“Pagando pela própria morte”, desabafa moradora do CDHU em vistoria
Uma equipe da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo realizou, nesta semana, mais uma vistoria no Conjunto Habitacional “Paulo Lúcio Nogueira”, na zona Sul de Marília. O objetivo foi avaliar possíveis intervenções para a recuperação estrutural dos edifícios. A visita foi acompanhada pelo Marília Notícia e moradores.
Com um futuro incerto, a estimativa é de que cerca de cinco mil pessoas viveriam atualmente nos 880 apartamentos distribuídos em 44 torres do residencial, conhecido popularmente na cidade como ‘os prédios da CDHU’.
Em junho deste ano, a CDHU obteve decisão jurídica que a isentou da responsabilidade de realizar qualquer tipo de reforma no empreendimento que entregou em 1998.
Em nota, a companhia, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado de São Paulo, informou depender de um “esforço conjunto” do Legislativo local e do estadual para busca de recursos que viabilizem as obras.
O eventual aporte de dinheiro público, via Governo Estadual, depende de mobilização política. Enquanto isso, alguns dos prédios seguem sob risco iminente de desabamento, conforme consta em laudo incluso na Ação Civil Pública.
Durante a vistoria, o MN ouviu, mais uma vez, alguns dos condôminos que somam à atual preocupação pelas próprias vidas outros traumas passados que também podem ter influenciado em problemas estruturais.
CONSEQUÊNCIAS
O temporal de outubro de 2015 segue vivo na memória coletiva de milhares de moradores que ainda hoje vivem sob o teto do medo no Conjunto Habitacional “Paulo Lúcio Nogueira”, na Zona Sul de Marília.
Os estragados provocados nos telhados à época ainda respingam suas consequências nas estruturas físicas dos prédios e na mente de moradores ouvidos nesta semana pelo MN.
A dona de casa Carla Cristina dos Santos, 41 anos, ainda se lembra do desespero provocado pela tempestade. “Ajudei a socorrer o pessoal. Voavam telhas e caibros chegaram a entrar pelas janelas”, relatou.
Moradora há vinte anos de um apartamento no último andar do bloco B O1, ela disse ter sofrido com infiltrações da água que se acumulou na laje. “Compramos telhas novas, mas não adiantou. Até hoje a situação é a mesma”, narra.
Diante da situação, ela recorreu ao apartamento do filho, no térreo, para morar com a família, mas lá encontrou a mesma situação de insalubridade. “A água continua a infiltrar em tudo, no banheiro, na cozinha”, lamentou.
RISCO DE MORTE
É no alto do bloco P1 que Maria Madalena Rangel testemunha dias de medo e madrugadas acordadas em tempos de chuva. O filho autista, de 23 anos, não dorme. “Fico sentado com ele na sala. É sempre assim”.
Quando o “prédio treme”, a moradora diz que o pânico mobiliza a vizinhança. “A gente se apavora. Não sabe o que fazer. Chega a pensar que seria melhor tomar chuva a ter que ficar no apartamento”, afirmou.
O prédio onde Madalena reside não tem síndico. Nem comissão de moradores. Desde 2018, ela acompanha os desdobramentos de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público (MP) – a mesma pela qual a Justiça negou a interdição de prédios ameaçados de ruir.
“A degradação é tão grande que a população não aceita ter que pagar condomínios além das prestações sem garantia de que tenha moradia digna. Aqui você pode estar pagando pela sua própria morte”, desabafou Madalena. “Esta é a nossa realidade”.
NA BASE DA FÉ
Quando o tempo começa a escurecer, insinuando uma chuva forte, Renata Ferreira da Silva, 38 anos, recorre aos céus para que a tempestade de 2015 não se repita. “A gente bota as mãos para cima e pede mesmo: ‘Deus, tenha misericórdia de nós!’”.
Enquanto isso, debaixo dos pés, a moradora diz ter que investir em reformas frequentes para corrigir afundamentos que aparecem no prédio. “A gente faz vaquinha e cimenta tudo para continuar morando aqui”, relata.
Dias atrás, ela contou com apoio do vizinho do andar de cima para tentar resolver uma infiltração que persistia no banheiro. “O reboco já saiu e a ferragem continua exposta, enferrujada e podre”, diz.
Moradora suplente há 11 anos, hoje com seus dois filhos, Renata diz que a sobrevivência por ali é fruto de um esforço coletivo de moradia. “A comunidade aqui é muito unida. Não fosse isso, não sei o que seria de nós”.
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