Falta d’água na cidade? Transformando a crise atual em oportunidades
“Mais uma bomba do DAEM queima e bairros da zona Sul serão afetados”, pela terceira vez, e “Queima de bomba pode causar falta de água em bairros da zona Norte de Marília e regiões como Parque das Nações, Nova Almeida e Parque das Primaveras estão entre as áreas afetadas”.
Na última semana, fomos impactados por mais estas manchetes alarmantes sobre o desabastecimento de água em diferentes regiões de Marília. Bairros populosos e humildes sofrem com a falta deste recurso essencial à vida exigindo ação imediata e decisiva. Precisamos repensar e buscar soluções inteligentes e sustentáveis para garantir a segurança hídrica na cidade.
O atual modelo de abastecimento, baseado em bombear águas dos rios e lagos, transportá-las por longas distâncias até as estações de tratamento e bombeá-las novamente até o usuário final é insustentável. Além de gerar enorme pegada de carbono (emissão de gases de efeito estufa pelas atividades humanas) e de consumir quantidade significativa de energia elétrica, o processo é um absurdo ecológico, desperdiçando recursos valiosos e escassos pelos ralos e vasos sanitários.
Implantar soluções mais econômicas e ecológicas não é uma opção: é obrigação.
Dados disponíveis no site do DAEM revelam que os sistemas “Peixe”, “Cascata” e “Poços” são responsáveis por suprir toda a cidade, com vazões impressionantes. A principal fonte é subterrânea, dos aquíferos Guarani, Serra Geral e Bauru.
Há debate vivo sobre a terceirização. Importantíssimo. O farol da sensatez, por seu turno, joga luz sobre o mais relevante: garantir o acesso contínuo e sustentável a esse recurso essencial – a água. Sem ela, qualquer debate se torna irrelevante.
Felizmente, há alternativas viáveis e comprovadamente eficazes que podem ser implementadas.
Vejamos o caso recente da cidade californiana de Oceanside, no oeste norte-americano, que enfrentou grave crise hídrica. Semelhante a Marília, abastecia-se predominantemente do aquífero “Mission Basin”. O consumo constante e excessivo o esgotou. Secou.
Os gestores agiram rápido com solução revolucionária: águas residuais purificadas artificialmente. Submeteram águas cinzas (provenientes de lavagens de roupas, de louças e de banhos) e águas negras (dos vasos sanitários) a um avançado processo de tratamento, transformando-as em água potável.
Antes de torcer o nariz, saiba que os turistas e os usuários da Disneylândia consomem esta mesma água purificada sem sequer perceberem.
O segredo está na tecnologia a serviço humano. O processo, conhecido como “Pure Water Oceanside”, envolve filtragem com poros minúsculos (100.000 vezes menores que um fio de cabelo humano), osmose reversa e sistema de oxidação por luz ultravioleta e cloro. Os resultados são impressionantes: durante o auge da pandemia, sequer o vírus da Covid-19, presente nas águas residuais, era rastreável na água filtrada.
Hoje, a solução alcança mais de 200 cidades, incluindo San Diego e Orange County, fornecendo água potável de alta qualidade para mais de um milhão e meio de pessoas diariamente.
Outros aglomerados urbanos também dão passos importantes em direção à sustentabilidade hídrica. Curitiba, desde 2003, possui regras municipais que obrigam prédios comerciais a instalarem sistemas de separação de águas servidas, direcionadas a abastecer as descargas dos vasos sanitários, reduzindo significativamente o consumo de água potável.
San Francisco, por sua vez, foi pioneira ao exigir que novos edifícios comerciais reciclassem suas águas residuais no próprio local, resultando em economia de até 40%. Para comprovar a eficácia desse processo, fabricam a cerveja “Epic OneWater Brew” com água cinza purificada vinda de um condomínio residencial local.
Globalmente, Cingapura destaca-se como líder mundial em reciclagem, purificando aproximadamente 900 milhões de litros diários, 40% do total. Com metas ambiciosas, planeja elevar esse índice para 55% até 2060.
Reutilizar águas residuais é de extrema importância. De acordo com a “ONU Water”, cerca de 26% da população global, o equivalente a 2 bilhões de pessoas, ainda vivem sob escassez em todo o planeta. Se não tomadas medidas urgentes, espera-se que o número dobre até 2050.
Ações concretas, conjuntas, devem garantir a disponibilidade deste recurso vital para as gerações futuras. Os gestores públicos têm papel crucial neste processo.
Investir na educação pública é fundamental para que todos compreendam a importância de a utilizar responsavelmente. Além disso, políticas públicas que incentivem a adoção de tecnologias de tratamento e reutilização devem ser implementadas, bem como sua regulamentação.
Convencer sobre a importância de preservar fontes naturais, de proteger rios, lagos e aquíferos, é essencial à sustentabilidade, às futuras gerações. Crise hídrica não é um problema isolado: está intimamente ligada às mudanças climáticas globais.
Buscar soluções propositivas, inteligentes e compartilhadas é possibilitar a transformação da crise em oportunidades, mudando hábitos e construindo um mundo melhor para todos.
O futuro de Marília está, hoje, em nossas mãos.
Nossos herdeiros, desde já, agradecem.
Sucesso. Sempre.
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Marcos Boldrin é ex-secretário do Meio Ambiente, ex-secretário da Administração, urbanista, palestrante e coronel da reserva.