Tribunal reprova contas da Famar e alerta sobre dívidas milionárias
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) negou um recurso da Fundação de Apoio à Faculdade de Medicina de Marília (Famar) e julgou irregular o balanço financeiro de 2019 da entidade. Segundo o acórdão, que é uma decisão colegiada do tribunal, o aumento da dívida da instituição coloca em risco sua continuidade operacional.
O relatório da Corte de Contas aponta que as contas de 2019 apresentaram um déficit orçamentário de R$ 4,6 milhões, o que contribui diretamente para o aumento do passivo a descoberto, encerrado em R$ 17,3 milhões.
O termo “passivo a descoberto” é o resultado entre o que a instituição tem de ativo e passivo. Segundo o TCE, os bens da Famar, avaliados em R$ 74.005.462,44 (ativos), não são suficientes para cobrir a dívida, que chegou aos R$ 91.337.279,65 (passivos). Ou seja, caso seja declarada falência, a Famar não tem condições de pagar os credores e encerrar as atividades.
O TCE responsabiliza o aumento da dívida por violações ao teto salarial constitucional, excesso de plantões médicos e deficiências no controle interno.
A decisão foi emitida em setembro de 2023, mas só publicada no Diário Oficial da Corte de Contas nesta quarta-feira (17).
PROBLEMAS EM TODA REDE
Durante a discussão do caso, o conselheiro Renato Martins Costa acompanhou o voto do relator conselheiro Antônio Roque Citadini e ressaltou que a Faculdade de Medicina de Marília (Famema) também tem problemas orçamentários.
“Não há aprovação consignada de balanços gerais da Faculdade de Medicina de Marília, que foi estadualizada ao longo do tempo, e sua Fundação de Apoio vai na mesma linha. É algo que precisa, realmente, ser encarado com maior seriedade, digamos, pelos responsáveis, se não isso vai acabar se perpetuando”, declarou Costa.
Citadini concordou com o magistrado e afirmou que “já passou o tempo de ‘lua de mel’, que, aliás, é uma ‘lua de mel’ muito comprida a dessa faculdade, já passou o tempo de ela se adaptar a uma melhor gestão.”
RECURSO
No recurso apresentado ao TCE, a Famar alegou que a dívida de 2019 decorre principalmente do reajuste de 8,76% referente ao dissídio coletivo retroativo ao ano de 2015, aplicado aos salários e encargos sociais dos funcionários da fundação.
O montante reajustado por meio de decisão judicial teria causado um impacto superior a R$ 3,5 milhões nas contas da instituição no fim de 2019.
Há ainda a contabilização dos abatimentos incorridos no recebimento de um convênio do Sistema Único de Saúde (SUS), por conta do desconto dos valores do prêmio de incentivo dos funcionários contratados pelo Hospital das Clínicas, no valor de R$ 1,4 milhão, além de algumas outras situações de valores menores.
PARECERES
A Procuradoria da Fazenda do Estado se posicionou pela rejeição do recurso da Famar e ratificou a posição no processo inicial. “Não sendo possível relevar, dentre outras falhas, o passivo a descoberto, aumentado no exercício de 2019 e acrescido ao longo dos anos”, declarou.
A Secretaria-Diretoria Geral do TCE afirmou que “não há como conceber a classificação pretendida pela Famar” devido ao “agravamento do patrimônio líquido da fundação em saldo negativo de R$ 17.331.817,21.”
O tribunal também ressaltou que a situação indica “dúvida significativa quanto à capacidade de continuidade operacional da entidade”. O relatório traz ainda que a suposta realização excessiva de plantões médicos é apontada desde as contas de 2015.
OUTRO LADO
Em nota encaminhada ao Marília Notícia, a Famar rebate a situação de risco apontada pelo TCE, em 2019, e afirma que a gestão financeira já melhorou de lá para cá.
“Primeira consideração a ser feita, e da qual deve resultar correção da notícia veiculada, é a de que as contas consideradas irregulares, mencionadas na notícia são de 2019, ou seja, de quatro anos passados, durante os quais houve continuidade das atividades desenvolvidas pela Famar e especialmente houve a prestação de serviços de assistência à saúde”, afirma.
O texto diz ainda que o mesmo Tribunal de Contas reconheceu a melhoria das contas da instituição, “que nos exercícios de 2021 e de 2022 apresentou superávit de exercício, diminuindo o déficit geral, o que implica na continuidade de suas atividades sociais”, completa.
Sobre o relatório da Corte de Contas, de acordo com a Fundação de Apoio, “o TCE considerou estaticamente a apresentação de números, ou seja, o déficit financeiro e a quantidade de plantões médicos, sem considerar a sua contextualização e em especial as atividades desenvolvidas pela Famar e os serviços de saúde que foram prestados pelo HCFamema. Não foram considerados, por exemplo, a ocorrência de condenação em dissídio coletivo pela Justiça do Trabalho, para aplicação de reajuste salarial, mesmo não havendo recursos financeiros correspondentes, glosas no Teto SUS realizadas em razão de judicialização da saúde, depreciação contábil de ativos o que é exigência das normas contábeis”, critica.
A nota pontua ainda que, no apontamento do órgão fiscalizador, “não foi considerada ainda a necessidade da realização de plantões médicos em favor da população de Marília e de 62 Municípios, e que os serviços prestados pelo HCFamema são de média e alta complexidade, ofertados no sistema ‘portas abertas’ e que exige a existência de profissionais de diversas especialidades. Como também não foi considerado que há especialidades médicas com pouquíssimos profissionais no mercado, especialmente no interior e região de Marília, o que implica no grande volume de jornada executado pelos profissionais, como a cirurgia pediátrica e UTI adulta e pediátrica”, pondera.
O documento afirma também que a tabela que remunera a assistência ao SUS está defasada há anos, “o que impacta diretamente a saúde financeira das Fundações de Apoio que atuam na saúde. Tal fato é de amplo conhecimento estatal, tanto que no dia 16 de janeiro de 2024 foi sancionada a lei 14.820/24, que estabelece a revisão anual dos valores de remuneração dos serviços prestados ao SUS.”
A Famar aponta ainda que “vem utilizando os apontamentos da fiscalização do TCE-SP como medida de progresso. Portanto, vem superando os descompassos elencados, como a implantação do controle interno, com o Regulamento do Controle Interno de 10/08/2022, validado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, registro no 1º Oficial de registro Civil das pessoas Jurídicas – Marília SP, bem como vem incrementando as demonstrações no seu sítio da transparência, inclusive com a inserção da demonstração da execução financeira por convênio.”