Segurança pública vira fonte de dupla pressão para Lula no Congresso
Após sofrer uma derrota no Senado com a aprovação do fim das saídas temporária de presos em datas comemorativas, o governo Lula (PT) teme que outros temas ligados à segurança pública isolem partidos de esquerda no Legislativo e deixem o presidente entre a pressão do Congresso e a de sua base eleitoral mais fiel.
O debate na votação que restringiu as saidinhas expôs a dificuldade da base do governo em lidar com propostas sobre combate à criminalidade historicamente mais vinculadas à direita.
Integrantes da bancada da bala no Congresso dizem que projetos similares também entrarão em pauta neste ano por terem apelo popular e serem vistos como pauta positiva pelos presidentes das duas Casas.
O aumento de pena para roubo de celular, as restrições à progressão de pena, o endurecimento do Código de Processo Penal e a determinação para presos arcarem com custos de tornozeleira eletrônica são alguns exemplos nesse sentido.
O Palácio do Planalto atua para que o Legislativo foque apenas nas propostas econômicas, e teme a imposição de derrotas em série ao Executivo caso os parlamentares se debrucem sobre temas vinculados à segurança pública.
Apenas os senadores Cid Gomes (PDT-CE) e Rogério Carvalho (PT-SE) votaram contra o projeto das saidinhas, contra 62 votos favoráveis. Durante a sessão, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), deixou claro o desconforto com a matéria.
“Ficou claro nesse debate, até quando se olha para o painel, o grande número de partidos que são da base do governo e orientaram voto ‘sim’. Não adianta aqui eu confrontar lideranças partidárias”, afirmou. “Entendi todas as razões, matéria apaixonante, fui governador por oito anos, sei o que está acontecendo na segurança”, disse Wagner.
O projeto voltou para a Câmara e a tendência é que seja aprovado em breve. Depois disso, a matéria seguirá para sanção de Lula. Ele já sofre pressão de aliados mais à esquerda para vetar a proposta.
O argumento dos que defendem o veto é que a ampliação do encarceramento não é a solução para o problema do país e que o governo tem que investir em medidas de ressocialização para recuperar jovens presos.
No entanto, a articulação política do governo recomendou ao mandatário que não derrube a proposta porque a chance de o veto ser revertido é grande.
A Câmara aprovou a extinção das saidinhas em 2022 com 311 votos favoráveis e 98 contrários. O Senado suavizou o texto em busca de maioria e manteve a previsão de liberação temporária de presos para estudar e fazer cursos profissionalizantes.
Agora, a tendência é que os deputados mantenham o texto da Casa vizinha. Depois disso, o texto será encaminhado para o presidente.
Outro projeto que pode chegar à mesa de Lula neste ano diz respeito ao aumento de penas para quem comete furto, furto qualificado, roubo, roubo com lesão corporal grave, latrocínio (roubo seguido de morte) e receptação.
Entre as mudanças aprovadas pela Câmara estão a elevação das sanções mínimas de furto (de um para dois anos de reclusão), de roubo com lesão corporal grave (de 7 anos para 16 anos de reclusão) e de latrocínio (de 20 para 24 anos de reclusão).
A previsão é que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprove a matéria em março e há uma pressão para que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não demore a levar o caso ao plenário.
Há uma articulação para que o texto da Câmara não seja alterado, o que representaria a conclusão do debate no Congresso e a ida imediata da matéria para sanção presidencial.
Os deputados aprovaram o texto com 269 votos a favor e 87 contrários e o comportamento dos partidos deixou clara a derrota do governo.
Parlamentares governistas apresentaram requerimentos que retiravam o projeto da pauta, que adiavam a discussão da matéria e que adiavam a votação, mas não tiveram sucesso.
No Senado, a aprovação é dada como certa. Depois disso, Lula deverá enfrentar um dilema similar ao caso das saidinhas, com pressão para sancionar a fim de não contrariar a maioria da Câmara e também para vetar para se manter próximo à sua base de esquerda mais fiel.
O autor da proposta, Kim Kataguiri (União Brasil-SP), é pré-candidato a prefeito de São Paulo e afirma que a postura de seus dois concorrentes à esquerda na disputa municipal indicam a dificuldade do campo progressista com temas de combate à violência.
“Nem [os deputados] Guilherme Boulos [PSOL-SP] e Tabata Amaral [PSB-SP] votaram, porque na realidade são contra, mas sabem que a posição deles de desencarceramento e afrouxamento da lei penal é impopular, ainda mais diante do fato de que a principal pauta da eleição em São Paulo é a segurança pública”, diz.
Outros projetos desta natureza também estão em curso no Legislativo. Um deles visa tornar obrigatória a decretação de prisão preventiva na audiência de custódia em casos de crimes hediondo, roubo e associação criminosa qualificada quando for configurada reincidência.
O autor, deputado Coronel Ulysses (União Brasil-AC), conseguiu a assinatura de líderes da Casa que representam 13 partidos que pedem a instituição de urgência para o texto, o que dispensa a tramitação em comissões e remete a matéria direto para análise do plenário.
A percepção entre parlamentares é que os projetos ligados à segurança pública têm apoio popular e, por isso, a chance de aprovação é sempre alta. Nesses casos, os parlamentares mais à direita conseguem o apoio das siglas de centro e conquistam maioria em favor das propostas.
Pesquisa Datafolha de setembro do ano passado apontou que seis em cada dez brasileiros sentem insegurança ao caminhar pelas ruas das cidades onde moram.
Os deputados do campo progressista, por sua vez, afirmam que endurecer as penas e aumentar a população carcerária não é o caminho para resolver os problemas do país.
As saídas temporárias, por exemplo, foram defendidas pela rede Justiça Criminal, que considera a medida um importante instrumento para manutenção de laços familiares, inserção e permanência no mercado de trabalho e para o acesso a outras oportunidades.
Por MATHEUS TEIXEIRA