Superando obstáculos do autismo para vibrar com o título do MAC
Os autistas possuem um jeito próprio de reagir nas mais diversas situações. Cada um é único e conta com características diferentes. A minha filha Isabella gosta de assistir futebol na TV comigo e decidi levar ela para ver a final da Divisão Especial de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol, entre Marília Atlético Clube (MAC) e XV de Piracicaba, no ‘Abreuzão’, em Marília.
Ela vai completar quatro anos agora no início de dezembro, mas, quando tinha apenas dois anos de idade, percebemos algo diferente. A Isabella passou por todos os marcos de desenvolvimento. Sentou na idade correta, começou a andar antes de completar dez meses e a falar suas primeiras palavras bem cedo. A primeira foi “papai”, devidamente registrado em vídeo.
Logo ela começou a cantar e decorar músicas inteiras. Tinha uma incrível facilidade em decorar as letras e contava com um grande repertório, mas não conversava. Sua comunicação era por meio de músicas. Se queria a borboleta de brinquedo, cantava a música da ‘borboletinha’.
Minha esposa estava incomodada com isso. Além da dificuldade de comunicação, ela não socializava, não olhava diretamente para a maioria das pessoas e ignorava muitas vezes quando era chamada. Levamos nossa filha para passar por uma fonoaudióloga, que logo percebeu a possibilidade dela ser autista.
Procuramos uma neuropediatra e começamos uma intervenção com uma equipe multidisciplinar, contando com várias profissionais, que foram fundamentais no desenvolvimento da Isabella.
Ela nunca teve problemas graves de sensibilidade auditiva, mas não podia ouvir alguém cantando o ‘Parabéns’ em festas de aniversário, que já começava a chorar. Como não se tratava de um caso severo, muita gente duvidou da situação, inclusive na nossa família, porém isso nunca foi um problema para nós.
Recebi o conselho de um amigo, pai de uma menina autista, de que teríamos que ser ‘não especialistas em autismo, mas os maiores especialistas na nossa filha’. Isso serve para qualquer criança, típica ou atípica.
A Isabella não teve grandes restrições alimentares, exceto pelo arroz que ela deixou de comer, mas no geral, come muito melhor que eu. Adora frutas, exceto mamão. Também não teve muitos episódios de crises. É calma e doce com todos. Adora ouvir músicas e recentemente tem se encantado por bebês.
Evitamos ao máximo oferecer tela, mas, em algumas oportunidades, assistiu jogos de futebol comigo pela TV, incluindo a final da Copa do Brasil deste ano, quando o São Paulo se sagrou campeão em cima do Flamengo. Ela comemorou e vibrou em casa. Fui com ela e minha esposa na avenida das Esmeraldas e, tirando os fogos, ela adorou todo o restante.
Eu já queria levá-la ao estádio, principalmente depois que ela ganhou uma camiseta do MAC do meu pai, mas estava esperando uma oportunidade. O grande dia chegou nesta segunda-feira (20), com a final do futebol feminino.
Combinei com minha esposa que iríamos assistir. Eu escreveria sobre o jogo para o Marília Notícia e aproveitaria para levar minha filha ao estádio pela primeira vez. Combinamos que, se ela não se sentisse bem, deixaríamos o estádio.
Ela ficou animada, colocou sua camiseta e foi tranquila para ver o jogo, mas se assustou ao chegar. Tive que pegá-la no colo, pois não queria mais entrar no Abreuzão, por causa do barulho da torcida.
Fomos com a Isabella para o canto do estádio, para que o barulho incomodasse o mínimo possível, mas ela estava assustada, tampando os ouvidos com as mãos. Chegamos já com a bola rolando e o MAC já havia inaugurado o placar, mas quase todo o primeiro tempo a Isabella dizia que queria ir embora.
Pedimos para ela esperar e decidimos levá-la embora no intervalo, que terminou 3 a 1 para o MAC. Quando descemos a arquibancada, a Isabella não quis sair. Ela se acostumou com o som da torcida e passou a se divertir no segundo tempo, tentou cantar as músicas da torcida, pulou na arquibancada, gritou gol e acompanhou o estádio quando todos gritavam “É Campeão!”.
No final das contas, chorou quando acabou a partida e fomos embora, pois queria ficar por lá. Ela queria entrar no ‘campo verde’, disse que gostou de ir ao jogo e que ficaria sentadinha se voltássemos ao estádio, mas já era hora de voltar para casa.
Trago esse relato para compartilhar um dos dias mais felizes que já tive. Ela enfrentou suas dificuldades, tolerou o som que incomodava no início, conseguiu se divertir e aproveitar a partida. Ainda foi ‘pé quente’, com uma vitória e título logo de cara, em sua primeira experiência em um estádio de futebol.
Ficamos um pouco apreensivos quando vamos para um lugar que ela não conhece. Também nos incomodamos com o barulho, pois sabemos que ela está se incomodando. Apesar disso, nunca deixamos de tentar e, mais uma vez, a Isabella nos surpreendeu.
Tenho certeza que foi apenas o primeiro de muitos jogos. Cada dia é um desafio novo para os pais de autistas, mas é preciso ter muito amor e paciência, além de confiar e acreditar nas nossas crianças. Elas são capazes e podem superar qualquer obstáculo.