase, aí eu passei em todas de uma vez.
MN – Quando você finalmente passou e conseguiu entrar para a magistratura?
Daniele – Foi em dezembro que eu tomei posse. Em dezembro de 2011. Foi quando eu voltei para cá.
MN – Foi coincidência ter voltado para Marília?
Daniele – O tribunal daqui, da 15ª, é um dos mais difíceis que tem. Eu nunca tinha nem sonhado em passar aqui, mas deu tudo certo e eu tive uma contribuição da divindade. Voltei para cá e comecei a trabalhar com a juíza com quem eu fui estagiária.
MN – Quem era a juíza?
Daniele – A Keila Nogueira, que hoje é desembargadora no Tribunal. Ela foi promovida no ano passado.
MN – Para ela deve ter sido uma felicidade grande ver que você tinha sido estagiária e retorna para cá para ser colega?
Daniele – Muito. Trabalhamos muitos anos juntas aqui. Eu fui auxiliar fixa da Vara por uns cinco anos com ela, mais ou menos. Até que houve a extinção, porque o juiz substituto é aquele que ainda não tem uma Vara. Então ele fica circulando por vários lugares. É muito ruim a vida de substituto, porque você pode ter que ficar viajando e isso é ruim e muito desgastante. Na Justiça Comum, o juiz logo fica dono de uma Vara. Porque tem muita Vara em qualquer cidade pequenininha, mas a Justiça do Trabalho é só em cidade maior. Então são poucas Varas.
MN – Demora muito tempo para você se tornar juiz titular?
Daniele – Atualmente está demorando uns 18 anos para se tornar dono de uma Vara. Então você acaba tendo que ficar, por exemplo, viajando.
MN – Você teve que viajar muito ou não?
Daniele – Muito. Tive que viajar muito. A cidade mais longe que eu fui foi Mogi Guaçu. Na estrada tinha uma placa indicando o caminho para Belo Horizonte. Tinha que ir e voltar, pois eu tenho família e tenho filha aqui. Tenho meus bichinhos. A fixação é o que melhora um pouco a vida do substituto. Porque você acaba ficando numa Vara, dividindo o serviço com o titular. Em 2019, o Tribunal estava com muito pouco juiz e extinguiu a fixação. Aí eu tive que voltar a viajar. Em 2021 voltou a ter fixação e eu voltei a ser fixa aqui de novo.
MN – É um juiz auxiliar para cada Vara aqui em Marília?
Daniele – Antes era um juiz auxiliar para cada Vara. Agora sou só eu nos dois. Eu faço audiência aqui na 2ª Vara uma semana e na outra semana lá na 1ª Vara. Divido o serviço com os dois juízes.
MN – E você tem muito trabalho por aqui?
Daniele – Eu sempre trabalhei muito, mas depois que eu tomei posse como juíza, passei a trabalhar mais ainda. Os primeiros dois anos é muito difícil. Porque você é muito cobrado. É o período que a gente chama de vitaliciamento. Tudo que vem de sentença no mês, você tem que julgar naquele mês mesmo. Você não pode virar o mês com sentença. É como se fosse um período de experiência. Tem que estar sempre em dia. E a cada seis meses você manda relatório com uma amostragem percentual das suas sentenças e das suas atas de audiência. Graças a Deus, eu sobrevivi.
MN – O volume de trabalho é bem grande por aqui?
Daniele – Hoje em dia, o que era serviço de quatro juízes, agora, estamos fazendo em três. Subiu de novo bastante o volume. Quando a gente fica doente, a gente faz de tudo para continuar trabalhando e não se afastar. Porque se eu me afasto, prejudico os meus dois colegas. Eu nunca quero adiar as audiências. Porque o jurisdicionado, muitas vezes, está esperando seis meses, oito meses para ter a audiência. O adiamento gera um custo para o Tribunal, mas eu sempre falo que o meu compromisso maior nem é com o Tribunal e com os colegas juízes, mas com o jurisdicionado. As discussões dizem respeito a alimentos. Porque o salário é alimento. O trabalhador não trabalha porque quer. Ele trabalha porque precisa para sobreviver. Quando sai um acordo, naquele dia, ele sai daqui com alvará para pegar o seguro-desemprego ou o fundo de garantia. Faz muita diferença na vida dele. A Justiça do Trabalho tem essa preocupação em ser mais célebre. A gente é a Justiça mais célere e a mais efetiva.
MN – Vocês recebem muita cobrança?
Daniele – É uma cobrança absurda. A gente tem o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e o CNJ, que é o Conselho Nacional de Justiça. Eles fazem uma cobrança permanente do nosso trabalho. Nós temos também metas. O processo não pode ficar mais do que 30 dias com a gente. Se ficar, acende uma luz. Eles instauram um procedimento e pedem providências. Se você não regularizar, é instaurado um processo administrativo, que você pode ser até punido.
MN – Existe um preconceito com a Justiça do Trabalho?
Daniele – A Justiça do Trabalho não é bem vista por todo mundo. Tem muita gente, principalmente empresário, que tem um preconceito grande com a Justiça do Trabalho. Isso é um grande equívoco, pois ajudamos muito o empresário também. Se não tivesse Justiça do Trabalho, teria quebra quebra de fábrica e até o pior. A Justiça é uma forma de pacificação social. Ela existe e também serve para o outro lado. Muitos dos acordos que fazem ajudam muito o empregador, pois uma sentença às vezes vai quebrar a empresa que descumpriu a legislação. A legislação existe porque o Congresso Nacional fez. O parlamento fez. Não sou eu, juíza do trabalho, que escolhi a legislação. Eu só aplico a legislação e a constituição. Eu realmente gosto muito do meu trabalho. Faço audiência com muita satisfação para ajudar a resolver.
MN – Você se emociona também? Já chorou em alguma audiência?
Daniele – Teve uma vez que eu me emocionei bastante. Muitas vezes eu saio e choro ali no gabinete. Tem que segurar assim na frente das pessoas, mas teve uma vez que saiu umas lágrimas. Foi um caso muito triste, que a pessoa tinha uma depressão séria e ela relatou tudo. Eu deixo a pessoa falar, pois além da lide jurídica, existe uma lide que a gente fala psicológica. E se as pessoas não desabafam, não conseguem colocar para fora essa carga subjetiva, não sai acordo. A gente é humano e se compadece pelo sofrimento das pessoas.
MN – Vocês ainda se deparam com situações de trabalho escravo?
Daniele – Ainda tem. Normalmente é na área rural. Aqui em Marília eu tomei conta de um processo de condição análoga de escravo na construção civil. Eu lembro que, na época, o caso veio da região de Ribeirão Preto. Fizemos a cobrança aqui, pois a empresa tinha algum patrimônio aqui. Eram trabalhadores que vieram do nordeste e que estavam em situação análoga de escravo em um canteiro de obras.
MN – Como pode ainda acontecer algo assim?
Daniele – Muitas vezes são pessoas com baixa escolaridade, que se acham na clandestinidade, às vezes de outro país e que está regularizado. A pessoa acaba ficando ali com dívida, pois vem já devendo o transporte e alimentação e nunca consegue terminar de pagar. Fiz um curso esses dias sobre essa situação do trabalho análogo à escravidão e a estatística é de que houve um aumento muito significativo nos últimos anos. Não sei se a desregulamentação que a CLT teve em 2017 incentivou isso ou se foi a crise econômica. Sei que o Ministério Público do Trabalho diagnosticou uma quantidade muito grande. Houve um afrouxamento das fiscalizações em todos os âmbitos. Se não tem quem fiscaliza, alguns se aproveitam para explorar.
MN – Tem algum caso de processo trabalhista em especial que você se recorda atuando aqui?
Daniele – Eu peguei um caso, logo no começo, de uma empresa grande da cidade que tinha uma terceirização da vigilância, o que é super comum. Está dentro da lei. Mas dois trabalhadores tinham aquela máquina de dar choque. Não lembro se foi em 2012 ou 2013. Foram no vestiário da empresa e deram esse choque no colega que estava tomando banho no chuveiro. Um deles ainda ficou filmando e espalhou isso. A pessoa estava dando gritos de sofrimento, enquanto os dois riam. A empresa mandou os dois embora por justa causa e vieram aqui reclamar, fingindo que não sabiam o que tinha acontecido. Eu sou muito boazinha, mas fiquei brava. Disse pra eles que podiam ter matado o colega. Você vê de tudo aqui.
MN – O caso da Circular de Marília é o maior processo de vocês?
Daniele – É a maior execução que a gente tem aqui. Tem mais de 300 credores e acho que já faz uns 10 anos. Eu cuidei desse processo por muito tempo, mas hoje quem está cuidando é o doutor Flávio Henrique Coelho Garcia. Ele é meu colega de longa data. Desde a época do colégio. Nós estudamos no Cristo Rei e fizemos faculdade na mesma sala. Nós fomos estagiários aqui. É uma pessoa maravilhosa. Infelizmente, neste caso da Circular, a empresa não pagou as pessoas. Não pagou nem a verba rescisória e nem o saldo de salário. A Justiça tem feito o possível e o impossível para conseguir obter valores para fazer os pagamentos. Quando encerrou o contrato, o dinheiro sumiu. Não tinha dinheiro. Não tinha de onde tirar. A garagem que valia R$ 70 mil e mais um negócio que não valia quase nada. É muito difícil para o trabalhador entender. É o tempo do processo, mas o tempo do processo não é o mesmo tempo das pessoas. O processo tem um ritmo normal e tem que obedecer as regras. A principal é assegurar que todo mundo tenha defesa. Todos podem recorrer, então os recursos vão demorando.
MN – Hoje é mais comum, mas alguns anos atrás, a senhora fez uma audiênca por WhatsApp?
Daniele – Foi lá atrás, quando ainda ninguém fazia. Hoje em dia está tudo por vídeo. Esse caso foi em 2016 ou 2017. O trabalhador estava nos Estados Unidos, senão me engano. Não havia ninguém fazendo isso ainda, mas foi a forma que tornou possível a realização da audiência. Falei com o advogado e a gente conseguiu resolver.
MN – Durante a pandemia o vídeo se tornou padrão para vocês?
Daniele – Quando veio a pandemia em 2020, a Justiça ficou um tempo parada. Primeiro que todo mundo achou que ia ser rápido, passando em um, dois ou três meses. Só que quando foi lá para maio e junho, perceberam que não ia passar. Os fóruns estavam fechados e eu recebia só julgamentos. Depois de um tempo, lembro que tínhamos algumas audiências para fazer e fizemos o teste. O pessoal aqui teve que correr para implantar o sistema. Eu que comecei com as audiências online aqui em Marília e logo todos começaram também. Agora as pessoas só querem online.
MN – São muitas as audiências online? Costumam ter problemas?
Daniele – Em regra nós temos que estar aqui, então para a gente, se for aqui é melhor. É mais confortável, pois online surgem alguns problemas. Há quatro anos tendo audiência, ainda tem gente que a internet não é tão boa, com uma conexão ruim e fica caindo. Para começar demora dez minutos, mas no meio desaparece. Sem contar que eu não me sinto tão segura.
MN – Em que sentido?
Daniele – Quem representa a empresa não pode presenciar o relato do trabalhador no depoimento. Quando é aqui, a gente põe a pessoa ali fora. Eu sei que ele não está, mas tem advogado que quer fazer audiência com o preposto do lado, vendo tudo. Não dá para você controlar se está sendo cumprido.
MN – Se sente realizada atuando aqui em Marília ou pensa em ir para outro lugar?
Daniele – Eu morei aqui em Marília, em Florianópolis e em Cascavel, mas também viajei por muitas cidades e conheci muitos lugares. Gosto bastante de Marília. Meus pais moram aqui, mas a longo prazo, não sei se devo permanecer. Primeiro porque quando for promovida, necessariamente vou para outro lugar ou quando surgir uma vara para eu poder titularizar. Minha filha logo se forma e não sei quais serão os objetivos dela. Ela tem a parte da família paterna que mora lá na região de Campinas, que é uma região que eu gosto muito. Também é mais próxima do Tribunal. Acho que Marília tinha que ter um pouco mais de diversão e cultura. É uma cidade linda, charmosa, tranquila, mas falta opção. Precisava ter mais horários de voos também. Eu gosto muito de viajar e sinto falta disso. Tem ainda questão de infraestrutura da cidade, de água e a questão do lixo. Se pudesse ter uma coleta seletiva de lixo… Eu consigo separar meu lixo direitinho, mas não sei se consegue atingir o objetivo.
MN – Tem alguma mensagem que voce gostaria de deixar para as mulheres de Marília?
Daniele – Nós mulheres, mesmo com todas as dificuldades da maternidade, casamento e as exigências que a sociedade tem sobre nós, de beleza, corpo e juventude, mesmo com tudo isso, conseguimos alcançar espaços que em regra eram dos homens. Quando eu passei no concurso, tinha minha filha pequena e todas as dificuldades do mestrado estando gestante. A mulher tem estudado muito, tem se dedicado e é importante que a gente reconheça essa força. A mulher precisa acreditar nela e na força que ela tem. A gente tem uma força que homem não tem, que é inexplicável. Acho que talvez o fato de a gente aguentar todo mês a menstruação, a dificuldade que é uma gestação e tudo mais. As meninas precisam acreditar no potencial delas. Só o estudo pode mudar uma vida. Só o estudo pode tirar a pessoa de uma situação mais precária, mais difícil. Se você estudar com prazer, as coisas podem demorar, como para mim demorou, mas uma hora chega.