‘É preocupante’, diz perito sobre situação dos prédios da CDHU em Marília
O perito judicial e engenheiro civil Paulo César Lapa acompanhou na manhã desta terça-feira (16) a equipe de moradia social da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e realizou vistoria técnica nos apartamentos do Conjunto Habitacional Paulo Lúcio Nogueira, na zona sul. “Constatei riscos reais de desabamento. Pode acontecer daqui cinco minutos, pela madrugada ou daqui 10 anos. Não dá para prever, mas há o risco”, ratificou o profissional ao Marília Notícia.
Lapa constatou e comprovou a evolução das manifestações patológicas das edificações. “O último laudo já alertava sobre manifestações evolutivas nos prédios, ou seja, os problemas estruturais podem ser agravados se não houver atitudes tomadas em regime de urgência. A Justiça necessita deste parecer técnico para ter uma noção real dos problemas e riscos de desabamento”, explicou.
De acordo com o perito, todos os blocos de apartamentos apresentam perigos na estrutura. “Alguns prédios têm riscos mais claros de desabamento, outros nem tanto. Há prédios que necessitam de reforma e outros que vão ter que ser demolidos. Constatamos falta de manutenção de esgoto, na rede de captação de chuva e na rede de gás. É preocupante”, complementou o especialista.
Para o perito técnico, a parte de infraestrutura de esgoto precisa ser 100% refeita em todo o complexo do conjunto habitacional. “Nossa avaliação chegou à conclusão que os problemas existentes são decorrentes de erros funcionais. A manutenção terá que existir após as reformas, senão as manifestações vão voltar. Minha parte é técnica e estou aqui a pedido da Justiça e não da CDHU. Vou emitir uma perícia judicial para o juiz, que definirá os próximos rumos”, esclareceu.
O risco de desabamento constatado pelo perito causou pânico entre os moradores, que receberam a reportagem do Marília Notícia para mostrar a triste realidade social das moradias. São crianças e mulheres grávidas que vivem ameaçadas pelas condições precárias dos apartamentos.
Segundo a aposentada Darcy de Oliveira Augusto, de 74 anos, o aluguel social de R$ 600 que será pago pela Prefeitura, por determinação da Justiça, não é suficiente para arcar com as despesas de uma nova moradia em Marília.
“Sou aposentada com um salário mínimo, não sou a proprietária do apartamento em que moro e o aluguel direto com o proprietário custa R$ 400 por mês. Pago em dia, mas não vou conseguir achar uma casa nesse valor para alugar. O aluguel mais baixo em Marília gira em torno de R$ 1 mil. Já gasto com medicamentos e outras despesas com a família. Não terei condições de manter uma casa alugada de R$ 1 mil”, argumentou.
Já a moradora Renata Ferreira da Silva, de 39 anos, ressaltou que muitos moradores não têm restrições no nome para firmar contrato com imobiliárias. “A Prefeitura tem publicado no Diário Oficial do Município de Marília (Domm) a doação de diversos terrenos para as empresas e nós somos quem precisamos de terreno para construção de moradias. Não vimos nenhuma ação prática da Prefeitura, que poderia abrir uma licitação para construir casas ou mostrar para gente o que estão realmente fazendo por nós. As pessoas vão ser removidas daqui com um caminhão de mudança, mas a maioria está desempregada e não tem nome para alugar uma casa pela imobiliária”, disse.
A perícia acompanhada pela CDHU foi solicitada pelos moradores para a Justiça durante audiência de conciliação no último dia 2 de abril. “A CDHU e a Prefeitura participaram da audiência e não apresentaram nenhuma estratégia na prática para nos socorrer. A perícia foi requisitada para que a Justiça agilize nossos direitos”, afirmou Renata.
Conforme outro relato, da moradora Maria Madalena Rangel, de 60 anos, em dias de chuvas, a preocupação só aumenta. “Meus netos ouviram um barulho nas escadarias e já entraram em desespero. Achamos que o prédio já estava desmoronando. Qualquer som diferente que ouvimos já nos serve de alerta e gera pânico”, frisou.
O autônomo Richard da Rocha Jardim, de 22 anos, mora com a esposa grávida em apartamento térreo e não consegue dormir preocupado com a água do esgoto que invade a casa. “Comprei o apartamento após aprovação da Caixa Econômica Federal. Na ocasião, já apresentava problemas estruturais. Hoje, a água do esgoto está invadindo minha casa por causa das grandes rachaduras na base do prédio. Minha esposa está grávida e temos medo de desmoronar tudo em cima da gente”, comentou.
Uma moradora que está no conjunto habitacional desde a entrega dos apartamentos pela CDHU, há 20 anos, informou que já houve a tentativa de manutenção por parte dos moradores, com pagamento de condomínio e atuação de síndico. “Já tivemos síndico aqui, mas ele era ameaçado de morte. Não funcionou. As pessoas não gostam de reclamação e sofremos intimidações. Aqui o problema social é enorme. Não temos higiene e manutenção nos prédios. A CDHU não quer se responsabilizar por aquilo que prometeu no contrato que firmou com a gente”, desabafou.
Ao término da perícia, segundo o engenheiro Paulo César Lapa, a Prefeitura e a CDHU serão acionadas pela Justiça. O procedimento foi autorizado pelo juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública de Marília.
A Defensoria Pública informou que o último prazo para desocupação do local venceu no dia 8 de abril, e agora deve ser aplicada multa diária de R$ 10 mil contra a Prefeitura e a CDHU.
A CDHU e Prefeitura destinaram uma equipe técnica para acompanhar o perito judicial na manhã desta terça-feira com o intuito de contribuir para a resolução do problema o quanto antes. A Força Tática da Polícia Militar (PM) também fez o acompanhamento da vistoria.
ADVERTÊNCIA
O juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz, da Vara da Fazenda Pública de Marília, se manifestou no processo na tarde desta terça-feira e afirmou que a decisão para remoção dos moradores ainda não foi cumprida. O magistrado pontuou que o prazo se esgotou, mas a Prefeitura de Marília e a CDHU permaneceram inertes em resolver o problema.
“Ocorre que a situação no conjunto habitacional referido, infelizmente, é dramática, estando a Comarca de Marília diante de uma tragédia anunciada. O perigo de colapso das estruturas é real e concreto. Considerados os vários laudos periciais trazidos aos autos, o risco é generalizado”, afirma o juiz.
O magistrado ressaltou que o prazo fixado já transcorreu, mas não houve a desocupação de
um morador sequer, não foi apresentado nem mesmo um cronograma para desocupação dos imóveis e os “requeridos tampouco trouxeram aos autos, ao menos, um documento comprobatório de cadastramento das famílias de moradores para fins de recebimento de aluguel social”, escreveu.
“Este, enfim, o inaceitável quadro que se desenha na presente ação civil pública. Pois, afinal, revela não apenas o absurdo descaso e indiferença com as mais de 800 famílias residentes no Conjunto Habitacional Paulo Lúcio Nogueira, como também o inaceitável, criminoso e ímprobo desprestígio à decisão emanada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”, diz o juiz.
Diante da extrema gravidade do tema, as informações serão encaminhadas para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O juiz ainda cobrou o laudo que será elaborado pelo perito designado na nova vistoria nos prédios e ciência da Defensoria Pública e Ministério Público, “inclusive para fins de cobrança das astreintes e apuração da responsabilidade administrativa e criminal eventualmente cabível.”
OUTRO LADO
O Marília Notícia chegou a encaminhar demanda para a Prefeitura e CDHU sobre a questão, mas não teve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.