André Gomes destaca avanços na Cultura e comenta polêmica com Léo Lins
O mariliense André Gomes tem apenas 42 anos, mas acumula uma vasta experiência no setor público. O atual secretário municipal de Cultura já trabalhou em São Paulo, em Brasília no Ministério da Cultura e chegou até mesmo a morar alguns meses em Cuba, quando fez parte da diretoria da Organização Caribenha e Latino-Americana dos Estudantes. Contudo, é no Jardim Bandeirantes, na zona Oeste de Marília, onde ele nasceu e escolheu viver.
É possível dizer que a carreira pública de André Gomes teve seu início ainda no âmbito estudantil. Quando cursava o primeiro ano do Ensino Médio, sua liderança natural chamou a atenção da coordenadora pedagógica Leila Bassan, que o incentivou a se candidatar à presidência do Grêmio Estudantil da escola estadual Professora Oracina Corrêa de Moraes Rodine. Esse passo inicial marcou o começo de seu engajamento público, em 1997.
Sua atuação o levou a conquistar posições de relevância. Eleito presidente, Gomes iniciou uma trajetória no movimento estudantil. Ele integrou a União Mariliense dos Estudantes Secundaristas (Umes), a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
Formado em Ciências Sociais na Unesp em Marília, André Gomes ainda atua como professor. Nesta entrevista, ele conta sua trajetória para o Marília Notícia, revela os próximos objetivos na Secretaria Municipal da Cultura e comenta sobre a polêmica com o humorista Léo Lins, que fez piadas gordofóbicas, atacando Gomes, em sua apresentação no Teatro Municipal de Marília.
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MN – Como é a sua relação com a cidade de Marília?
André Gomes – Eu sou mariliense. Tenho quarenta e dois anos. Nasci no Jardim Bandeirantes, onde eu morei boa parte da minha vida. Saí daqui ainda na Juventude para ir para São Paulo. Assumi algumas tarefas, inclusive já na vida pública, mas quando voltei em 2006, escolhi o Jardim Bandeirantes. Comprei uma casa e vivo lá até hoje. É o bairro onde eu nasci e vivo hoje. Eu digo sempre que eu sou morador de fato do bairro. Não só moro lá, meus filhos são usuários do posto de saúde do bairro. Meu filho estudou na escola do bairro. Hoje eles só não estudam por ali porque eu sou professor da rede particular. Sou professor do Colégio Objetivo e por isso eles contam com bolsa integral lá, mas eu vivencio o bairro.
MN – Em qual escola você estudou?
André Gomes – Eu estudei no Oracina a maior parte da vida, que é a escola estadual do Jardim Bandeirantes. Depois na universidade, no ensino superior, fiz Ciências Sociais na Unesp, mas a minha trajetória pública, vamos dizer assim, a minha vida pública, começou ainda como estudante secundarista.
MN – Como foi esse início? Teve algum incentivo importante?
André Gomes – Sempre que eu tenho oportunidade de dar entrevista, quando são abordadas questões de ordem pessoal, digo que a minha vida pública deve-se muito a uma educadora. Quando eu estava no Ensino Médio, no antigo Primeiro Colegial, eu estudava na escola do bairro. Já tinha certa característica de liderança, mas era o líder da bagunça. Meus pais se separaram muito cedo e aquilo me trouxe certa revolta. Eu não tinha muito para onde canalizar isso e na adolescência era meio que um rebelde sem causa. Foi quando uma educadora muito sensível percebeu essa característica. A professora Leila Bassan, irmã do Tito Bassan, era coordenadora pedagógica e me convidou para ser candidato do Grêmio Estudantil.
MN – Você já sabia do que se tratava?
André Gomes – Para mim o Grêmio era time de futebol. Eu falei que não, pois torcia pelo Palmeiras. Foi quando ela me explicou do que se tratava. Depois de certa resistência, decidi me candidatar. Montamos uma chapa e ganhamos. Eu fui presidente do Grêmio Estudantil em 1997. Já faz um tempo. Foi quando ingressei no movimento estudantil e me juntei a outras lideranças aqui de Marília. Fizemos um esforço para reconstruir a União Mariliense dos Estudante Secundaristas, a Umes. Organizamos uma delegação aqui de Marília para participar de um congresso da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), em 1998. Consegui destaque e voltei do congresso eleito diretor regional da Upes. No ano seguinte fui eleito tesoureiro geral e tive que me mudar para São Paulo. Um ano e meio depois fui eleito diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), também com sede em São Paulo.
MN – No âmbito estudantil você chegou a ter uma experiência internacional?
André Gomes – Fui eleito diretor de Relações Internacionais da Ubes e nesse período assumi a diretoria da Organização Caribenha e Latino-Americana dos Estudantes, que tem sede em Cuba. Morei nove meses em Havana, cheguei a me matricular na Faculdade de Psicologia em Havana. Comecei a cursar, mas depois, por força das circunstâncias, acabei voltando ao Brasil. A Marta Suplicy tinha acabado de ganhar a eleição municipal em São Paulo, pelo PT. Eu era militante do PC do B e fui convidado para atuar como assessor em um projeto na Secretaria Municipal de Esportes, chamado “Ruas de Lazer”.
MN – O destaque na capital paulista o levou para Brasília?
André Gomes – Foi quando o Lula ganhou a primeira eleição para presidente. O Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura e convidou o meu amigo Célio Turino para assumir a coordenação da Secretaria de Cidadania Cultural. O Célio já tinha uma experiência como secretário da Cultura em Campinas e me convidou para ir junto. Tive a oportunidade de trabalhar no Ministério da Cultura entre 2002 e 2004. Eu era muito jovem e tinha uma dificuldade muito grande com o clima e o fato de ter que usar terno todos os dias. Queria voltar de qualquer jeito para São Paulo. O Ministério da Cultura fez um convênio com a Organização das Nações Unidas (ONU), para a criação de Pontos de Cultura e eu tive a honra de vir coordenar esse convênio na região Sudeste, em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.
MN – Você tinha uma trajetória importante no setor público. Por qual motivo resolveu voltar para Marília?
André Gomes – Como a vida não é só razão, ela também é feita de emoção, amor e sentimentos, eu me apaixonei pela mulher que até hoje é minha esposa. Começamos a namorar e ela topou o desafio de morar comigo em São Paulo. Ficamos mais de um ano morando juntos lá, mas ela não se adaptou. Era muito ligada na família e acostumada com o ritmo de Marília, completamente diferente. Foi quando eu decidi voltar com ela para cá.
MN – Como foi esse retorno para Marília?
André Gomes – Assim que eu voltei para Marília, em 2006, o vereador Sidney Gobetti me convidou para chefiar o gabinete dele na Câmara da cidade. Estava reorganizando a vida e era um desafio muito grande. Fiquei com ele na Câmara até 2012, quando infelizmente ele faleceu, vítima de um câncer.
MN – Nessa época você assumiu como secretário municipal da Cultura?
André Gomes – Foi um curto período. O Mário Bulgareli renunciou ao cargo de prefeito e o vice-prefeito, Ticiano Tóffoli, assumiu o Executivo e me convidou para ser secretário da Cultura naquele período. Eu tinha experiência no Ministério da Cultura e assumi a função de abril até dezembro de 2012. Embora curto, tivemos êxito, mas ele perdeu a eleição, o Vinicius Camarinha ganhou e eu acabei saindo naquele momento. Em 2013 e 2014 fui trabalhar com a Leci Brandão na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
MN – Como foi essa experiência?
André Gomes – Ela foi eleita e assumiu a presidência da Comissão de Educação e Cultura. A Leci Brandão precisava de alguém que tivesse certa experiência na política pública de Cultura. Nisso eu já tinha me formado na Unesp em Marília. Na verdade, eu comecei três cursos universitários. Em História na USP, Ciências Sociais na PUC e Psicologia em Havana, mas quando voltei para Marília, me concentrei e me formei. Eu já tinha a minha primeira filha, Anita, que nasceu em 2010. Hoje também tenho meu filho Miguel, que completou recentemente oito anos, mas então naquela ocasião, depois de dois anos na Alesp, decidi voltar.
MN – E o que fez aqui em Marília neste novo retorno?
André Gomes – Eu já estava há muito tempo na militância política e decidi que precisava fazer outra coisa. Expliquei para a Leci que precisava de desafios na vida pessoal e comecei a lecionar. Dei aula em várias escolas públicas em Marília. Escolas estaduais e particulares. Em 2015 ingressei no Colégio Objetivo. Dou aula de História, Geografia, Sociologia e Filosofia. Até que em 2016, o prefeito Daniel Alonso me convidou para assumir a Secretaria Municipal da Cultura e cá estou, até hoje, com as dores e delícias do que é ser um gestor de Cultura em Marília.
MN – Qual seu principal destaque enquanto secretário da Cultura em Marília?
André Gomes – Eu digo sempre o seguinte: a gente parte de uma concepção antropológica de Cultura, não só a Cultura como as expressões artísticas, mas a Cultura como tudo que organiza a vida social, tudo que confere identidade a um povo. Tudo isso tem a ver com Cultura. Todas as formas de ser e existir no mundo são Cultura. Então nesse sentido, a partir dessa dimensão, a gente construiu um olhar tridimensional para Cultura. Quais são essas três dimensões? A primeira é a dimensão simbólica, que as sociedades humanas representam a atividade, a realidade através das artes. Nesse sentido, é papel do Poder Público desenvolver políticas e programas que possam democratizar o fazer artístico, ou seja, criar condições para que a sociedade possa fazer arte, porque a Secretaria não faz arte, quem faz arte é a sociedade. O nosso papel é fomentar isso. A segunda dimensão é a dimensão cidadã, ou seja, a Cultura pensada como um direito humano fundamental das pessoas. Nesse sentido, é nosso papel promover o maior acesso às manifestações artísticas e culturais. Por fim, mas não menos importante, a dimensão econômica. A Cultura representa 4% do PIB do Brasil, emprega milhões de pessoas e ela tem uma importância muito grande. Então, tendo essa visão, eu sempre tive a convicção, aliás, não só eu, muitas pessoas que circulam no meio da Cultura, defendem essa concepção, de que o grande problema da Cultura é a descontinuidade das políticas e dos programas públicos. A Cultura vive sempre à mercê, sempre refém de ciclos de governo e de conjuntura, então você tem um governo novo que pensa diferente, você desacumula tudo aquilo que você tinha acumulado. Eu penso que o fundamental para a Cultura é você romper com esta política de balcão e construir uma política de Estado, que possa manter programas, que possa ter continuidade, ter patamares mínimos de investimento.
MN – Sua gestão no comando da Secretaria deixa algum legado para a Cultura?
André Gomes – Todo governo que é eleito tem legitimidade de propor e implementar suas políticas e sua visão, sem dúvida alguma. Mas isso não pode desconstruir tudo aquilo que foi construído ao longo dos últimos anos. Então nesse sentido eu penso que o maior legado que a gente vai deixar é a consolidação dos editais como mecanismo principal de financiamento das políticas e dos programas. Esse ano, por exemplo, acabamos de lançar um edital de R$ 600 mil, exclusivamente com recursos próprios. Agora estamos lançando mais R$ 1,9 milhão de editais com os recursos da lei Paulo Gustavo e ainda vai chegar mais R$ 1,9 milhão da lei Aldir Blanc, que ainda serão implementados também, distribuídos em editais. Esse é o maior orçamento para investimento em projetos da história da Cultura brasileira e mariliense.
MN – E qual é a ideia para não permitir a descontinuidade na Cultura?
André Gomes – No curso da implementação desses editais, já estamos em fase de elaboração de um projeto de lei que vai para a Câmara Municipal e a gente espera que seja aprovado, criando o Sistema Municipal de Cultura. Os elementos do sistema nós já temos, que é o Plano Municipal de Cultura, que é uma lei que planeja a Cultura para os próximos 10 anos. Isso foi aprovado na minha gestão, não existia antes. A nossa ideia no projeto de lei é transformar o Conselho Municipal da Cultura em deliberativo, não só um conselho consultivo, mas que ele possa ser também deliberativo. A Secretaria Municipal da Cultura, que é outro elemento, o órgão gestor, e o Fundo de Apoio à Cultura, que nós estamos inserindo os editais agora no plano da lei. A nossa ideia é colocar na lei, para garantir que qualquer que seja o governo, possa continuar publicando editais como mecanismo de financiamento, porque você democratiza o acesso.
MN – A ideia é acabar com a política de balcão?
André Gomes – É isso mesmo. Você rompe com a política do balcão, pois normalmente quem tinha acesso aos recursos públicos era apadrinhado por algum vereador ou tinha alguma amizade com o prefeito ou com algum secretário. Obviamente que eu considero o papel dos vereadores muito legítimo e recebo todos eles aqui com maior carinho, sendo que nenhum deles vem pedir aqui coisas para si próprio. Eles trazem demandas da sociedade e a gente, na medida do possível, vai atender. Ocorre que os editais acabam se construindo como um mecanismo mais democrático. Você analisa o mérito dos projetos. O artista é analisado pelo mérito do seu projeto, não pela relação política que eventualmente ele tenha com um ou outro gestor público. Então, nesse sentido, o maior legado que a gente vai deixar é a base para que Marília possa ter uma política mais consistente, uma política cultural, uma política de Estado.
MN – Tem previsão de mandar isso para a Câmara?
André Gomes – A ideia é até o fim desse ano. Para que até o começo de 2024 esse projeto já esteja aprovado e sancionado pelo prefeito. Justamente para não ter esse perigo de passar o tempo e aí depois ele acabar ficando descontínuo e não ser implantado. A ideia é que, até o começo do ano que vem, o projeto já possa estar aprovado e sancionado pelo prefeito e Marília vai ter um Sistema de Cultura digno da capacidade criativa e inventiva do nosso povo.
MN – Como vê a ligação da Cultura com a história de Marília?
André Gomes – As artes estão muito entrelaçadas com a história da cidade. O nome do município vem de um poema, de uma obra literária, do grande Tomás Antônio de Gonzaga, a Marília de Dirceu. Por exemplo, nós estamos com a Lei Paulo Gustavo, que é voltada para o audiovisual. A primeira exibição de cinema em Marília foi feita em 1927, antes de o município ser fundado. Ou seja, o nosso povo sempre foi amante das artes e sempre foi muito criativo. Nós temos aqui artistas extraordinários, dos mais diversos segmentos. Então eu penso que o município precisa ter uma política cultural que esteja à altura da criatividade e da inventividade do povo de Marília. É isso que nós buscamos.
MN – Quais foram ou ainda são as principais referências para a Cultura aqui de Marília?
André Gomes – Ah, são inúmeros, tanto do passado quanto do presente. Mas, por exemplo, o Brás Alécio, que dá o nome para o nosso Complexo Cultural, como artista extraordinário e contemporâneo. Eu já ouvi algumas pessoas falando que o Brás Alécio foi aluno do Portinari. Já seria motivo para muito orgulho, mas o Brás Alécio não foi aluno do Portinari, ele foi aluno junto com o Portinari. Ele teve aula com os mesmos professores que teve o Portinari. Então, se Brodowski se orgulha do seu Portinari, se Santos se orgulha da sua Tarsila da Amaral, nós precisamos nos orgulhar do nosso Brás Alécio, que é gigante, tanto quanto esses outros. Temos vários artistas na música, o Ramis Pedro, do teatro de arena, teatro amador, era meu amigo e eu tenho muita saudade. Tivemos alguns personagens, por exemplo, Valdir Silveira Mello, que dá o nome ao nosso Teatro Municipal, mas esses personagens, por terem já falecido há mais tempo, as atuais gerações não conhecem muito. A minha geração, por exemplo, eu tenho 42 anos, eu conheci o Ramis. Eu tinha 16, 17 anos. Então muita gente passou por ele pela Fetalpa, que era a Federação de Teatro Amador da Alta Paulista. Então ele é uma referência incrível. Felizmente, nós estamos muito bem servidos de artistas.
MN – Como está atualmente o Teatro Municipal? É preciso avançar em algum ponto?
André Gomes – O teatro, embora esteja moderno e bonito, foi reformado e a gente tem mantido ele em pleno vapor, mas tem mais coisas que precisamos fazer. Não estamos acomodados, não. Precisamos de uma mesa de som melhor, precisamos de uma série de coisas. Por exemplo, a orquestra fez concertos aqui, foram lindíssimos, mas se o teatro tivesse um rebatedor no fundo, a qualidade sonora seria muito maior. Não estamos acomodados. Estamos felizes que o teatro está funcionando bem, mas ainda existem coisas a serem feitas e, na medida do possível, nós faremos até o fim do ano que vem.
MN – E quanto ao polêmico episódio com o humorista Léo Lins?
André Gomes – Eu vou ser muito sincero com você. Até o ocorrido, eu não sabia quem era Leo Lins. Juro que eu não sabia quem era. É um gosto pessoal meu. Não sou muito chegado em stand-up. Embora tenha alguns comediantes que eu acho até engraçados, bacanas e tudo mais, mas o gênero não é uma coisa que me cativa muito. Ainda assim, tenho um enorme respeito pela arte das pessoas, sem problema algum. Mas eu, de fato, não sabia quem era Léo Lins. No primeiro momento eu recebi muita ligação das pessoas falando que ele tinha publicado um vídeo falando mal da cidade, falando mal do prefeito.
MN – Mas isso chegou a incomodar você?
André Gomes – Aqui para nós a liberdade criativa é sagrada. Jamais vou ligar ou notificar um artista porque ele falou mal do prefeito ou da cidade, embora eu ache de mau gosto, mas ele tem ampla liberdade para falar o que bem desejar. Depois eu vi que essa é uma estratégia de marketing dele. O problema é que, após isso, nós fomos notificados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Aí eu fui descobrir quem era o Léo Lins. Ele foi condenado em oito processos. Condenado, processo transitado em julgado, não é que está em análise, foi condenado nesses processos, alguns deles por ofender criança com hidrocefalia, outro por ofender uma mãe de uma criança autista, entre outros. Eu não vou lembrar agora quais são, mas ele tinha oito condenações e ele está sendo monitorado pelo Ministério Público de São Paulo e em qualquer momento ele pode sair preso de um show. Se ele ofender esses públicos, como tem feito na sua trajetória mais recente, ele pode sair preso. Então nós fomos provocados de duas formas, por uma ouvidoria que foi feita, que nós não sabemos, pois a denúncia é anônima, e outra pelo próprio Ministério Público, questionando o que Marília estava fazendo. Fomos provocados a tomar alguma atitude.
MN – Chegaram a pensar em cancelar o show?
André Gomes – No primeiro momento, houve quem defendesse cancelar o espetáculo. Eu e o prefeito defendemos que não, pois qualquer coisa que você faça previamente pode caracterizar censura prévia e nem de longe o nosso objetivo era esse. De forma alguma nós queremos censurar algum artista, ainda que o artista faça uma arte que nós não consideramos exatamente adequada. Quem somos nós para dizer o que as pessoas fazem ou não de arte. Nunca cogitamos nenhum tipo de censura, mas como buscar uma saída jurídica? Na saída jurídica, nós achamos que era um caso de notificar o produtor e o artista para que ele observasse a lei, que diz claramente que qualquer artista que ofenda a honra de algum cidadão, alguma coisa dessa natureza, tem que responder por isso.
MN – Mas a polêmica maior foi com a mudança no valor da multa?
André Gomes – A multa era muito irrisória, né? Praticamente inexistente. Aí o pessoal falou, “mudou por causa do Léo Lins”. Não foi por causa do Léo Lins. A lei vale até quando responde para atender os problemas que aparecem. Elas se tornam obsoletas quando surgem problemas para os quais ela não está adequada e foi esse o caso. A decisão foi minha. Eu falo isso com muita tranquilidade. Não foi do jurídico, não foi do chefe de gabinete. É claro que eu consultei o prefeito, mas a decisão foi minha. Depois acabamos nem multando. Nem chegamos a efetivar a multa.
MN – E você acha que essa polêmica toda aumentou a visibilidade para o show dele?
André Gomes – Eu acho. Teve uma cidade que cancelou um show dele. Eram 300 lugares no teatro e ele fez um show de graça em uma praça, com mais de mil pessoas. Seria um tiro no pé cancelar. Não teria o efeito desejado. Ele usa isso como marketing.
MN – Como você se sentiu com as piadas que ele fez ao seu respeito?
André Gomes – Eu sou muito eu sou uma pessoa muito bem resolvida quanto a isso. Eu acho que ele é pouco criativo, porque todas as piadas que ele fez foi em relação ao meu peso. Eu sou uma pessoa obesa, né? Tenho obesidade mórbida, que é uma doença catalogada pelo pela Organização Mundial de Saúde. Ninguém é gordo porque quer ser. Não é só porque eu gosto de comer. Eu gosto, mas não é só por isso. É porque tem o metabolismo mais lento e tem uma série de implicações. Acho que talvez isso possa ter ofendido outras pessoas, mas eu sou muito bem resolvido com isso. Eu sou muito tranquilo. Então eu não quis processar nem nada. Eu não tenho interesse em fazer isso. Até porque o advogado não é barato. Não vou gastar nem energia, nem tempo e nem dinheiro com isso.
MN – Você acha que as piadas dele são de mau gosto?
André Gomes – Se tem público que gosta desse tipo de comediante, eu acho lamentável. Eu fui ver as piadas que ele fez lá, o motivo pelo qual ele foi demitido do SBT, a piada que ele fez com a criança com hidrocefalia. Eu fico pensando como que alguém pode achar graça disso. Mas quem sou eu para julgar? Sobre o episódio, terminou dessa maneira. Ele veio, fez piada, fez o show, voltou para cidade dele com o bolso cheio de dinheiro, mas isso não é problema nosso.
MN – Apesar dos investimentos que você citou anteriormente, acha que o valor destinado para a Cultura ainda é pouco?
André Gomes – Eu acho. Mesmo com esses recursos dos editais, ainda é muito aquém das nossas necessidades. Temos muitos artistas em Marília. Eu fiquei impressionado, no último edital, com o número de jovens artistas. Cada dia aparece um talento novo. Eu já recebi aqui adolescentes com 12, 13 anos, com um livro escrito, pronto e publicado. Jovens artistas plásticos. Nessa semana eu recebi aqui uma professora da rede municipal de ensino, que ela tem o trabalho com uma aluna autista. A menina tem 10 anos de idade e escreveu um livro, criou os personagens e ilustrou um livro todo. Está belíssimo. Eu não consigo financiar pela secretaria, porque eu tenho que ter o processo seletivo, mas eu fiquei tão tocado com o projeto, que eu estou fazendo um esforço de financiar pessoalmente. Não é tão caro assim, então eu vou dar um pouquinho, vou recolher com os amigos e nós vamos bancar a publicação.
MN – Posso concluir que houve avanço na Cultura nesses últimos anos?
André Gomes – Eu acho que nós ainda não temos uma política e uma estrutura pública que esteja a altura dessa criatividade do nosso povo, mas vou te dar um exemplo. Quando eu assumi aqui, em 2017, você vai assustar com o dado. A cidade não comprava um único livro para biblioteca fazia 12 anos. A biblioteca sobrevivia apenas com doação. Em geral, as pessoas doam aquele livro que não serve mais, ou seja, nenhuma novidade do mercado editorial. Tudo que foi lançado na última década, não existia no acervo. As pessoas que gostam de ler, elas gostam dos clássicos, mas elas querem ler também novidades. Desde então eu posso te dizer, com certeza, que nós temos comprado livros sistematicamente, praticamente todo mês. Todo lançamento no mercado editorial nós estamos atentos. Ampliamos, por exemplo, as publicações infantis. Compramos mangás, essa literatura marginal, essa literatura de rua. A gente tinha duas bibliotecárias, uma aposentou um mês depois que eu entrei e a outra está aposentando agora no mês que vem. Nós fizemos um concurso, contratamos quatro bibliotecárias. Mudamos a lei. A chefe da biblioteca era um cargo em comissão. Nós criamos uma função gratificada, para que uma bibliotecária de carreira possa conduzir a biblioteca municipal. Então, isso tudo foi um grande avanço, mas nós precisamos continuar persistindo. A próxima gestão precisa contratar um museólogo. Não adianta você ter um museu, sem você ter um museólogo, um profissional especializado. O Museu Histórico e Pedagógico ainda não abrimos, embora a gente tenha um acervo muito rico, pois nós não temos expertise no nosso quadro de funcionários para organizar uma exposição de museu. Não podemos mostrar a história da cidade de qualquer jeito. Isso precisa estar organizado, precisa ter uma cronologia, precisa ter uma lógica, uma coerência. Estamos desenvolvendo um processo em que nós vamos fazer um chamamento público e vamos convocar uma organização social de Cultura, sem fins lucrativos, especializada, para fazer a gestão do museu. Então eu acho que nós temos ainda muito o que percorrer. Continuar reforçando o nosso quadro de servidores e consolidar esses mecanismos dos editais são prioridades.