No tempo em que trabalhei em São Paulo, prestando serviços na comunicação interna de uma grande multinacional do setor de celulose, me hospedava a poucos metros do edifício Aliança, no Baixo Augusta. O Aliança entrou na história do rock brasileiro por ser a última morada de uma lenda: Raul Seixas! Raul entrou ali vivo na noite do domingo, 20 de agosto de 1989. Contudo, na manhã seguinte, segunda-feira, 21 de agosto de 1989, foi encontrado morto no seu quarto pela governanta, Dalva Borges. Eram 7 horas da manhã e o Maluco Beleza nunca mais cantou.
Nunca mais cantou de próprio peito, porque as gravações do principal nome do rock brasileiro em sua primeira fase perpetuaram sua voz e interpretações autênticas. ‘Ouro de tolo’, ‘Gita’, ‘Tente outra vez’, ‘Medo da chuva’, ‘Eu nasci há dez mil anos atrás’, ‘Sessão das Dez’ e tantas outras canções antológicas e emblemáticas fizeram e ainda fazem parte da história de milhões de fãs. Quando caminhava para o trabalho, lá em São Paulo, fazia questão de andar pela calçada do Aliança e parava por alguns segundos olhando a fachada e a entrada, com seu toldo típico, todo arredondado. Ali foi a plataforma da estação que Raulzito caminhou para pegar o seu ‘Trem das Sete’, que como na música, é o último do sertão.
As letras e melodias de Raul, únicas no estilo e no embalo, conseguem dar para nós brasileiros um orgulho de termos o nosso próprio ‘rock n roll’, pois a genialidade do menino baiano que preferia ir às matinês do que à escola colocou no mesmo ‘caldeirão’ o baião de Luiz Gonzaga (1912-1989) e a balada de Elvis Presley (1935-1977). Coincidentemente, os dois ídolos de Raul embarcaram nos seus respectivos ‘Trem das Sete’ em um agosto: Presley em 16 de agosto de 1977 e Gonzagão em 2 de agosto de 1989 – Raul embarcaria menos de três semanas depois.
Não esqueço de um domingo – nesta temporada que trabalhei em São Paulo e circulava pelas imediações da derradeira morada de Raulzito – que fiquei sentado na sarjeta em frente ao Aliança, ouvindo no fone do celular as músicas de Raul e, curiosamente, tentando prestar a atenção no que uma moça estava falando ao telefone. Não me recordo bem o que me desviou daquele meu momento de fã contemplando a partida do ídolo. Não sei se a moça lembrava a minha mãe quando era nova. Ou se ela estava gesticulando muito e poderia estar em apuros. Realmente não me lembro bem. Só sei que tive essa passagem em memória de Raul. Último dia 21 completou-se 34 anos do adeus do amigo do Paulo Coelho e resolvi escrever sobre ele. Desde a infância sou muito seu fã e todas suas músicas, a cada período da minha vida, sempre me trazem recados.
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Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’ (La Musetta Editoriais), ‘A próxima Colombina’ (Carlini & Caniato), ‘Contos do japim’ (Carlini & Caniato), ‘Vargas, um legado político’ (Carlini & Caniato), ‘Laurinda Frade, receitas da vida’ (Poiesis Editora) e das HQs ‘Radius’ (LM Comics), ‘Os canônicos’ (LM Comics) e ‘Onde nasce a Luz’ (Unimar – Universidade de Marília), ramonimprensa@gmail.com.