Na contramão do mundo, Brasil não taxa carbono na reforma tributária
Na contramão de vários países, o Brasil está perdendo na reforma tributária a oportunidade de taxar diretamente os efeitos das emissões de carbono e desincentivar o consumo de combustíveis fósseis.
Deixa passar também fonte consistente de arrecadação para atacar o atual desajuste nas contas públicas.
Devido a mecanismo introduzido na emenda constitucional 132, da reforma tributária, ela produzirá uma taxação mínima – de apenas US$ 3 por tonelada de carbono – de fontes como petróleo e gás.
O país difere de alíquotas muito maiores adotadas na União Européia (cerca de 100 euros por tonelada) e recomendadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, das Nações Unidas (mínimo de US$ 30 a 50).
Segundo análise do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário, que envolve o Sindifisco Nacional e a Universidade Federal de Goiás, o lobby do setor de petróleo e gás na tramitação da PEC 45, que deu origem à reforma, levou a esse resultado.
Nas 32 audiências públicas realizadas no Congresso, a adoção da chamada “carbon tax” foi mencionada apenas 13 vezes – e somente seis intervenções se posicionaram diretamente como favoráveis ao imposto sobre carbono, partindo da academia e de instituições internacionais.
“As ocorrências foram poucas e um número significativo residiu em pleitos para que setores como o de GLP ou de combustíveis não fossem onerados. Há o prognóstico de que, a menos que a conjuntura se altere na preparação da COP 30 [2026, no Brasil], o Imposto Seletivo não deverá receber, em lei complementar, a natureza de exação [exigência] sobre as emissões de gases de efeito estufa”, diz o estudo.
Na tramitação da reforma, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás argumentou que o setor já recolhe a Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico), cobrada sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás e álcool etílico.
Segundo Tatiana Falcão, consultora em tributação ambiental que participou das audiências públicas como coordenadora da Temática de Precificação de Carbono na Coalizão de Ministros da Fazenda para Ação Climática, do Banco Mundial, uma taxação recomendada na faixa de US$ 67 por tonelada de carbono (em vez dos US$ 3) poderia, até 2030, gerar arrecadação anual de R$ 145 bilhões (cerca de 1,3% do PIB).
“Existe um movimento global para este tipo de taxação, e estamos perdendo a oportunidade. Inclusive porque o imposto sobre carbono é considerado um instrumento de mudança comportamental, educador, e de desincentivo do uso de fontes fósseis”, afirma.
Falcão lembra que outras regiões do mundo, como a União Europeia, acabarão taxando produtos exportados pelo Brasil com pegadas de carbono, e acabarão ficando como uma receita que o país poderia arrecadar.
“Só conseguiríamos manter esta arrecadação aqui se taxarmos. Mas o Brasil está optando por precificar as emissões por meio de um mercado regulado de carbono [em que receberia compensações]. Só que isso pode levar uns cinco anos, no mínimo, para ser estabelecido.”
Na regulamentação da reforma, poderá haver outras tributações a serem estabelecidas por lei complementar. “Mas aí vamos aumentando a complexidade do sistema tributário, quando poderíamos ter um imposto incidindo na extração”, diz Falcão.
Para Francisco Mata Machado Tavares, coordenador do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário, o Brasil “perdeu uma oportunidade histórica”. Ele cita trabalhos que demonstram que taxações modestas sobre carbono tiveram grande impactos na redução do consumo de bens produzidos a partir de combustíveis fósseis.
“Estudo comparativo empírico na China indica que uma tributação baixíssima, de 5 yuans, ou 70 centavos de dólar por tonelada de carbono, provocou queda de 4% na emissão de combustíveis fósseis”, afirma.
POR FERNANDO CANZIAN