‘Fiquei milionária, mas mereci’, diz Monica Monteiro, ex-agente de Gisele Bündchen
“O que parecia impossível aconteceu!”, começava assim uma reportagem publicada em um site de celebridades, em abril de 2006. A notícia que vinha a seguir detalhava o fim da parceria profissional entre a top model Gisele Bündchen, no auge da carreira, e sua agente, Monica Monteiro.
Foi surpreendente mesmo. Digno de exclamação. Monica era uma espécie de Marlene Mattos (sem a parte sádica e controladora) da modelo mais famosa do mundo, a quem dedicou 12 de seus 58 anos de vida. Gisele estava sob seus cuidados em São Paulo desde 1994, quando tinha 14 anos e decidira abandonar o sonho de ser jogadora de vôlei numa cidadezinha do Rio Grande do Sul para tentar, sozinha, ganhar a vida no competitivo mundo da moda.
A comparação, ela diz, não faz tanto sentido, “até porque eu não mandava na Gisele, ela sempre deu a palavra final em tudo”. Mas as duas MM têm em comum o fato de terem transformado jovens coincidentemente gaúchas, lindas e inexperientes, em superprofissionais, respeitadas e admiradas mundo afora, verdadeiras máquinas de fazer dinheiro.
Isso sem falar na intimidade que tinham com suas agenciadas. Se Marlene contou no documentário do Globoplay que não desgrudava de Xuxa nem durante uma consulta ginecológica, Monica não fica atrás. Mas, no caso, foi Gisele quem pediu para a empresária acompanhá-la. E fez questão que entrasse na sala junto com ela.
A top, ainda em início de carreira, tinha “uns 16, 17 anos”, estava namorando e sentia que sua primeira transa estava por acontecer. Queria saber como evitar uma gravidez. “O que eu faço, Monica?”, perguntou. “Ela não estava com os pais aqui, e eu tinha prometido ao seu Valdir, pai dela, que seria como uma mãe para ela em São Paulo. E fui. Uma mãezona, além de amiga”, diz.
Foi com a agente que Gisele aprendeu a fotografar (“ela era engraçada e espontânea com todo mundo, mas travava em frente às câmeras”). Também com ela aprimorou sua passada na passarela com as pernas se cruzando à sua frente, quase como o marchar de um cavalo, depois imitada por muita gente que já tinha anos de carreira. A empresária mais uma vez estava a seu lado quando a top viveu aquele que pode ter sido um dos primeiros sinais de que sua saúde mental não estava bem, numa viagem a Barcelona, em 2003.
Monica presenciou o primeiro “date” da modelo com Leonardo DiCaprio, numa boate de Nova York; viajou meio mundo a seu lado, fechou contratos milionários no Brasil. Na entrevista abaixo, a agente, casada há 31 anos e mãe de duas filhas, de 22 e 27 anos, conta como foi a ruptura profissional com Gisele, diz que hoje trabalha por conta própria, “sem preocupação com dinheiro, muito mais para não perder contatos”, e lembra de histórias vividas ao lado da maior modelo do mundo ao longo de mais de uma década.
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Pergunta – Como foi sua reação ao receber a notícia de que não cuidaria mais da carreira da Gisele, em 2006?
Monica Monteiro – Fiquei chateada. Com certeza, né? A IMG, agência de matriz nova-iorquina, fechou a filial no Brasil e me demitiu. Eu era funcionária, não tinha como mandar no patrão. A Gisele, então, optou por me trocar pela irmã gêmea, quis que a Patricia [Bündchen] a representasse junto aos clientes no Brasil.
P. – Você ficou magoada por não ter sido mantida por ela de alguma forma na gestão de sua carreira?
M. M. – Eu gostaria de continuar na empresa que ela montou com as irmãs. Eu podia colaborar. Poderia ter sido desligada aos poucos, depois de tanto tempo. Sou uma das poucas profissionais no Brasil que têm entrada no mercado internacional. Tenho reconhecimento, todas as agências do mundo sabem quem eu fui, que estive com ela desde a adolescência. A Gisele morou na minha casa, eu era como uma mãe para ela. Mas sou grata e a adoro até hoje.
P. – Como foi o início da carreira?
M. M. – Olha, já falaram vários nomes, mas quem descobriu a Gisele foi a dona Vânia, a mãe, que infelizmente morreu recentemente. Ela soube de uma seletiva da Elite no Rio Grande do Sul e foi buscá-la no vôlei para fazer o teste. Dona Vânia foi correndo lá e falou: “Vamos, é agora”.
P. – E a Gisele foi direto do vôlei?
M. M. – Foi. Estava com a bermuda de jogar, toda suada e descabelada, nem queria ir. Mas a mãe insistiu e ela foi. Quando chegou na seletiva, tinha um monte de menina arrumada, maquiada. Ela queria ir embora. Mas acabou sendo a escolhida. Olha que coisa.
P. – Foi a partir daí que você começou a cuidar dela?
M. M. – Sim. Eu trabalhava na Elite, em São Paulo, cuidava das “new faces” [modelos iniciantes]. Aí chegou um ônibus com umas 60 meninas do Brasil inteiro para a final nacional do Look of the Year, só duas ficaram. Uma era a Gisele. Ela tinha 14 anos e a minha função era ensinar a fazer testes e seleções para os trabalhos, a desfilar, fotografar, ensinar um pouco como era o mercado. O Zeca de Abreu também ajudou muito neste começo.
P. – Alguém da família veio junto quando ela se mudou aos 14 anos para São Paulo?
M. M. – O Seu Valdir, o pai, veio ver onde ela ia morar, o apartamento das modelos, onde ia estudar, veio dar uma checada geral. E aí eu expliquei que eu cuidaria dela, seria a mãe da Gisele em São Paulo. E que, se ele tivesse alguma dúvida, podia me ligar. Dei o meu telefone de casa, porque não tinha celular. Acho que isso ajudou a estreitar as relações, a dar confiança.
P. – Como foi o início da carreira dela?
M. M. – Difícil. Ela era muito tímida na frente da câmera. Entre as pessoas, era superengraçada, um espetáculo. Poxa, demorou oito meses para pegar o primeiro trabalho. Levei na Capricho, na Atrevida e em outras revistas de adolescente. Ela não pegava nada. Aí eu falei: “Pô, Gisele, por que você não é assim, desse jeito, quando está com o cliente? Você tem que mostrar como você é, que você tem a altura, tem o corpo, tem tudo que é preciso e convencer de que vai dar conta do recado”. Aos poucos foi pegando alguns trabalhos, começou a ter mais autoestima. Gisele odiava o cabelo dela.
P. – Não é possível.
M. M. – Pois é, acredita? Aquele cabelo que é o sonho de qualquer um, ela não gostava. Adolescente nunca gosta do que tem de melhor, né? Eu fiz ela entender que tinha um cabelo maravilhoso, levei para fazer tratamento com o Wanderley [Nunes] e, aos poucos, foi deslanchando, se sentindo bonita e segura. Mas fiquei orgulhosa mesmo no dia em que fomos na revista Cláudia.
P. – Por quê?
M. M. – Porque eu estava indo lá com outra modelo. A Gisele tinha uns 16 anos nessa época, a revista não era para uma adolescente. Não tinha por que ir. Ela seria a filha da leitora e da mulher que aparece nas páginas da revista, que é sexy, de mulher adulta. Falei isso, e ela insistiu em me acompanhar. Chegando lá, a editora falou exatamente a mesma coisa. Aí ela disse: “Então faz um ensaio com mãe e filha, eu sou a filha”. Olhei e pensei: “Essa é a Gisele!”. Ela fez o ensaio e ficou lindo.
P. – Qual é o grande diferencial da Gisele?
M.M. – A passarela. Ela sempre amou passarela, e desfilava como ninguém. Mudou a parada, o jeito de pisar, de movimentar os braços, as mãos. Gisele começou a andar firme, cruzando um pouco as pernas, o que a gente chama de “passada do cavalo”. Todas as supermodels começaram a imitar. E virou uma tendência. Fora que ela sabia exatamente como olhar para os fotógrafos, onde parar, qual a melhor luz, o melhor ângulo. Então, foi sendo a referência do mundo da moda. Por isso reinou e reina até hoje, na minha opinião.
P. – Há pouco tempo ela tornou público que sofreu de ansiedade e síndrome do pânico por alguns anos. Você sabia disso? Presenciou alguma crise?
M. M. – A gente viajava muito de avião e uma vez ela falou que estava com palpitação, não conseguia relaxar. A gente conversava sobre essas coisas entre nós, não era um assunto como é hoje em dia. Mas o pior mesmo foi numa viagem para Barcelona, para uma campanha para o [sabonete] Lux. Ali foi ruim.
P. – O que houve?
M. M. – Ficamos num hotel maravilhoso, bastante alto. Ela numa suíte presidencial, no ultimo andar, e tinha daquelas janelas que não abrem. Gisele ficou meio panicada, não queria ficar num lugar fechado e alto. Aí foi a primeira vez que eu a senti estranha assim… E ela pediu para a irmã dela ir junto, estava… Sabe, não estava muito tranquila. Então quis ir para um quarto num andar mais baixo, e só tinha apartamento standard. “Não tem problema. Eu quero ficar embaixo, quero abrir a janela, quero ar.” Era um sintoma de que ela tava… Quase assim, né? Tava com medo de altura, medo de avião, uma coisinha de pânico. Aí ela voltou para Nova York, começou a fazer meditação, a ter uma alimentação mais regrada, tentou começar a ter um tempo para ela, sabe? Para fazer as coisas com mais calma.
P. – Vocês conviveram por 12 anos, viajaram bastante. Como era essa vida?
M. M. – Era uma loucura, todo mundo estendia o tapete vermelho para ela. Não existia mesa ruim em restaurante, nas boates era sempre em camarote, as pessoas enlouqueciam quando a viam, homens mandavam flores. O Leonardo DiCaprio mandou um buquê depois de um desfile em Milão.
P. – Foi aí que eles começaram a namorar [entre idas e vindas, os dois ficaram juntos por cinco anos]?
M. M. – Não. Um dia a gente estava em Nova York e ela fala: “Vamos comigo numa balada que eu quero te apresentar o Leonardo”. Perguntei: “Que Leonardo?”. Ela disse: “DiCaprio”. Os dois iam se encontrar, ele foi a Nova York atrás dela. Era a primeira vez que iam sair juntos. “Quero que você conheça para ver o que acha”, a Gisele disse. Eu me senti meio tiazona indo para a boate com ela, mas fui. E ele chegou, lembro que estava de boné, e foi um frisson danado. Leo foi logo dando um beijo no rosto dela quando a gente estava na pista.
P. – E, afinal, você gostou dele?
M. M. – Não, porque ele me deixou no vácuo quando fui cumprimentar com um beijinho no rosto (risos). A gente é brasileiro; vai lá e põe o rosto, né? Ele deu uma distância, tipo, não vou dar beijo, sabe assim? Aí eu lembro que eu fui pra Gisele, falei: “Ai, não gostei, achei ele antipático”.
P. – O que ela respondeu?
Ela disse: “Ah, deixa de ser boba”. A gente deu uma gargalhada.
P. – Quem mais você viu dando em cima dela?
M. M. – Ah, muita gente. Ela era a maior modelo do mundo, né? Não vamos esquecer. O primeiro marido da Jennifer Lopez, o cantor de rap, por exemplo. Como é o nome dele mesmo? Puff Daddy. Nossa, ele vinha convidando a Gisele para ir em balada depois dos desfiles direto. E a gente não era de balada. Aí, ele pegava, chegava, jogava charme e falava: “Ah, eu quero que você vá na festa tal, em tal lugar, aparece lá”. Onde ela ia era esse rebuliço.
P. – Você não conhecia essas pessoas?
M. M. – Eu conheço o povo da moda, esse pessoal eu até sei quem é, mas não lembro o nome. Teve um outro rapper famoso, que lógico que não lembro o nome, que encontramos uma vez num restaurante em Nova York. Quando passamos pela mesa dele, ele veio falar com ela. Eu perguntei: “Nossa, Gisele, aquele colarzão dele enorme, será que é ouro de verdade?”. Ela riu e disse: “Ai, Monica, eu te amo”. Ela é legal, né? É uma pessoa muito legal. Sempre foi.
P. – Você ficou milionária trabalhando com a Gisele? Pode parar de trabalhar se quiser?
M. M. – Sim. No caso, eu parei. Agora trabalho mais para não ficar totalmente sem fazer nada, para não perder os contatos. Mas ela também ganhou bastante trabalhando comigo, viu? Fechei contratos importantíssimos e que davam rios de dinheiro para ela. E para mim também, claro. Porque trabalhei bem. E sempre adorei a Gisele. Adoro até hoje, gosto como se fosse uma filha, queria ter mais contato.